A música, quando permitimos, muda nossas vidas como se fosse o destino em pessoa, nos forçando a tomar decisões baseadas no coração. Sonhando futuros, amando presentes e largando passados, nós, vítimas assumidas das Musas, nos entregamos ao traçar de caminhos cheios de aventura, como jovens apaixonados em romances baratos ou canônicos, fugindo para terras distantes por uma única e exclusiva razão: o amor.
Brega, concordo. Mas uma absoluta verdade.
Daí que hoje eu estava vendo um vídeo muito - MUITO - interessante gravado em 1976 sobre um jovem vielista/luhtier francês chamado Jacques Grandchamp. O vídeo abre com ele num ambiente campestre tradicionalmente francês, tocando uma das suas vielas. Ele não me pareceu ser um expoente da técnica da viela de roda, na verdade (but then again... Quem liga para virtuosismo?), mas basta você olhar para ele ou - para aqueles que entendem francês - ouvi-lo falar, para perceber que o amor dele por tudo aquilo era bem real. Eu sei o que é aquilo e por mais que eu fale, escreva, desenhe ou toque, não tem como quem está de fora compreender.
Pois bem, o mini-documentário mostra um número interessante de formas e tamanhos de diferentes vielas, enquanto Jacques nos fala, de uma forma um tanto quanto informal, sobre o processo de construção de suas vielas. Ele intercala esses passos, inclusive, com o que ele sabe sobre a história do instrumento. O que me chamou a atenção, contudo, foi o fato de ele mencionar um lado negro - quase mórbido, mesmo - da viela de roda na idade média. Ele afirma que a viela aparece sempre antes de um acontecimento trágico, a ponto de ser considerado (não sei se por ele, exatamente) "comme un annonciateur de grandes catastrophes".
Bem, a verdade é que na idade média, a viela de roda, como todo e qualquer instrumento utilizado em bailes e reuniões festivas informais, chegou a ser considerada como um instrumento demoníaco por conta de uma associação natural entre ela (e o violino, aliás, o que me garante 7.000 hectares no inferno) e as idéias de boemia, festas, álcool... Enfim, pelo fato de a música profana dialogar, de uma forma ou de outra, com as melhores coisas da vida. ;-)
A questão da viela de roda anunciar tragédias, entretanto, me pegou. Acho que fiquei surpreso porque na minha vida, especificamente, pensar na música (especialmente na viela), é pensar em alegria, satisfação, e amor. É pensar em sonho realizado. A viela é um instrumento que já chegou a mim como o fim de uma era complicada, o prelúdio de uma pequena jornada épica que se provou, por sua vez, o início de uma era muito maior e mais mágica do que eu poderia imaginar.
Lyanna and me: Cahir Castle - Ireland 2011 |
Foi a música, meus amigos, que me carregou para o outro lado do oceano atlântico para explorar os castelos, os campos e as chuvas geladas da Ilha Esmeralda. Foi a música que me fez ver, também, o dragão de Gales de perto e provar para mim mesmo que sonhos se realizam. Acima de tudo, foi a música, sem dúvida alguma, que me fez ser alguém e fazer amigos que carregarei para o resto da vida.
Hoje a viela de roda prova mais uma vez que seu papel sempre foi o de anunciar sonhos para mim. E eu posso dizer que em breve estarei cruzando o atlântico outra vez, com ela e por ela, para o seio de um dos raríssimos países em que ela, a viela de roda, conseguiu sobreviver ininterruptamente desde a idade média.
França, aí vamos nós.
;-D
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