terça-feira, 28 de agosto de 2012

Primeiro Encontro Nacional de Vielas de Roda


Então eu finalmente tinha meu instrumento e estava finalmente no Brasil. O próximo passo seria - também finalmente - entrar em contato com o único brasileiro que eu conhecia (e mesmo assim, de vista) que possuía uma viela: Augusto Ornellas.

Augusto é um grande conhecedor não apenas da música galega, mas do gênero world music de forma geral. Pianista em sua formação primeira, ele também toca gaita galega e ainda arruma tempo para sua zanfona (galego para viela de roda), instrumento também "resgatado" fora do Brasil. Exatamente. Augusto teve a oportunidade de buscar sua viela (ou zanfona) na Galícia, onde teve a oportunidade de conhecer e estudar com grandes músicos desse universo. Seu talento, por sua vez, é utilizado no Kalahamsa, projeto musical do qual faz parte em Brasília.

Antes de mais nada, devo dizer que o que o Augusto tem de inteligente e experiente, ele tem de acessível e prestativo. Logo de primeira ele ficou claramente interessado na minha história e em meu instrumento, se prontificando instantaneamente a nos ver em janeiro, quando estivesse no Rio. Foi nessa ocasião,  dia 5 de janeiro de 2012, que pudemos realizar, pela primeira vez no país, um encontro de vielas de roda.

As crianças socializando
Não me sentia muito à vontade com a ideia de nos encontrarmos na rua, já que seríamos apenas duas pessoas e os instrumentos chamam muita atenção. Por conta disso, nosso encontro histórico ocorreu na casa do uillean piper (também o único do Rio) Alex Navar (aliás, fica aqui um abraço ao Alex).

Bom, o resultado foi maravilhoso. Ainda que nossas vielas sejam em tons diferentes (a dele em Dó, a minha em Ré), conversar e tirar dúvidas com um vielista foi absurdamente reconfortante. Além de me ajudar a afinar as cordas simpáticas (cordas fininhas que ficam paradinhas perto do tampo do instrumento, vibrando em ressonância com as outras, criando uma espécie de eco), Augusto me trouxe trilhões de presentes especialíssimos: partituras, resina líquida para a roda, um DVD de manutenção gravado pelo Neil Brook (construtor da minha viela) e... Algodão. Muito algodão. Sim, você sabe que você vive uma vida diferente quando fica indescritivelmente eufórico ao ganhar um saco de algodão. Ou quando você pára em frente a um espelho e repara que há algodão em seu cabelo. Bem... Efeitos colaterais de ter um hurdy-gurdy.

Presentes! ;-)
Augusto ainda aproveitou o fim de semana para aparecer no ensaio do Café Irlanda, onde pudemos trocar ainda mais algumas ideias e tunes, além, é claro, de participarmos do segundo encontro nacional de vielas de roda.

E é por isso que deixo aqui essa pequena homenagem ao provável primeiro vielista de roda de nosso país. Deixo aqui também meus agradecimentos sinceros ao mesmo. Obrigado pelas dicas, pelos contatos (que não são poucos!) e pela paciência ao me socorrer online para tirar dúvidas e indicar soluções inesquecíveis para problemas que, de modo geral, só nós conhecemos por aqui. =)

Que venham os outros encontros, e que sejam com mais vielistas!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Saga da Viela VII - Gales: terra de dragões... E hurdy-gurdies.

Gales: terra de dragões
Enquanto o avião descia pelas nuvens, a turbulência era absurda. Eu estava apertando os braços da poltrona, gelado. Foram dois anos trabalhando com mentalizações e e-mails (gordinha wicca mode: [on] - off) e agora sim, depois de toda aquela energia aplicada, o que eu mais soube esperar e desejar com força brutal estava finalmente se materializando *insira aqui sua piada sobre The Secret*. Ao meu ver, não era só um instrumento. Era a concretização de uma viagem épica, de uma grana pesada e claro, de um novo rumo na minha carreira e, consequentemente, na minha vida. Se pararmos para pensar, é muita coisa para trazer de um plano mental para este plano físico, então era bem óbvio que o processo traria, no mínimo, uma turbulênciazinha no meu pouso em Gales (não acredito que escrevi essas coisas aqui. Blogs me deixam sincero de mais, mas é isso aí.), mas eu nem refleti sobre isso e enquanto aquela p$#@% de avião sacudia mais que um trem velho eu morri de medo e quase me arrependi de ter começado tudo isso. Só que não.

Gales: terra do quê?!
Ao descer do avião, o esperado: cinza e verde imensos, mas sem dragões à vista. Na verdade, sem nada à vista, nem mesmo dinheiro (tive que trocar alguns euros por libras para usar o orelhão porque esqueci do detalhe de que em Gales uma outra moeda é utilizada. Boa, Henricão. Freakin' genious!) ou pessoas, já que todos desceram do avião e sumiram em 5 minutos e eu fiquei lá, esperando Chris e sua esposa. Em pleno domingo de halloween. Falei com eles ao telefone (um orelhão para o qual eles retornaram para avisar sobre o atraso, me causando o constrangimento internacional de atender um orelhão no meio do aeroporto com a maior naturalidade), e voltei a curtir o cd do Carreg Lafar que não parava de tocar. Eu não relaxava por nada. Sozinho em Gales para buscar um hurdy-gurdy. Só eu mesmo. Aliás, só nas ilhas britânicas o absoluto nada consegue exalar beleza e magia assim, de graça. Sentei e esperei.

Sim, um castelo.
Fui muito bem recebido por ambos. Dois fofos. Sabina foi uma verdadeira lady, fazendo perguntas interessantes sobre nosso país, enquanto o  Chris explicava um pouco da história do local com toda uma naturalidade. Não nego que havia um certo clima no ar. Você troca e-mails com uma pessoa do outro lado do atlântico por dois anos, conhece sua vizinhança via google street view e um belo dia, voilá, aparece lá. Você não sabe se considera a pessoa um conhecido ou um estranho completo. Eu tentei ser o mais educado e interessado possível, alternando entre as conversas e as fotos que eu podia tirar.

A casa deles era mágica. Uma típica casa galesa, apertadinha, aconchegante e rústica. Além da escada, que era apertada e linda, lembro de ver camas de gatos e de cachorros pelo chão, um alaúde, alguns instrumentos e panos pendurados no teto da cozinha. Aliás, a cozinha deles era de pedra e tinha uma vista de frente para uns morros verde-amarronzados, com algumas ovelhas. Por alguns segundos esqueci o porquê de estar ali... Até ser conduzido ao seu atelier, nos fundos da casa.

O local se tratava de um quartinho bem simples, empoeirado e extremamente humilde, mas só à primeira vista. Um olhar mais detalhista encontraria de cara um contrabaixo acústico ali, mais um alaúde acolá e vielas de roda novas e (bem) antigas penduradas no teto, fora todos as ferramentas. Todas as vielas eram lindas, sem dúvida, mas eu só tive olhos para uma que estava casualmente em cima de uma mesa, como uma criança esperando os pais na porta da escola.

Serious Business
Pisei na sala e logo a vi. E eu sei que o Chris percebeu isso. Ainda assim, provavelmente por puro sarcasmo Galês ou apenas para não aparentar estar ali apenas para negócios, ele decidiu me mostrar cada um daqueles instrumentos. Não surtei.  Ouvi tudo com o orgulho falso mais natural que já exercitei na vida. Ouvi histórias fascinantes, sobre quando ele foi abduzido pelo hurdy-gurdy há quase 30 anos, passando por um leilão épico em que ele adquiriu um instrumento do XIX (feito por Gilbert Nigout, malz aew!) e chegando até hoje, dias de modesta popularidade como um luthier de instrumentos antigos altamente respeitado no Reino Unido.

- And this one...

- Yep, this one.

Lembro de dizer apenas umas duas vezes que ela era linda, me contendo para não parecer desesperado... (imagina, né. Apenas despenquei da Ilha do Governador. Besteira!) E ele então gentilmente me deu algumas dicas técnicas, como retirar e lixar teclas que pudessem emperrar com a umidade. Isso ocorreu ao som do Uma História do Choro, que dei a ele de presente, numa conversa sobre como nós, Sul-americanos, temos em nossa música baixos extremamente coloridos e interessantes (respect). Antes de minha primeira e única aula, vejam bem, Sabina nos interrompeu de forma muito bem-vinda com um pouco de chá de maçã da turquia (!) numa caneca de hurdy-gurdy (!!). Discutimos algumas questões técnicas sobre tangentes (zZz), almoçamos um cozido com uma de suas filhas e só então eu pude ter minha primeira experiência, de fato tocando, ou melhor, tentando tocar, minha viela. A primeira tune que tentei tocar foi Llef Harlech, do Carreg Lafar, óbvio. E o engraçado é que eu filmei este momento histórico, mas a câmera ficou tão bem posicionada, mas tão bem....


Que só vemos as mãos do Chris.

Surreal. Eu não tive como tirar nem mesmo uma foto da casa deles, daquelas paredes ou daqueles instrumentos. Eu estava tão imerso naquele mundo que só consegui atualizar o status do facebook começar a conceber a magia daquele dia no dia seguinte, ao acordar ao lado do meu case, em Dublin.

Cheguei debaixo de uma chuva bem chatinha e fui recebido efusivamente pelos meus companheiros de banda. Ainda muito tenso com o dia inconcebível que tive, mal conseguia tocar (diferente do Caio, que mal encostou na viela e me saiu com Asa Branca na minha cara). Saí à noite, totalmente agoniado, mas ao voltar, a perfeição: dormir com o gurdy na minha cama, do meu lado, como um sonho totalmente palpável.

O sonho havia se realizado.