quinta-feira, 17 de abril de 2014

No Brasil: descoberta chocante

OK, SURTANDO AQUI.

Tá. Quem me conhece sabe que nessas minhas andanças pelo mundo vielístico eu procuro sempre saber quem já passou por aqui girando a manivela. Eu já mencionei alguns dos quais tive conhecimento, com o Pablo Lerner e seu tekerolant pelo nordeste, o Ariel Niñas em Minas e até o Robert Mandel lá pelos anos 80 passou por aqui, tocando no Rio, se não me engano.

O problema com esse tipo de "pesquisa" é que as apresentações que trazem a viela são geralmente obscuras, com pouco alcance. Além disso, temos que definir o tipo de viela ao qual estamos nos referindo. Se tratarmos da sinfonia medieval, fica realmente complicado, já que os grupos de música antiga nas grandes universidades brasileiras já existem há muito tempo... Se nos referirmos à viela "moderna", nos moldes que surgem mais ou menos à partir do século XVIII, conseguimos detecta-las de forma mais fácil. Ainda assim, tirando a apresentação do Arcade Fire e daquele ensemble francês que esteve por aqui ano passado, fica complicado ter acesso ao que passou por aqui, por conta da não existência da internet por aqui num passado não tão distante.

Daí, minha gente, o fato é que ontem, num momento super aleatório em que eu estava de bobeira em casa, fui, como sempre, assistir a uns videos a respeito do instrumento - na verdade para deixar de música de fundo para algumas leituras. Pesquisa um pouco daqui, lê um pouco de lá... Decidi procurar aquele solo épico que o Nigel Eaton tocou numa turnê com o Robert Plant lá pelos anos 90. Achei que seria uma boa trilha sonora para o momento em questão. Daí dei de cara com isso aqui:


                                               Favor colocar no minuto 00:22

Exatamente. Nigel esteve aqui na turnê do Plant lá pelos anos 90, e tocou duas gigs, uma no Rio e outra em São Paulo, tocando aquela viela de roda maravilhosa dele, e eu infelizmente era apenas uma criança que ouvia Estoy Aquí risos não sabia da existência desse instrumento e mal sabia que anos mais tarde esse mesmo homem me inspiraria a pesquisar/catar/comer o pão que o diabo amassou para arrumar uma e, claro, tocar a viela de roda.

Tomado pelo choque de tal revelação chocante, tratei de escrever para o próprio e perguntar mais ou menos COMOFAS como foi que isso rolou, o que ele achou etc; e de acordo com o Nigel ele esteve aqui mais. de. uma. vez.  MAISDEUMAFUCKIN'VEZ, minha gente. E antes mesmo do Robert Plant convida-lo para sua turnê (!), ele já havia passado por aqui em 86 e depois em 89, rodando o Brasil com alguma programação do consulado britânico. 

Daí é isso, galera. O universo já presenteou o Brasil com Nigel Eaton e seu bom e velho gurdy, quem tinha um, quatro ou doze anos de idade na época, perdeu. Quem viu, viu.  Quem não viu, chora. MAS CHORA MESMO. /drama

Se eu procurava a primeira vez em que uma viela foi tocada ao vivo e transmitida para todo mundo (ou quase isso) ver, acho que encontrei. Mas só acho.

No mais, faço minhas as palavras dele:

"I love Brasil and Brasil loves the Hurdy-Gurdy."

Vielistica e, pelo menos agora, amargamente,

Rique


sábado, 12 de abril de 2014

Mais da Suíça: session épica e o Bourrée D'armes


No meu primeiro dia de aula com Tobie Miller, a expectativa era grande. O medo também. Estar de cara com alguém que sabe tanto quanto ela pode ser assustador; e ainda que um professor não vá ser ríspido com um aluno particular, o medinho de parecer muito menor de uma maneira negativa me perseguia.

Claro que tudo correu bem, e eu deixei a aula não só animado com a perspectiva de aprender cada vez mais, mas também com um convite super, super, super, SU-PER chique: participar de uma session que rolava vez ou outra lá em Basel.

Direto de 2011 - Session em Dublin
Antes de mais nada, devo dizer que Tobie é casada com o grande Baptiste Romain, que além de um  talento em instrumentos como o violino (medieval e renascentista), lira de braccio e gaita de fole medieval (acredito que bretã), é também professor de música medieval. Pois bem, Baptiste tem uma aluna de gaita de fole que promove uma session que agora não sei dizer se é mensal ou não, se tem uma regularidade ou não. Fato é que no dia de minha primeira aula, a tal session rolaria e Tobie e Baptiste estariam lá. Óbvio que aceitei o convite; e ainda tive a pachorra de aparecer por lá com minha viela nas costas.

Minhas experiências com sessions sempre foram positivas. Na Irlanda, na França e aqui mesmo no Brasil, sempre conheci músicos muito amáveis, que claramente estavam ali por razões que iam além do que apenas tocar. As sessions tradicionais em que toquei sempre se mostraram encontros estranhamente formais e solenes, um encontro de pessoas que amam demais aquilo que está para ser tocado. Em Basel não foi diferente, mas de fato senti uma atmosfera mais séria.

Irish Session Rio
Cheguei debaixo de uma chuvinha fina, super tímido e meio perdido, já que o estabelecimento, se era ou foi alguma vez um bar, havia sido drasticamente modificado. Digo isso porque me deparei com uma sala completamente vazia, sem nada além de uma grande mesa (com alguns petiscos, algumas velas e algumas garrafas de vinho) e algumas cadeiras para os músicos. Com músicos, óbvio. Que me encararam com um ar que não sei até agora se era de "Wtf?", ""Olha, que legal, mais um!" ou "ah, então este é o brasileiro." Fiquei atônito demais com o gigante contrabaixo acústico preto para me preocupar com isso. Me apresentei, dei um oi a todos e tratei de tirar minha viela do saco, o que gerou uma ondinha de  "ohhh"'.

Eu estava muito tenso, porque de vielistas havia apenas eu e Tobie. Havia três moças no violino, dentre elas uma senhora muito, mas muito fofa. E todas elas tocavam num estilo tradicional que não era irlandês, mas sim bretão. Na conversa do dia seguinte Tobie insistiu no fato de a session não ter sido categoricamente bretã, já que rolou um pouco de tudo: música medieval, danças inglesas, francesas, irlandesas etc. Mas ainda assim, gente. Para quem vem do Rio de Janeiro aquilo foi uma session bretã maravilhosa e eu morri.

Num certo ponto da session, quando eu revezava minha atenção entre (tentar) acompanhar algumas tunes e responder as questões de uma senhora ao meu lado (Rique, o E.T. amigo diretamente do Rio de Janeiro com uma viela, vocês não tem ideia.), a anfitriã da session e aluna do Baptiste jogou na mesa um audível "e você, não vai tocar nada?". Tá ok que em sessions sempre rola um certo climão no ar toda vez que uma tune acaba, né. Há uma expectativa a respeito de quem vai puxar alguma coisa. Bom, nesse momento o climão me pareceu mais forte. Senti um calorzinho e desenterrei um bourrée que aprendi nos primeiros meses de viela de roda, pegando umas tunes num livro de danças tradicionais do Morvan, região montanhosa da França. Mandei essa tune de forma arriscada, não sei mesmo de onde ela saiu. Só sei que Baptiste prontamente me seguiu com sua gaita de fole, e logo depois um dos violinos entrou. Nesse momento achei fofo, esse apoio. Estava morrendo de medo de estar tocando algo claramente descontextualizado, ou sei lá, gente, vai que o raio do Morvan é uma região detestada por todos e eu estivesse causando um certo desconforto. (juro que o overthinking chegou nesses níveis)

Daí que na segunda repetição da tune todos, eu disse TODOS da sala estavam tocando e eu fiquei completamente arrepiado. Minha vontade era de chorar. Na terceira e quarta (!!!) repetições um casal (um senhor do violão e uma das moças do violino) se levantou e simplesmente começou a dançar os passinhos de dança tradicional. Meu sorriso bobo disfarçou bem, porque por dentro eu estava gritando YOU GUYS JUST DON'T UNDERSTAND aos prantos, mas me segurei e me joguei naquele momento. Fiquei tão tocado, mas tão tocado. Lembro de quando aprendi essa bourrée sozinho aqui no meu quarto, sem ter ideia do que eu e minha viela tínhamos pela frente.

Foi realmente uma noite memorável, uma das mais especiais que vivi. Ninguém no mundo vai entender. Nunca. Agora só falta uma session quase puramente vielística aqui no Brasil. E eu quero sentir a mesmíssima coisa novamente. =)


Para ouvir um pouco do Bourrée em questão, clique no link abaixo, que foi o único que encontrei.


Vielisticamente,

Rique

quarta-feira, 9 de abril de 2014

No Brasil: Arcade Fire



Por essa muita gente (5 dos meus 7 leitores risos) não esperava, mas sim: vamos  falar da fantástica Arcade Fire, banda que esteve no Brasil na semana passada para um show no Rio de Janeiro e uma apresentação no Lollapalooza, em São Paulo.

Para quem não sabe, a banda faz um rock  indie, com pegadas da música pop, eletrônica e mil - literalmente mil - outras influências; e uma dezena de instrumentos em suas apresentações, entre os quais, não tão obviamente, está a viela de roda.

Quem comanda a manivela na banda é Règine Chassagne, que além de se aventurar na viela também toca acordeon, bateria, xilofone, teclado e órgão. Além de cantar.

Essa apresentação acaba sendo especial porque me parece que é a primeira vez que uma viela de roda é tocada ao vivo para o Brasil todo ver, em o que, mais ou menos 1.200 anos de instrumento. Isso é bem especial. Uma pena que eu tenha perdido isso por questão de minutos, já que perto do fim do show dos caras eu precisei assistir a estreia da quarta temporada de Game of Thrones por motivos de força maior.

Bom, aqui vai um vídeo de umas das músicas em que a viela de roda aparece no Arcade Fire; e é justamente a canção que eles tocaram no Lollapalooza.

Isso é a viela ganhando mais espaço no mundo.



Vielisticamente,

Rique

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Daí construíram.


Finalmente uma viela (uma sinfonia, na verdade) construída no Brasil. Vejo um futuro promissor para Alexsandro Novaes - famoso Caviúna! Parabéns ao luthier!

Infelizmente não consegui botar o vídeo da forma que queria para vocês, então fiquem à vontade para clicar aqui.

Grande passo para a sociedade vielística brasileira.  ;-)

Vielisticamente,

Rique

Basel's Music Museum


Ano passado eu já havia visto algumas vielas maravilhosas na Cité de la Musique, em Paris. Foi uma grande tarde em que pude curtir até mesm o som de um erhu tocado ao vivo. Esse ano, como vocês sabem, fui atrás de mais vielas, mas lá em Basel; e esses tesouros atrás de mim estão lá, no Music Museum, um espaço modesto e bem simples, mas que guarda tesouros incalculáveis.

A tarde que passei lá foi maravilhosa, e o número de instrumentos que pude ver de perto, inacreditável. As salas eram separadas não só por períodos, mas por grupos de instrumentos. Então existia uma sala para violões, uma para violinos (quase morri), outra para flautas e por aí vai. Surreal. Abaixo, algumas fotos:


Eu sabia o nome disso. Juro.


Tambores tradicionais no caranval de Basel

Mais manivelas...

A parte das vielles era realmente bem limitada, mas não estou reclamando. Construtores como Pajot e Jean Louvet estavam ali diante de mim; e seus instrumentos, ainda irresistíveis. Não preciso dizer que fiquei babando horas por  essas vielas. Eu saía, dava um ~rolezinho~ pelo museu, fingia que estava interessado numa exposição sobre a historia do Rock n' Roll que estava rolando por lá e voltava para babar mais. 

Trombas Marinas
Além das vielas, pude babar um pouco nas trombas marinas (trompette marine). Esse inusitado instrumento que soa como um verdadeiro E.T. aos nosso ouvidos é um priminho distante da viela de roda, no sentido em que seu mecanismo é exatamente o mesmo do trompette da viela: há uma pequena peça de madeira que fica parcialmente solta no tampo do instrumento que, ao entrar em contato com a corda e responder a vibrações, emite um som bem característico. 

Nesse vídeo aqui (em português!) Carlos Ramos fala um pouco do instrumento.

Aparentemente a tromba marina teve seu auge no século XV, mas teria surgido séculos antes, derivando de um objeto de estudo musical para monges estudavam as distâncias e escalas. 

Nos resta saber se o nosso bom e velho trompette da viela recebeu esse nome por conta da semelhança entre os sons ou se isso se trata apenas de uma mera coincidência. De qualquer forma, fica o singelo registro desse dia tão especial para mim. =)

Aqui está o site do museu, para quem se interessar.

Vielisticamente,

Rique