quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Segundo Encontro Nacional de Vielas de Roda

Foto do Everton Rosa

Não é de bom tom contar para vocês, mas o segundo encontro de vielas de roda no Brasil quase não ocorreu. Não tínhamos uma data, um local e muito menos pessoas confirmando presença... Foi de última hora que minha amiga Aerith Asgard sugeriu que utilizássemos o II encontro  de Folk Metal do Paraná para nos reunirmos. A ideia foi a  salvação da pequena - e menor ainda na ocasião - pátria vielística.

Cheguei em Curitiba sábado pela manhã. Dividi o ônibus com minha viela e meu namorado (sim, rolaram passagens de ida e volta apenas para ela, assim evitei voar utilziando um case vagabundo por motivos de: segurança em primeiro lugar, me julguem.) e tivemos uma viagem maravilhosa. 

Ficamos na casa da Raine Holtz, que conseguiu ser uma anfitriã ainda mais maravilhosa que da última vez, tendo em vista que ela sabe usar os memes da Inês Brasil. Corremos para o Largo da Ordem, hall das já tradicionais apresentações da Raine; e de quebra conhecemos o Gabriel Inague, que recentemente trouxe sua viela diretamente de Gales. Um modelo super diferente, feito com uma cabaça africana e carinhosamente apelidado hurdy-gourdy por seu inventor, Neil Brook. Foi uma tarde LINDA. Não falamos de outra coisa que não fosse a viela de roda e sua história. E nossas experiências, ideias etc etc etc.

Luis Fitzpatrick e sua zanfona. Gentileza e talento.
Curitiba desta vez fez mais sentido para mim. Só de andar ali pelo Largo da Ordem,  ver as pessoas e respirar um pouco daquele ar já foi suficiente para eu entender mais a vibe da cidade. Amei. O que também contribuiu para eu cair ainda mais de amores por Curitiba, é claro, foi aproveitar um pouco de sua noite. Tive o prazer de assistir aos Gaiteiros de Lume tocando no Fitzpatrick's Irish Pub, estabelecimento recentemente aberto pelo gaiteiro, vielista, flautista, concerti... nista (?) e cantor Luis Fitzpatrick. Que prazer. De quebra ainda tivemos uma pequena session por lá e eu tive a sorte de tocar sua zanfona galega, construída pelo Jaime Rebollo.

Luis também cedeu seu pub para o grande evento no dia seguinte, que foi um sucesso. O pub estava repleto de estandes de venda, com hidromel, artesanato, acessórios e até instrumentos vikings. O palco, que fica bem no centro do pub como uma espécie de aquário, estavas sempre acolhendo alguém. E em algum momento estávamos lá eu, Raine e Gabriel, os únicos vielistas que realmente puderam comparecer ao encontro. No fim das contas falei apenas um pouco sobre o instrumento (quem curte folk metal geralmente sabe muito bem como a viela funciona) e toquei um pouco - digo, tocamos um pouco.



Spotted
Os vídeos completos de nossa humilde palestra/apresentação podem ser assistidos no canal da Aliança Folk.  Foi muito bom dividir esse momento com Raine e Gabriel, duas pessoas lindas que depois passaram parte da tarde comigo respondendo perguntas, deixando algumas pessoas tocarem seus instrumentos e claro, trocando ideias e experiências. Aliás, tive também o prazer de conhecer uma estudante de viela de roda lá de Curitiba, a Kakau Salinas, que tem estudado viela com o Luis e já está arrasando na técnica do chien. Muito, mas muito legal mesmo ver esse tipo de coisa. O dia foi maravilhoso. Voltamos para o Rio de Janeiro com um aperto no coração. Esse nosso encontro foi algo quase simbólico, para não passarmos o ano sem um evento voltado para nós. Foi uma reunião de amigos, algo extremamente informal; e justamente por isso, inesquecível e verdadeiro.

Deixo aqui meu sincero obrigado ao Luis e sua boa vontade, aos organziadores do evento, em especial à Aerith, tão gentil e atenciosa. Deixo também um abraço aos queridos colegas de instrumento que não puderam comparecer a este encontro, em especial à Nayane Teixeira e seu Wren, que fizeram tanta falta, e também aos meninos da Mandala Folk, Mateus Solowski e Fernando Kinach. Vocês e todo mundo do nosso querido grupo do facebook fizeram falta. Ano que vem organizaremos tudo com bastante antecedência e quero ver cada um de vocês conosco.



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Enfrentando medos: tangentes.


Já se foram quase quatro anos desde que eu pude tocar numa viela de roda pela primeira vez. Estando no Brasil, absolutamente exilados do "universo" que rodeia o instrumento na Europa e até mesmo na América do Norte, nós acabamos nos tornando luthiers também, de certa forma - ou deveríamos, em teoria. 

Eu achei que já havia recebido minha parcela de perrengues de liuteria quando, há algum tempo, precisei não só retirar algumas teclas da viela antiga, mas também lixa-las na medida certa e coloca-las de volta sem problema algum. A humidade havia chegado de vez nela e algumas teclas haviam literalmente inchado. Filho da %$#@, pensei. Bem que o luthier avisou. A mesma coisa rolou recentemente quando meu dó grave quebrou. Eu havia sido avisado, fiquei possesso, mas tudo correu bem. O primeiro perrengue, contudo, foi muito tenso. Retirar teclas... Olhando o teclado de uma boa e velha viela de roda, a tarefa não pareceria tão assustadora, não fosse por um pequeno detalhe: as tangentes. (BOOM!)

Essas pecinhas fofas e delicadas que se encontram presas nas teclas são nada mais nada menos que a (s) alma(s) da viela de roda. São elas que encostam nas cordas, encurtando-as e produzindo as notas. Um poder que pode tanto simplificar quanto complicar a vida, daí o medo absurdo de brincar com elas.

Uma coisa que aprendi é que quando falamos da afinação de uma viela de roda não precisamos necessariamente mexer nas tangentes. Aliás, na maioria das vezes esse não será o caso. Quando tocamos viela de roda, temos de lidar com milhares de possibilidades que podem influenciar o instrumento, a saber: 

1) A quantidade de algodão nas cordas - Muito algodão deixa o som abafado e com interrupções - as notas precisam ser continuas, de forma natural. Pouco algodão, por outro lado, pode deixar o som meio arranhado e nada agradável.

2) A quantidade de resina na roda - Novamente, muita resina na roda vai resultar num som também arranhado, você não vai conseguir produzir uma nota que preste; enquanto pouca resina na roda vai deixar o som baixinho e distante. Algumas notas mal soariam.

3) A pressão das cordas na roda - Isso é regulado nas vielas mais tradicionais com pequenos pedaços de papel ou plástico colocados por baixo das cordas ali no cavalete, de modo que a corda não fique tão pressionada contra a roda, algo que também gera o som arranhado e uma série de barulhos nada bem-vindos.

Certa vez, depois de passar dias tentando consertar a forma como um dó sustenido soava, um luthier teve a  cara de pau de me dizer "ah, tudo bem. Você não vai usar muito essa nota, mesmo". Bom, eu tendo a concordar mais com uma professora minha que disse que pagamos caro por um instrumento e que todas as notas devem soar dignamente. Não existe uma tecla não funcionar, uma nota não existir. Devemos fazer tudo para que todas estejam em ordem. A questão aqui é que se nos certificarmos de que tudo que mencionei ali em cima está ok e ainda assim tivermos algumas notinhas soando fora, sejam elas mais agudas ou graves (geralmente as problemáticas são as mais agudas) teremos que mexer nas tangentes. .(NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOO!) - Sim. E acreditem, não é esse bicho de sete cabeças. Se eu tivesse tomado coragem de fazer isso há mais tempo, eu teria aproveitado muito mais minha antiga viela de roda. Mas enfim, vamos lá.

Exemplo tirado do site richard-york.co.uk
As vielas mais tradicionais possuem tangentes de madeira, como as da imagem ao lado. Para mexermos nelas, precisamos apenas de uma chave de fenda básica e um lápis. As tangentes estão presas em diferentes direções que não são nada aleatórias. Elas estão do jeito que estão por uma razão: a afinação. Para alterarmos suas alturas, precisamos apenas afrouxar um pouco os parafuzinhos que as seguram e girarmos elas levemente para um lado ou para o outro. Eu sei que isso soa extremamente simples, mas é necessário muito cuidado para não perdermos de vista a posição em que ela se encontra inicialmente. Um afinador eletrônico vai te ajudar muito, mas ainda assim, né. Ficar atento não custa nada. E POR FAVOR CERTIFIQUEM-SE DE AFINAR A CORDA SOLTA antes de qualquer coisa. Mesmo.

Além disso, existem dois aspectos fundamentais que precisamos ter em mente ao mexermos nas tangentes:

1) A direção para qual a tangente apontava originalmente. Antes de move-la, marque um pontinho com de lápis bem em frente à sua ponta, desta forma, se a afinação for de vez pro espaço você saberá para onde apontar a sua tangente novamente e recomeçar. 

2) Certifique-se de que ambas as tangentes (de ambas as cordas cantoras) encostem nas cordas ao mesmo tempo, para ter certeza disso é necessário que ambas as cordas estejam acionadas, isto é, fora do suporte que suspendem elas. Uma tangente encostar antes da outra nas cordas pode gerar problemas sonoros indesejáveis.

Exemplo tirado do drehleierworstatt.com - tangentes de metal
As minhas tangentes são de metal, um tipo mais moderno, como as da foto acima - de um instrumento também construído pelo Sebastian Hislmann. Estas tangentes são reguláveis tanto da esquerda para a direita como de baixo para cima, me permitindo assim ver pela marca do próprio parafuso  a altura correta para que ambas tamgentes tocassem as cordas ao mesmo tempo. Já em relação à direção, não foi preciso utilizar o lápis para marcar a posição original. O truqe aqui é afrouxar o parafuso na medida certa para que a tangente não fique tão solta, de modo que possamos move-la muito sutilmente até atingirmos a finação desejada. O resultado foi magnífico e o som ficou perfeito. Foi libertador, fazer isso. Praticamente um rito de iniciação.

Um outro aspecto importante que devemos levar em conta é a extensão completa da corda. Cada viela tem uma extensão específica que deve ir do local por onde a corda sai, até o cavalete. A minha eu descobri porque meu luthier fez questão de deixar isso claro para mim, então seria o caso de sempre perguntarmos. Caso essa distância seja alterada (geralmente porque aquelas madeirinhas ali no topo [ffoto ao lado] se moveram), também podemos ter problemas de afinação. Este seria um caso mais difícil de ocorrer, pelo que entendi, mas ainda é uma possibilidade.

O importante é manter a calma e tentar, sempre. Apenas assim veremos que somos capazes de mexer nesse instrumento tão complicado. Nós ouvimos o tempo todo o quão cuidadosos devemos ser com a viela, como é um instrumento delicado, que requer cuidados etc. Acho que isso nos inibe muito na hora de tomarmos atitudes em relação à manutenção. Vamos lembrar que esse instrumento está aí há pouco mais de que, dez séculos? São instrumentos que levam tempo para serem feitos, então não vão ser pequenas manutenções que vão quebra-los para sempre. Lembrem-se que afinação é fundamental para qualquer músico, em qualquer instrumento. E que nossa viela já foi muito rotulada como algo que soa dolorosamente ruim durante séculos. Tá na hora de darmos um desconto a ela. =)

Mãos à obra!

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Viela de Roda no Jornal - Rioshow

Fotinho pelo Davi Paladini
E dia desses (semana passada) saiu um matéria no Rioshow sobre instrumentos incomuns; fui convidado pela jornalista Paula Lacerda a conversar com pouco sobre a viela de roda, minha banda e minha história com o instrumento. Foi uma experiência bem bacana e os frutos apareceram domingo, na nossa session mensal em Botafogo. Muitas carinhas novas, animadas e encantadas não só pela viela mas por tudo que rola em nossa session. =)

Confira a matéria clincando aqui.


Vielisticamente,

(Logo logo retomo com novidades vielisticas sobre meu amado Rio de Janeiro)

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Busk in Rio ;-)


Sábado, 19:30 PM. Ipanema. Uma senhora sisuda e austera passa por nós de cara amarrada. Mais uns passos à frente para, olha pra trás e retorna. Gelei. Essa daí não gostou, não, penso.

- Que engraçado. Que instrumento é esse?

- É uma viela de roda.

- Nossa... Que inusitado. Parabéns, vocês são inusitados. Essa foi a coisa mais inusitada que vi hoje.

- Obrigado! =)

Ela se retira - dessa vez com um sorriso no rosto - para ceder ao impulso por uma segunda vez e voltar pro nosso cantinho.

- Olha, toma: não é dinheiro, não. Mas é inusitado também.

Assim eu e Pedro concluímos mais um dia de busking nas ruas do Rio. Ele com sua flauta doce, eu com minha viela de roda. Terminar o dia recebendo arte em troca de arte foi um momento extremamente especial, e agora dividimos a custódia da inusitada tela que abre este post.




Feirinha do Lavradio
Busking. Taí uma coisa que nunca havia pensado que ia amar fazer na vida. Ultimamente eu tenho refletido muito sobre a música que toco e o que quero, e tocar nas ruas é um ótimo lugar para fazer música de forma leve e descompromissada. Me ajuda a pensar. Além de ser também uma ótima forma de estudar sem se sentir muito observado - meus vizinhos obviamente sabem muito bem quando estou ensaiando, ao passo que na rua o meu público muda a cada alguns minutos.

A ideia é aparecermos aos fins de semanas em alguns pontos bem característicos, como a feirinha da rua do Lavradio, na Lapa; a rua Voluntários da Pátria, em Botafogo ou a praça General Osório, em Ipanema.

Essa experiência tem sido cada vez mais enriquecedora. Pessoas de todos os tipos param e ficam encantados pelo som da flauta com a viela, principalmente as crianças. O mais interessante é ver como algumas reações são previsíveis: durante algum tempo a sensação é de ser invisível. Ninguém dá a mínima... Até uma pessoa interromper seu trajeto e parar. Basta UMA alma fazer isso para que outras tomem coragem e parem, sorriam e te abordem. =)

Sei que pode parecer besteira, mas fica meu registro. E meu agradecimento às pessoas que chegaram aqui após pararem e terem tido a curiosidade de me perguntar sobre esse instrumento fascinante. Com o tempo vou postando uma pequena agenda dos locais e horários em que estaremos nas ruas com nosso pequeno projeto itinerante. 


Vielisticamente,

;-)

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Berimbau + Viela de Roda


Eu não consegui encontrar absolutamente nada sobre este projeto na internet - e não sei nada de alemão, mas uma brasileira com um berimbau e uma alemã (eu acho) na viela de roda deve ser no mínimo interessante. A ideia de unir uma viela a um instrumento tão diferente dela (e provavelmente mais antigo) me fascina. O berimbau pode ser - e é na maioria das vezes - tão intrigante quanto a viela para a maioria das pessoas lá fora. Achei a ideia simplesmente genial. 

Ficarei ligado para trazer mais informações. =)


Vielisticamente,

quarta-feira, 8 de julho de 2015

As Rosas Não Falam


As voltas que o mundo dá.

Passei a vida ouvindo falar sobre esta música. A ouvi uma vez ou outra. mas a descobri realmente no show de uma talentosíssima cantora... Irlandesa. E foi essa mesma canção que escolhi para esse vídeo gravado há algumas semanas pelo meu amado amigo Pedro Costa, companheiro de drinks, chás, tarots e Irish sessions.

Além de uma belíssima canção, As Rosas Não Falam foi também uma belíssima desculpa para eu brincar na minha corda dó, grave e poderoso atributo do instrumento feito pelo sagaz Sebastian Hilsmann. 

Espero que vocês gostem.

Vielisticamente,


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Lyanna's Farewell



A sensação que estou vivendo no momento é das mais estranhas que já senti. É dessas que a gente acha que nunca vai vivenciar...

É que as coisas vem e vão, né. Tudo em sua hora. E o tempo passa, e a gente nunca vê e nunca se dá conta até aquele momento de olhar pra trás e ficar embasbacado. Bom, falando em tempo e em hora, é chegado o momento de você, meu xodó - e companheira da maior aventura que já vivi - finalmente seguir em frente. Isso mesmo, com outra pessoa. Nunca pensei. Você mais uma vez me surpreendeu e se mostrou com vida própria. E as pessoas acham que você tem um rosto humano esculpido por nenhuma razão aparente...

Escrever isso aqui ainda é inacreditável, parece que vou acordar a qualquer momento de um sonho estranho. E eu digo isso por tudo aquilo que só a gente sabe. Você me acompanhou em coisas inconcebíveis. São muitas memórias. Uma vida inteira vivida em três anos e meio. Diversos vôos e trens, diferentes países e cidades. Caminhadas, histórias... Da Lapa carioca aos muros medievais de Carcassonne, passando pela floresta negra, na Alemanha, e Galway e Gales, com seus dragões e aviões de papelão... São memórias eternas, desde a primeira semana, quando você dormia na mesma cama que eu, lá na Irlanda... Passando pela primeira vez num palco com ao seu lado, caindo de amores pelo encanto nos olhos das pessoas nos vendo pela primeira vez aqui no Brasil, depois de dois anos de trabalho e perrengue para te trazer aqui. Incontáveis estratégias para escaparmos das tripulações aéreas. Muita tensão, mas uma tensão recheada de uma ansiedade gostosa. Fazer música com você para mim é sinônimo de viajar. Com você ganhei meu primeiro dinheirinho tocando na rua. Com você me descobri.

Escrever isso aqui é me despedir de uma irmã e uma melhor amiga. Mas eu prefiro pensar que estaria levando você a um altar, dando o adeus simbólico de um momento que a gente sempre sabe que vai chegar mas se faz de desentendido. A gente faz o que deve - eu tento - e eu acho que isso é o que eu devo fazer agora, por uma série de razões.

Primeira gig.
Eu só sei que no fim do dia seria injusto - um verdadeiro sacrilégio - manter você aqui quando há tanta gente querendo trilhar esse caminho também.Você merece isso, merece ser tocada constantemente, mantendo sua tradição viva por mais centenas de anos, levando suas cordas a estilos cada vez mais inesperados, e fazendo bonito. 

Foi desabafando com alguém que respeito e admiro muito que seu destino ficou claro. Era tão óbvio, né. Parece que eu fui o último a saber. E por isso tudo hoje foi difícil te deixar lá, viu. Mas é isso aí. Vida nova pra gente. Nem você sabe o que te espera à frente, mas sabemos que vai ser mágico.

Eu te busquei em Gales em 2011, pessoalmente; extasiado com a beleza de um instrumento de que já possuía tanta história para contar. Entre esse ano e o ano de 2014, seu reparo nunca havia me impedido de absolutamente nada. Ano passado você chegou a fazer birra por conta da temperatura, e ao reagir à mudança entre o Brasil e a Europa, sua rachadura cedeu. Foi assim que você me levou lá no Sebastian Hilsmann em Kirchzarten. O resultado foi maravilhoso, e o reparo foi permanente. Nossa separação foi decidida ali, também, quando pude encomendar uma nova viela. Hoje o ciclo se completa. Parabéns a nós dois. 

Por você passaram Chris Allen e Sebastian Hilsmann. Juntos também contamos com a ajuda de Laurent Bitaud, em Bourges, na França, e da fera Tobie Miller, na Suíça. Todos eles nos ajudaram e por conta deles hoje a sua história é também uma pequena parte dessas pessoas muito especiais. E mais importante ainda, parte fundamental da minha história.

É uma honra vê-la seguir esse caminho. E apesar do aperto no coração, a felicidade e a certeza de que o certo foi feito prevalecem.

Obrigado pelas viagens.
Obrigado pelas lições inesquecíveis.
Obrigado pela música.

E obrigado pela jornada que apenas começou.
Foi uma honra.


Vielisticamente,





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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Sivrit


Sivrit ;-)
Eu.
"Dia 4/04/2015

Um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar.

O dito popular nos remete ao quão peculiares certas situações são; e como elas ~nunca~ acontecem duas vezes com a mesma pessoa.

Ainda agora, enquanto me arrumava para vir à estação, quis chorar. Meia-noite no Rio, cinco da manhã em Munique. Frio, chuva, frio, frio, frio. Meus amigos todos estavam numa festinha, e falar com eles no facetime mexeu comigo mais que o esperado, afinal cheguei aqui ontem. E vou embora amanhã. A cada viagem me descubro mais vielista, mas também mais carioca.

Alpes: de Zurique à Munique
Dezesseis minutos até o ônibus chegar e me levar até o metrô. Mais uns vinte minutos e voilà, estava eu na Hauahueahueahfptbanhoff (nomes em alemão lol)... E agora estou aqui acompanhado de Siegfried (ou Sivrit) no kindle, aguardando o trem partir. De Munique, vou até Karlsruhe. De lá, parto à Freiburg, de onde pego um trem menor até Kirchzarten. São quase seis horas de viagem, sem contar as horas que levei do Rio de Janeiro à São Paulo, de São Paulo à Zurique e de Zurique à Munique. E os 18 meses de quase absoluta economia e planejamento. E o estresse, e os momentos em que quis desistir porque o euro é muito caro, porque cada hora eu invento uma história nova, porque Henrique você não tem mais o que fazer? Pessoas não fazem isso.

Às vezes eu acho que tudo isso aqui é uma grande loucura - e que mais loucas ainda são as pessoas ao meu redor, que me apoiam! Mas na maioria das vezes, não: a gente luta pelo que ama, por aquilo que move tudo dentro de nós. Não sei se vocês já se sentiram assim em relação a alguma coisa, mas é algo incontrolável. Eu poderia estar fazendo mil outras coisas. Me ferrando para comprar um carrinho, para pagar um aluguel maior que meu bolso ou sei lá o que, mas escolhi isso. De novo.

Há alguns anos algo incomum ocorreu em Merthyr Tyddfill, em Gales. E hoje, esse mesmo algo está ocorrendo aqui na Alemanha. O raio vai cair em Kirchzarten, e vocês querem saber de uma coisa? Não me arrependo.

Nossa vida é muito cômoda. Tudo, T U D O, pode ser pedido online hoje em dia. Você pode receber qualquer coisa na porta de sua casa, sem dar um passo fora de sua porta. De sua cidade. De seu continente. Longe de mim dizer que vir até aqui foi um grande sacrifício, mas ficar em casa esperando suas coisas pode gerar obesidade e depressão. -q/

Junte essa desculpa deliciosamente esfarrapada às taxas às quais instrumentos importados estão sujeitos, adicione os riscos de uma viela ser despedaçada em um vôo e ta-dá! Nasce uma aventura com direito a pessoas que só falam alemão e riem de seu chapéu anti-frio, muffins de blueberry, pessoas aleatórias que desempenham um papel descomunalmente fundamental na sua vida e claro, raios que caem quantas vezes quiserem, onde quiserem. 

E vielas com cavalete ajustável, porque já que é pra sonhar, bora sonhar direito. ;)"




*Sivrit foi assim nomeado por conta do herói do poema épico germânico, Das Nibelungenlied.

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Kirchzarten é a cidade onde encontramos o atelier do meu novo luthier, Sebastian Hilsmann e suas vielas apaixonantes (link aqui). Para saberem como cheguei até ele e sua viela Largo, cliquem aqui,

Obrigado aos meus pais pelo apoio, sempre. Aos meus amigos do Café Irlanda por aturarem meus bordões; e ao meu querido namorado, sem o qual eu já teria desistido dessa aventura. Ao Sebastian e sua incansável paciência, um forte abraço. E um beijo na testa da querida Stefanie Nagel, que me acolheu em sua linda casa. Sem vocês, esse instrumento e eu jamais teríamos dado início à nossa história.

Vielisticamente,


terça-feira, 31 de março de 2015

Viela no Brasil entrevista: Anna Murphy (Eluveitie)


Que a viela de roda tem ganhado popularidade de forma assustadoramente rápida, não surpreende mais ninguém. Aqui no Brasil, vimos o número de vielistas crescer absurdamente em menos de três anos (éramos dois quando trouxe a minha, somos 15 agora?). Independente dos nossos músicos e de suas diferentes formas de chegar ao instrumento, um dos maiores - se não o maior - canal difusor da viela de roda aqui no Brasil e no mundo atualmente é a banda de folk metal Eluveitie.

Mesclando instrumentos "típicos" do metal com instrumentos tradicionais (gaitas de fole, flautas, bandola, violino e claro, viela de roda) a banda tem sempre um fundo histórico por trás de seus trabalhos, fazendo referências a entidades e personalidades históricas do mundo celta - principalmente no que diz respeito aos Helvetii, tribo gaulesa que ocupava toda a região que hoje é a Suíça durante o império Romano, uma tribo cuja história e língua são recriadas e exploradas em letras da própria banda através de muita pesquisa e originalidade. Para a felicidade de muitos, o Eluveitie passará pelo Brasil nesse mês que se inicia, tocando dia 11 de abril em São Paulo, dia 12 no Teatro Odisséia, aqui no Rio de Janeiro, dia 13 em Porto Alegre e dia 14 em Curitiba.

E hoje, com enorme prazer, meu blog celebra a vinda da banda trazendo para vocês uma entrevista exclusiva com Anna Murphy, vocalista e vielista de roda do Eluveitie. Anna Murphy, que também trabalha como engenheira de som nos estúdios SoundFarm, em Lucerna, encontra tempo em sua agenda para lidar paralelamente com outros projetos como Lethe ProjectFräkmündt e claro, o seu projeto solo, que é fantástico. 

Essa entrevista não teria acontecido se não fosse pela sempre muito gentil Niha Cartena, webmiss e fundadora do fã clube do Eluveitie, que além possuir um blog maneiríssimo (clique aqui), também possibilitou essa oportunidade maravilhosa. Obrigado pelo apoio e pela força. Fica aqui meu forte abraço. Fica também um beijo enorme à Nayane Teixeira (blog vielístico aqui), que tornou esse contato possível.

Enjoy. ;)

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                                                      Eluveitie - Omnos (acústico)

• Vielistas normalmente tocam mais de um instrumento até o momento em que são “abduzidos”
por esse instrumento fascinante. O que te atraiu mais no instrumento, o visual ou apenas o som?

- Eu vi a viela de roda pela primeira vez quando fui assistir a um show do Faun (banda folk alemã); 
eu era muito jovem na época, tinha uns 15 anos, e fui com minha mãe. Assim que eu ouvi as primeiras notas da viela de roda eu disse a ela “é isso que eu quero tocar!”, então podemos dizer que foi principalmente o som – mas a coisa toda tem um visual muito cool.


• Quando eu comecei a tocar viela de roda, as pessoas me olhavam como se eu fosse um alien. Isso ocorreu com você em algum nível, ou o fato de você viver na Europa tornou isso algo mais natural?

- Eu acho que há mais pessoas que conhecem o instrumento aqui, mas a maioria delas é  envolvida com música antiga ou folk. Quase todos os músicos de outros estilos não tem a menor noção do que é uma viela de roda e geralmente ficam confusos ao ouvirem o instrumento pela primeira vez.


• O que é pior: trocar o algodão ou trocar as cordas? 

- Definitivamente as cordas!

• Enquanto vielista, sei  que lidar com o instrumento no palco pode ser bem trabalhoso e delicado. Você já passou por muitos problemas nesse sentido? Como os resolveu?

- Basicamente o tempo todo.  ;-)  Eu diria que oito anos tocando viela de roda numa banda de metal que  está constantemente em turnê foi desafiador. Especialmente quando eu tinha apenas uma viela,  porque se alguma coisa desse errado eu não teria onde leva-la para um reparo, já que luthiers de vielas de roda não existem em todos os lugares. 

Durante esses anos eu passei por milhares de problemas, seja deixando-a cair ou até mesmo a coisa toda simplesmente quebrar sem nenhuma razão aparente. Por sorte isso mudou, já que agora tenho mais de um instrumento e toco em uma viela elétrica há mais ou menos um ano. É por isso também que eu normalmente uso apenas as cordas cantoras ao vivo: do contrário eu teria que reajustar o trompette e os bordões constantemente, alterando a tensão das cordas, o que não leva apenas alguns segundos, infelizmente...


• Que modelo você tem usado e o que o torna especial?
Anna e seu Accento, com direito a preamp.

Meu instrumento principal para tocar ao vivo é o “Accento”, do Sebastian Hilsmann: eu amo esse instrumento. É confiável, robusto e soa incrível pelo fato de o som não depender do corpo do instrumento para ser ouvido. Para tocar acusticamente e para gravações, eu uso o “Largo”, também do Sebastian Hilsmann. O som é rico, reforçado por várias cordas simpáticas.


• Você tem uma marca favorite de cordas?

- Sim, eu gosto muito da Savarez


• Você pode mencionar um dos momentos mais especiais que você viveu com sua viela de roda?

- Basicamente cada vez que a tripulação não me enche o saco por eu leva-la como bagagem de mão. 


• Você já escreveu alguma peça instrumental na viela de roda ou você geralmente compõe em 
outros instrumentos?

- Sim, já escrevi algumas! Um exemplo é a música “Sacrapos”, do Eluveitie. 


•  Uma mensagem para os futuros vielistas brasileiros. 

- “Rock those hurdies!! ;)"

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Para saber mais sobre Anna e sua banda:   https://www.eluveitie.ch

Vielisticamente,


segunda-feira, 16 de março de 2015

EP Café Irlanda

Foto pelo querido amigo Pedro Costa - Café Irlanda no Teatro Rival 2015
A primeira vez em que encostei em um violino eu tinha 14 anos. Por um lado, a desvantagem: já não era mais tão criança, por outro, a verdade é que eu já possuía uma certa consciência musical; e uma tendência clara a sonoridades mais diferentes, a uma pegada mais folk.

Gravando Sharon's Song com grandes amigos
Eu ouvia muita coisa que formou meu caráter musical, que me moldou de uma forma estranhamente positiva. Dentre essas coisas, havia a música galega, que utilizava a viela de roda. Meu contato com a viela, naquela época, se resumia ao som, e no fim das contas a única forma de atingir (ou chegar o mais próximo possível daquelas sonoridades) seria através do violino, instrumento que fez toda a diferença; e me salvou de tantas coisas que nem cabem aqui. Sou eternamente grato ao violino e a tudo que ele me proporcionou e ainda proporciona, mas o ponto alto para mim sempre foi o fato de ele ter me levado a formar o Café Irlanda, que em seu início me deu uma energia imensurável para lutar por dois anos até conseguir minha viela de roda.

No veleiro Cisne Branco
Pegar a viela, tocar a viela e traze-la para casa foi a melhor experiência que já vivi, mesmo com a estranha surpresa de ela não ter funcionado na hora H: a viela de roda não tem e provavelmente nunca terá N A D A a ver com música irlandesa, a não ser seus bordões, vez ou outra em ré. Ao perceber que para mim isso não diminuía em nada a magia do instrumento, me dei conta do quão preso a ele eu estava. E aos poucos eu vi que a aparente distância entre ela e a música irlandesa não me impedia de toca-la, de conhecer outras músicas. E pude ver que essa distancia não existia quando o assunto era música brasileira. E o resto é uma estrada sem fim. Venho seguindo com calma, fazendo o que consigo e desbravando novos mundos musicais; e a verdade é que eu dei uma boa volta ao mundo e terminei aqui no Brasil, gravando pela primeira vez minha voz tímida, acompanhada pelo meu violino e claro, pela minha viela de roda.  Algo que nunca imaginei que faria, por mais que eu quisesse. 

Gravando
A canção que escolhi saiu na viela em alguns minutos, quase como se tivesse sido escrita para o instrumento. Eu já a amava há anos, e agora a amo ainda mais. A escolha veio porque a interpretava como uma bela canção de amor, com uma escolha de palavras que me remete ao misticismo, à espera de algo mágico e ao amor. Essa música é um marco, uma porta e uma chave. E eu agradeço a todos pelo apoio, direto ou indireto.


Você pode ouvir o resultado dessa história toda aqui.

O lançamento deste EP virtual do Café Irlanda dá início a um processo do qual eu jamais sairei, e eu espero que essa música toque vocês tanto quanto a mim.


Vielisticamente,

;-)


2015 e suas novidades

E é com muito prazer que depois de um longo e merecido descanso, eu volto ao blog para dar início a este que já é um ano memorável.

Nosso pequeno mundo à manivela abre 2015 com alguns lançamentos muito importantes para a cena brasileira, começando com minha querida amiga e artista de quem sou fã, Raine Holtz.



Raine Holtz está lançando seu novo álbum, Confluence: The rivers of Sorrow, que vem atingindo metas (e o sonho!) de ser financiado através do site kickante, possibilitando um lançamento físico para este projeto tão lindo e tão rico, cheio de viela de roda e outros instrumentos apaixonantes. Este álbum representa tanto, em tantos aspectos... É, antes de mais nada, o sucesso e a visibilidade de uma mulher trans, algo raro de se ver dentro e fora de nosso país. É a música independente mostrando seu poder. E é o passeio pelo mundo fantástico que a Raine cria em seus sons, e a viela de roda florescendo através de uma artista brasileira. Orgulho.

Sobre seu novo trabalho, o primeiro lançado enquanto uma mulher que sabe e ama quem é, Raine nos diz:

“Confluence: The Rivers of Sorrow” é, sob este contexto, meu primeiro álbum, e eu ouso dizer que é a melhor coisa que eu já fiz. Ele ultrapassa “Schadenfreude” em beleza e refinamento; “Santuário” em sabedoria e clareza; “Deconstruct the Debris” em força e propósito, e “Sail, Schooner” em estória e significado. É o epítome da minha auto-descoberta, minha honestidade e coragem; e ainda sim é tão delicado e confortante quanto os últimos momentos de pura lucidez antes da morte. É a jornada de um espírito desde suas origens até sua vinda à carne, e subsequente partida. É a primeira coisa que faz sentido para mim."

Raine tem tocado também por Curitiba, e eu deixo aqui um vídeo de sua última apresentação, dia 13 de março.

Mais informações:

http://www.throughwaves.com
http://www.kickante.com.br/confluence


Vielisticamente,

;-)