segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Saga da Viela VI - Deixando Dublin


Quando acordei, deveriam ser 5:30 da manhã. Ainda não tínhamos nos adaptado ao fuso horário local, ainda mais naquelas condições (havíamos chegado na tarde anterior, indo do albergue diretamente para uma aula em grupo na Waltons School of Music, seguida por um bom banho e uma longa noite com pub crawl e baladas [sim, no plural, poque eu sou tr00] ). Apesar do frio, acho que eu tremia mais de nervoso. Havia dormido muito pouco e estava ansioso. Engraçado que eu passei tanto tempo imaginando aquele dia, mas não pensei naquele momento de acordar sabendo o que aconteceria... Sem pensar no frio na barriga que sentiria. Na escuridão das ruas que me levariam ao aeroporto.

Lembro de tomar um sofrido banho e estar me vestindo enquanto o Davi comemorava de sua cama que o grande dia finalmente havia chegado. Casaco, luvas, dinheiro na doleira e mochila nas costas. Bati a porta do quarto torcendo para retornar com um case nas costas. A rua estava bem mais gelada que na noite anterior. E o clima de fim de festa estava em cada esquina. Pedi informação sobre o ponto do Air coach para alguns taxistas mal-encarados e tremi com o frio que fazia na fila (eu e mais duas pessoas). 7,00 euros e 10 minutos depois, pronto: lá estava eu dentro do ônibus indo ao aeroporto para botar em prática um plano de dois anos que duraria um dia. Eu lembro de sentir muito medo. Qualquer coisa que desse errado, já era. Eu estava sozinho com uma mochila e uma quantia muito alta de dinheiro para quem passaria apenas um dia em um outro país. Tentei me acalmar ouvindo The Corrs. Imaginando quantas vezes eles já haviam cruzado aquelas ruas, fazendo aquele caminho para o aeroporto, para depois cruzar aquele mar cinza-esverdeado.

O aeroporto me pareceu bem mais bonito que no dia anterior, em que ficamos apenas na área de desembarque. Um gentil senhor me ajudou a fazer o check-in depois de uns 20 minutos que gastei indo de um terminal ao outro. Com o check-in feito, só me restava comer, ouvir música, relaxar e... escrever no meu diário de viagem. Reparei em tantas pessoas. Tracei histórias imaginárias sobre elas e os lugares para os quais estariam indo, mas acho que escrevi sem estar com a cabeça ali. A sensação de estar prestes a realizar um sonho muito grandioso é absurdamente eletrizante, mas gera muito medo. Absolutamente tudo precisaria estar em seu lugar. Me sentia como um criminoso prestes a executar um ato abominável, mas não sei bem o porquê disso. Enfim, o fato é que apesar de não ter sentido tanta fome (fico assim quando estou ansioso), eu precisava tomar um tímido café da manhã antes de embarcar.

Devo dizer que foi um momento mega forever alone. Mas estava me sentindo um aventureiro no ápice de sua jornada épica. Desbravando um mundo desconhecido para recuperar algo de suma importância para sua vida. Claro que nesse caso, o herói em questão tirava foto de tudo. Do croissant e do suco que seriam seu café da manhã até as passagens que o fariam cruzar um mar duas vezes no mesmo dia. Rio-de-Janeiro-Madrid-Dublin-Cardiff-Merthyr-Tydfill, Merthyr-Tydfill-Cardiff-Dublin-Madrid-Rio-de-Janeiro. Aer Lingus. Só de pensar nesse nome sinto aquele frio da barriga misturado com saudade.

Passado o café da manhã, a espera se tornou algo massante e enlouquecedor. Momentos de tensão rolaram para eu achar meu portão de embarque, mas uma vez encontrado, só me restou sentar e curtir o visual da pista de pouso e decolagem. Desde que eu havia chegado à Irlanda, eu ainda não havia tido tempo de sentar e falar "ok, aqui estou eu. Assimilemos esse dado". Talvez porque fazer isso implicasse em conceber a ideia de um fim para aqueles dias mágicos. Bem, no fim das contas, a chamada para o bendito portão 935 ocorreu e eu entrei numa pequena fila para o embarque. Éramos tão poucos. E eu lembro de ver duas francesas conversando, obviamente em francês. Queria tanto ter falado com elas, mas o meu pavor daquele simpático avião me deixou estático. The Lord was testing me. E entrar naquele avião provavelmente era a prova final antes do meu prêmio. O avião era o chefão daquela fase. rs

Pensem numa pessoa com medo de altura.
Agora imaginem esta pessoa num avião de papelão.

Eu mal havia chegado na Irlanda e já estava partindo. Quando entrei no avião, entrei numa outra realidade. Outro universo. E tudo que restava ali era o medo de altura. Estava dormente; e com o avião decolando eu dei play nos CD's do Carreg Lafar e vi uma ensolarada Dublin se perder em meio a nuvens cinzas que cheiravam a sonho saindo do forno da realidade.

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