quarta-feira, 3 de abril de 2013

À Moda Antiga: tocando na rua pela primeira vez


"Twas then when the hurdy-gurdy man
Came singing songs of love"

 - Donovan -

Uma moça lendo seu livro, crianças brincando na grama, pessoas se equilibrando em elásticos e... Um cara tocando uma coisa bizarra. Essa foi a cena que algumas pessoas presenciaram sábado aqui no Rio, no Parque dos Patins. Como eu não tinha me dado conta disso? Não existe você tocar um instrumento que é em grande parte conhecido por ter pertencido a músicos cegos de rua e não tocar na lá, na rua, no meio do povo!

Com os olhares curiosos eu já sei lidar muito bem. São sempre os mesmos, na verdade. Se não te olham com curiosidade, te olham com espanto. Se não te olham com espanto, pasmem, te olham com deboche. Engraçado que o fato de uma pessoa te lançar um olhar curioso não significa que ela vá necessariamente se interessar pelo instrumento, parando para ouvir melhor ou perguntar alguma coisa. Poucas pessoas realmente o fazem.

Bem, o fato é que sábado fui às ruas pela primeira vez com minha viela de roda. Pensei em ficar aqui pela Ilha mesmo, pertinho de casa, mas por puro preconceito eu acho que a sociedade insulana não está preparada para uma viela de roda, então decidi encarar a árdua tarefa de tocar sozinho para um público novo lá na Lagoa; um lugar que tem um significado todo especial para mim porque foi um dos lugares-chave no início do Café Irlanda. Costumávamos ensaiar lá tanto no início de tudo como um pouco depois, e eu sempre tive lembranças muito felizes de lá. As pessoas sempre amigáveis, gentis, interessadas... Enfim, me enfiei lá com Lyanna para ver o que rolava; e a tensão pairava no ar não só por eu morar no Rio e ter medo de ser roubado, mas também pelo tempo que estava ameaçando chover a qualquer instante.

Assim que tomei coragem e botei a viela no colo, uma surpresa: além de alguns curiosos passersby, uma joaninha veio diretamente do nada e pousou no instrumento. Dizem que é um sinal de que vem um marido por aí, mas a primeira pessoa a chegar junto e perguntar sobre o instrumento foi um simpático senhor que fica por lá vendendo biscoito globo e  e eu me recuso risos  para minha alegria, tocando várias danças diferentes numa gaita! Ficamos um tempo trocando ideias e ele ficou realmente encantado com a viela, já que ele tem um interesse por músicas tradicionais.

A joaninha e este senhor abriram a porta, então mais pessoas tomaram coragem de se aproximar. A moça que lia perto de mim, por exemplo, me agradeceu (depois de pedir para seu filho me perguntar o nome do instrumento) e disse se interessar muito pelo repertório que estava ensaiando ali (danças medievais, cantigas, bourrées). Fiquei contente e continuei meu ensaio-experimento. Esse tipo de resposta era tudo que eu precisava para continuar com meu busking, então segui mais relaxado e fiquei cada vez mais contente com a reação das pessoas, sempre feliz de ser interrompido e responder suas perguntas.

Tive a oportunidade de distribuir alguns cartões do Café Irlanda para algumas pessoas; E entre uma trupe de palhaços curiosos e um pai com seu filho skatista, algumas pessoas apenas filmavam ou tiravam fotos de mim ou comigo (!). O que me chamou a atenção, em particular, foi a reação das crianças, que mal piscavam olhando eu girar a manivela. Eu sempre senti esse ar pueril no instrumento, especificamente no ato de girar uma manivela para produzir som. Isso se concretizou para mim quando um rapazinho me perguntou se eu estava segurando um brinquedo e eu disse que sim. =)

A experiência de tocar e improvisar na frente de um público que muda a cada música, mas que quando para, para de verdade, e te assiste como poucas pessoas fazem numa apresentação propriamente dita, foi gratificante e muito enriquecedora. Tenho certeza que essa semana (sim, eu talvez fique viciado nisso) a coisa vai fluir melhor.

No mais, devo agradecer ao querido Raine Holtz, por ter literalmente me dado a ideia e me encorajado tanto. Somos poucos e devemos fazer de tudo para que nosso instrumento chegue de verdade às nossas terras. Só posso dizer que meu feriado não poderia ter sido melhor, então espero fazer isso muito mais vezes. Amei divulgar a música que eu amo; e fico feliz em recrutar mais admiradores (novos ou velhos) da música folk e poder, de certa forma, informar as pessoas sobre as mais fantásticas coisas que existem por aí. Foi assim, de forma aleatória, com uma coisa puxando a outra, que cheguei à viela e seu mundo mágico. 

Desejo isso a todo mundo!