Ir à Suíça por causa da viela de roda foi provavelmente a coisa mais sábia que eu poderia ter feito enquanto vielista. Saber disso no meu primeiro dia de viagem, contudo, não foi possível. E nem vou entrar nessa onda ~misteriosa e circular~ e dizer que eu acho que certas coisas estão destinadas a acontecer dei sorte. Vou sim falar da Basiléia e de tudo que aquela cidade me trouxe nos próximos posts, então por hora vou apenas contar para vocês o que rolou depois de eu ter me deparado com uma fucking rachadura no fundo da minha Lyanna.
Chorar teria sido a reação mais natural, e eu juro que eu quis chorar, de verdade. Mas nem isso consegui. Fiquei sentado no meu banquinho, no meio de Heathrow, me sentindo sem chão. Não tive reação nenhuma, e só depois de mais de uma hora é que eu levantei e fui procurar um lugar para dormir.
#PartiuFreiburg |
Uma vez no hotel, pude inspecionar a rachadura e tudo que eu podia pensar era que ela tinha sido causada pela mudança temperatura, elemento que não deveria ter tido esse impacto, por mais forte que fosse. Depois pude confirmar que de fato o reparo feito nela antes de eu compra-la não havia sido feito da melhor forma possível. Enfim, um pouco mais tranquilo (prêmio Nobel de ser humano mais tranquilo para mim PRA ONTEM obg) e tentando raciocinar, escrevi para a minha professora tentando manter a calma. Tobie Miller, sábia que é, me disse que na Suíça em si eu não encontraria nenhum luthier, mas que o mais próximo estava "ali na Alemanha", há exatos 40 minutos da Basiléia (viva a Europa, que é do tamanho do meu bairro). Okay, then foi tudo o que eu pude dizer. Então mal cheguei à Basiléia e fui até Freiburg ver o que poderia ser feito.
Bom, se tem uma coisa que aprendi nessa vida vielística é que luthiers nunca nunca nunca nunca NUNCA moram onde eles dizem morar. Gales não quer dizer Cardiff, França não quer dizer Paris e... Freiburg não quer dizer Freiburg, mas sim:
Uma "cidade" de três ruas há 20 minutos de Freiburg. Sério. |
Sebastian foi super atencioso, tratou de fuçar o instrumento todo, e disse que de fato a temperatura fez a madeira ceder. Por outro lado, como eu havia desconfiado, isso só aconteceu porque quem a reparou antes o fez meio que às pressas, aparentemente. Então Sebastian disse que eu precisaria deixa-la lá (EM OUTRO PAÍS) por dois dias, para que ele pudesse consertar de vez o corpo do instrumento, tirando a roda (I know) e utilizando algo que deixasse o corpo dela estável por dentro também. Fui pra casa com o coração na mão, e fiz o favor de pegar um trem errado que começou a me levar para os fucking Alpes por engano - mas isso não vem ao caso.
Passar um dia inteiro longe da viela foi mais fácil do que eu imaginei; provavelmente porque eu sabia que eu precisava disso. Ao mesmo tempo, eu não sabia se xingava muito no twitter por algo tão
Meu aniversário é dia 23 de Setembro. obg |
Para coroar esse pequeno susto da porra que levamos, algo muito legal: enquanto esperava o Sebastian, tive a oportunidade de ver um pouco de seu trabalho, que é verdadeiramente apaixonante e minuciosamente bem pensado. Pude tocar no seu modelo Largo - uma viela mais grave, muito linda e irresistível e ver de perto outras dependências de seu atelier. As possibilidades de tons, texturas sonoras e combinações em suas vielas é descomunal. Realmente seguindo a linha dos grandes luthiers contemporâneos, seus instrumentos nos oferecem cavaletes reguláveis, capos, um sistema de cravelhas super confortável e trompettes para todos os gostos. Fora o sistema de captação, que te abre um UNIVERSO de possibilidades. Quero chorar só ao lembrar.
Também quero chorar porque infelizmente não pude fotografar muito. Fiquei sem graça (é o ambiente de trabalho dele, algo super pessoal, ainda mais se pensarmos que ele é um construtor de vielas de roda. Em Kirchzarten.), mas garanto que foi fantástico ver vielas e mais vielas em estantes, vielas de cores e tamanhos diferentes (havia uma verde!) e um aprendiz/ajudante que parecia um elfo perdido de algum RPG qualquer. Enfim, os minutos que passei com a viela Largo pareceram dias, fiquei realmente vidrado e por alguns minutos esqueci que eu tinha meu próprio instrumento. Alíás, foi interessante ver que o Sebastian ficou interessadíssimo em minha viela, por ser algo tão diferente para ele, por conta da afinação tipicamente francesa, a altura das notas e seu timbre. Nossa conversa foi extremamente enriquecedora.
Nesse dia voltei para a Basiléia com um sorriso de orelha a orelha, prontinho para ter minha primeira aula e ver se teria coragem de levar Lyanna às ruas suíças para descolar uma graninha, algo que acabei fazendo mais de uma vez e sobre o qual escrevei logo, logo, e bem feliz. Foi como se Londres nunca tivesse existido, e minha viela nunca tivesse precisado de ajuda.
Sei lá, algumas coisas parecem TER que acontecer para que outras coisas cheguem até nós. E de fato eu sinto isso até agora. Os dias que seguiram foram alguns dos melhores de toda a minha vida musical, e de fato me fizeram ver que todo esforço vale a pena quando fazemos aquilo que amamos.
Para mais informações sobre esse talento secreto do mundo vielístico que atende por Sebastian Hilsmann, vocês podem visistar o site oficial dele aqui.
Rique