sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Next step: Basel

Basilea
Daí que eu juro que havia prometido pra mim mesmo que nesse ano que se aproxima eu sossegaria e ficaria na minha. 2013 foi um grande ano para mim e dona Lyanna. Rodamos a França em janeiro, voltamos, gravamos coisas, nos apresentamos e estudamos bastante. Além disso, vocês sabe como é, né, a pessoa fez letras e é músico e mimimi. Ela tem que sossegar em algum momento. Ou não. XD

Sabe quando você conhece alguém aleatoriamente? E sabe quando esse alguém é um mineiro muito gente fina, que é músico e tal (e né, dois músicos quando se juntam não sabem ficar quietos, e o papo rola solto). Pois bem:

Conheci um rapaz muito legal no carnaval, assim que cheguei de viagem. Conversa vai, conversa vem, em pleno carnaval, o primeiro PAM da história: ele trabalha com música antiga, e leciona canto numa escola de música antiga (duh) na Suíça. Estava no Brasil de férias curtindo um pouco o carnaval e revendo a família. Mais conversa vai e mais conversa vem e PAM [2]: descobrimos que ele é colega de uma vielista que admiro muito e que trabalha com música barroca na mesma escola que ele: Tobie Miller. Dude, Tobie Miller, que para quem não sabe é uma verdadeira diva eterna assumidade/virtuosa da viela de roda barroca. Eu já via coisas sobre ela antes mesmo de comprar a minha viela... Sua história é interessante não só porque ela é uma das poucas vielistas que chegaram ao instrumento através de uma formação sólida em música antiga (e não através da música folk) mas porque toda sua formação é erudita e vem de família - Tobie tocava violino também, e hoje se divide entre a viela, a flauta doce e o canto, tocando em diferentes ensembles e trabalhando com pessoas do calibre de Matthias Loibner, fora seu trabalho como professora dentro e fora da Schola Cantorum Balisiensis.

Pronto, bastou esse meu rápido papo de algumas horas com o Victor para mais um passo ser dado na trajetória desse ser estranho que vos escreve. Uma plethora (finalmente uma desculpa pra usar essa palavra rsrsrsrssssss) de nights a serem trocadas por noites em claro assistindo séries dentre as quais estão Downton Abbey (não quero falar sobre isso por motivos de: estupros) , Homeland, The Good Wife, The Walking Dead (aliás deixo aqui meu CONGRATU-FUCKIN'-LATIONS pro Rick babacão-fdp que expulsou a Carol mas fez pior que ela depois no mid-season finale, idiota imbecil parei) para que mais dinheiros fossem guardados para que eu pudesse cogitar outra viagem; dessa vez para Basileia, cidade aleatória e linda que faz fronteira com França e Alemanha, e para onde estarei viajando em breve.

Basi o quê? - Léia.
Alguns meses e pouquíssimas mensagens depois, voilà, estaria por vir mais um mês lá do outro lado do atlântico (e apesar de isso ser o máximo, eu sempre fico tenso por motivos de: aviões) girando a manivela e tentando aprender o máximo possível. O porém dessa vez, meus amigos, é que isso vai rolar num ambiente mais erudito e, quase consequentemente, mais rigoroso. UÉ HENRIQUE MEIRELLES, MAS VOCÊ NÃO FUGIU DO MUNDO ERUDITO? -S. VDD.

                                                           Mas quem resiste a isso?! 

Eu vivo mencionando a dicotomia chata e inconveniente que existe entre o mundo da música folk/popular e o mundo da música erudita, que sempre me pesou nas costas quando eu estudava violino clássico. Toda aquela atmosfera tensa de uma sala de concerto, todo aquele ar pomposo de superioridade e pedantismo, fora as caras e bocas e poses... Enfim, tudo aquilo que ia contra a minha ideia de música/arte/prazer sempre me incomodou, e crescer musicalmente na atmosfera folk tem sido uma experiência muito interessante porque pude ver que o problema nunca é a atmosfera musical em si, mas sim as pessoas. O que quero dizer é que no fim das contas acabei me deparando com esses mesmos drawbacks também no meu mundinho. Para variar, perdi o fio da meada, vamos lá:

Acho que devemos ter em mente que toda essa aura de realeza que emana do mundo erudito tem uma razão de ser. Suas peças podem ser incrivelmente mais complexas que a maioria das boas e velhas tunes, de forma geral, já que obviamente sabemos que tudo depende do músico que estiver executando a música. Relativismos à parte, uma coisa é certa: os meus anos de violino clássico em escolas e conservatórios fazem com que até hoje meus dedos atinjam os lugares que quero com mais precisão, e as horas consagradas a peças e escalas e mudanças de posição me renderam uma certa fluência que me é muito útil, de fomo que eu só tenho a agradecer aos meus últimos professores - ambos apaixonados pelo período barroco -  que de fato me fizeram crescer mais que meus professores desse lado da moeda.


A ironia por trás desse post se dá quando o foco cai sobre a viela de roda e vemos que apesar de carregar uma história muito, mas muito mais longa que a do violino que conhecemos hoje, seu quase desfecho foi imensuravelmente mais trágico. Enquanto o violino seguia seu caminho para o topo da "cadeia alimentar" coroando orquestras e arrastando multidões para as salas de concerto, a pobre viela, apesar de seu rápido boom no século XVIII, ficou com os mendigos cegos da Europa risos teve um quase-fim um pouco menos feliz.

Analisando a sua história a gente pensaria que a tradição que o instrumento traz seria muito mais pesada, mas a verdade é bem outra. Tudo parece mais leve quando falamos de vielas e vielistas, e eu pude ouvir mais de uma vez um dos ícones da "França vielística" mandando que eu ignorasse a tradição e fizesse o que eu queria fazer, porque música é prazer, é liberdade e eu nada teria a ver com uma tradição que só serviria de amarras. Bom, que fique claro que quando ele dizia "tradição", ele se referia à tradição folclórica da região central da França. De fato entendo que há uma linguagem a ser seguida em cada estilo e eu respeito isso, mas no fim acredito que um sotaque nativo não te garante boa comunicação, e tenho isso como fato. Por isso guardei o conselho do Laurent no coração com muito carinho e tento lembrar dele sempre que me dou conta do quão irlandês ou caipira eu ainda não soo. 

Por outro lado, justamente por não negar minhas origens e por reconhecer a importância que o mundo erudito teve em mim, decidi mudar um pouco o rumo da minha trajetória vielística e encarar essa tortura (rsssss) que vai ser estudar ao lado da Tobie e sua bagagem erutida em Basileia. Se houve um período em que a viela de roda ganhou status de um instrumento legítimo, esse período foi o Barroco. Inúmeros compositores (dentre os quais se encontram Mozart e Vivaldi, ok?) escreveram para a viela, métodos foram criados e um verdadeiro boom de luthiers veio à tona nas cortes de Louis XIV e Louis XV, graças a utópica ideia de volta aos costumes campestres e à simplicidade dos campos. Claro que depois da revolução tudo isso mudou e a viela foi mais uma vez deixada aos campos, mas o repertório daquela época ficou; e aquilo que foi construído em volta do instrumento permaneceu para nós e com certeza é uma grande fonte de técnica e diferentes visões e abordagens - principalmente em relação a maldita mão direita, que na música barroca não para quieta risos.

Bom, fato é que nunca estive mais animado. Primeiro porque a Suíça é um país sobre o qual eu mal pensei na minha vida - nunca me chamou muito a atenção. E segundo porque a cidade em questão - Basileia, Basel, Bâle - é um lugar sobre o qual jamais ouvi falar e tem um nome super sonoro (/random).

Mais uma vez a viela vai me levar a outro mundo, e mais uma vez aquele friozinho na barriga vem chegando e aumentando a cada dia.

Que venha a Basileia e tudo o que ela pude me oferecer.
Feliz 2014 a todos nós!

Vielisticamente,

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

No Brasil e No Passado: Blowzabella (!)


Blowzabella em sua atual formação
Imagine a dificuldade de ter e manter uma banda sem grandes problemas. Imaginou? Meio complicado, né?Ok. Agora imagine ter e manter uma banda sem grandes problemas, enquanto os integrantes da mesma mudam constantemente ao longo dos anos. Foi? Ok, Então imagine tudo isso dando certo por 35  - sim, trinta-e-cinco anos. Esse é o caso do Blowzabella, grupo folk inglês que é uma verdadeira referência tanto no nosso pequeno mundo vielístico como no mundão (zinho) da gaita de foles e, obviamente, da música folk européia em geral.

Dança Tradicional - França - 2012
Essa banda é provavelmente a maior banda de folk do planeta; e eu os vejo como verdadeiros rockstars, já que seu som puramente folk pode ser extremamente eletrizante, contando com diferentes gaitas, violinos (até de 5 cordas), viola d'amore, melodeon, viela de roda, saxofone, flautas, baixo e diferentes instrumentos de percussão. Suas turnês envolvem grandes festivais folk, e grandes danças tradicionais que geralmente ocorrem na França.


Meu primeiro contato com o Blowzabella ocorreu enquanto pesquisava algumas tunes tocadas pelo Nigel Eaton e descobri que ele havia integrado a banda em sua quarta formação, após Cliff Stapleton, Sam Palmer e Juan Wijingaard, também grandes vielistas que hoje são (muito) bem representados pelo Gregory Jolivet - ex-aluno do Laurent =).

Gregory Jolivet
A contribuição da banda para o mundo folk é tão significativa que até mesmo uma Encyclopedia Blowzabellica de música folk foi criada, catalogando diferentes danças tradicionais européias de acordo com seus ritmos (jigs, polkas, Bourrées, Mazurcas etc)

Mais um sonho realizado seria vê-los em ação ao vivo, principalmente aqui no Brasil. E daí esse post: descobri essa semana que eles de fato estiveram por aqui nos anos 80, e quem me disse isso foi ninguém menos que o próprio gaiteiro deles, o Paul James. Nos correspondemos rapidamente através de uma comunidade online e qual não foi minha surpresa ao saber que não só eles estiveram aqui no Brasil, mas estiveram bem aqui no Rio de Janeiro. Infelizmente ele (ainda) não me deu mais detalhes sobre essa vinda ao nosso país, mas só saber que isso ocorreu em algum momento é  bem aleatório. Ainda mais numa época em que o instrumento está em alta, a gente nem ouve falar desse tipo de artista por aqui. Go figure.

Blowzabella lançou agora em outubro o seu 13º Album, Strange News.


 

Para mais informações: http://www.blowzabella.com/

Vielisticamente,

domingo, 1 de dezembro de 2013

Cordas


Daí finalmente tomei coragem e resolvi fazer um post mais útil e enfrentar abordar esse assunto que costuma ser tão confuso tanto para quem toca como para quem nunca viu uma viela na vida: cordas.

Antes de mais nada quero deixar claro que hoje em dia os modelos de viela são muitos, e nos deparamos tanto com velhas vielas com aspectos ultra tradicionais quanto com vielas modernosas e cheias dos apetrechos como capos, rodas móveis, terceira fileira de teclas e por aí vai. O que me parece mais importante, no entanto, são os tipos de cordas existentes e as posições que elas vão ocupar no instrumento. Para isso, vamos revisar aqui, partindo da primeira corda próxima a mim (clique na imagem para amplia-la):

Ou eu toco viela ou aprendo a alterar imagens. Lidem com o paint.

Azul - Trompette
Verde - Mouche
Roxo - 1ª Cantora
Laranja - 2ª Cantora
Vermelho - Grande bordão
Preto - Pequeno bordão

(logo abaixo do pequeno bordão, temos as cordas simpáticas)

Pois bem, vou começar falando do meu ponto de vista, do que eu uso no meu instrumento - o que pode não ajudar muito, já que percebi que cada músico usa um ou mais tipos de corda. 

- Trompette

Eu utilizava cordas de tripa, da marca Savarez, mas desde janeiro tenho usado uma corda de nylon mesmo, provavelmente produzida pelo Neil Brook. Eu tive uma melhor resposta com a de nylon, confesso.

- Mouche -

Desde o início eu tenho utilizado cordas de tripa, também da Savarez (BRH 109). Ainda tenho uma de nylon - também do Neil - para testar, mas ainda não precisei faze-lo. 


- Cantoras -

Sim, minha letra.
Novamente: desde o início, eu tenho usado as cordas de tripa Savarez somente para corda da primeira oitava (mais grave), e as cordas sintéticas do Neil Brook para a cantora aguda. Outra opção são as cordas resvestidas (wound strings), que são cordas que tem um núcleo e são revestidas por aço, prata ou tripa (gut/boyau). Alguns vielistas as utilizam somente nos bordões, enquanto mantem as cantoras com cordas de tripa, outros talvez façam o oposto...


Ou faço caligrafia ou aprendo viela. Sorry.
Outra opção para as cantoras são as cordas de viola da Corelli, também revestidas. Eu particularmente odiei não me dei bem com elas, demoravam vidas para ficar afinadas e a impressão que eu tinha é que faziam muita força contra a roda. Ainda assim, há quem as utilize e soe muito bem com elas - é o caso do Augusto Ornellas, lá de Brasília. 

As possibilidades são muitas. Meu querido amigo Raine, vielista de Curitiba, disse que tem usado cordas de violino da Plander (uma marca nacional) em sua corda cantora. Isso é só uma amostra da variedade de caminhos a seguir e sonoridades a testar.

 - Grande Bordão

Meu grande bordão já veio com a viela e é uma corda de tripa revestida com aço. Há quem use as cordas de cello da Corelli, a minha eu diria que é uma Savarez, específica para o grande bordão. Já vi à venda também cordas de tripa para esta posição, mas nunca testei.

- Pequeno Bordão -

Lembro que utilizava uma corda de viola, mas nunca soube a marca. Depois que a corda estourou nesse calor ridículo do Rio de janeiro precisei trocar, passei a usar a Savarez de tripa, revestida, comprada na Arpèges. Aliás, essa loja é um paraíso. Até estojo-rígido-para-vielas-em-formato-de-alaúde encontrei lá - e sim, eles aceitam cartão online, paypal etc etc (!)

Letra ridícula, EU SEI.
- Cordas Simpáticas

Para quem não se lembra, as cordas simpáticas são as cordinhas que ficam abaixo do do grande bordão, não sendo tocadas diretamente por nada. Elas apenas vibram enquanto tocamos, e além de dar uma encorpada no som do instrumento, elas soam como um eco quando paramos de tocar. Para as simpáticas, basta utilizar quaisquer cordas de aço para violão, daquelas bem fininhas. As que eu uso, também compradas na Arpèges, são essas: 

Ta-da!

Adianto que se engana quem pensa que para tocar viela de roda basta comprar ~cordas de viela de roda~. Embora meu primeiro reflexo seja dizer que THERE ARE NO SUCH THINGS, eu devo admitir que elas existem sim, mas não são sua única opção. Alguns sites/lojas como a Arpèges, na França, revendem as cordas da marca Savarez e suas prórpias cordas. As Savarez me parecem ser talvez as mais utilizadas por vielistas do mundo todo, já que é uma marca que trabalha produzindo cordas para instrumentos antigos, sendo alguns desses jogos de cordas voltados para instrumentos específicos, como a viela. Essas cordas são vendidas para todas as posições, principalmente para a primeira cantora e os bordões. Deixo abaixo o link tanto para a Arpèges como para outras lojas/sites.

O que devemos ter em mente é que procurar marcas especializadas geralmente é o caminho mais seguro, mesmo que paguemos um pouco mais caro. Outra coisa é ter a mente aberta para tentar diversas vezes, experimentando diferentes sonoridades e texturas. Só assim você vai encontrar o seu som e se sentir confortável.

Arpèges     The Early Music Shop   Gamut Music (créditos ao Augusto pela dica) Hurdy-gurdy Crafters (dicado Raine Holtz)

Para mais informações sobre as cordas revestidas (créditos também ao Augusto), clique aqui.


Vielisticamente,

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Dois anos.



Dublin. Há dois anos nessa mesma hora eu estava saindo de um avião de papelão, correndo para o albergue encontrar os meninos da banda para finamente dizer "sobrevivi". Primeiro eu achei que me pegariam no avião saindo de Gales, por conta do case não caber no compartimento de bagagens. Depois pensei que o avião cairia (o que teria sido ironicamente romântico e doentio - e eu sempre acho que o avião vai cair, anyway), depois pensei que seria pego na alfândega irlandesa... mas não. Eu estava dormente de tudo que eu estava vivendo aquele dia, que na verdade durou dois anos.

Perdido e madrugando num canto qualquer da França
Dublin, Merthyr Tydfill, Bourges, Carcassonne, Rio de Janeiro... Eu já vi tanta coisa em tão pouco tempo; e nem se trata de me gabar (só deus sabe como eu vivo em função dessas pequenas grandes viajens), e muito menos se trata apenas de ter um espírito viajante. Eu só fiquei assim por uma única razão: a viela de roda.

Eu nunca pensei que um dia seria um vielista - muito menos que esse instrumento traria tanta coisa boa para minha vida. Para ser sincero, não consigo lembrar muito bem de como eu simplesmente decidi que seria isso. Parece que nunca aconteceu, que ela sempre esteve ali. É estranho você passar tanto tempo desejando algo e depois ter esse algo tão incorporado em sua vida dessa forma.

Eu e Chris Allen na minha primeira aula - Merthyr Tydfill - Gales
A viela de roda cruzou o meu caminho quando eu menos esperava; E bem... embora tenha me raptado - ou como dizem por aí, abduzido - fez eu me sentir em casa, mesmo me levando a lugares tão distantes.

Esses dois anos que se passaram já me trouxeram tantas coisas boas através da viela que eu nem sei direito o que escrever. Fiz amigos maravilhosos, conheci lugares fantásticos, aprendi bastante coisa sobre música, sobre pessoas - sobre mim - e percebi que ainda tenho um UNIVERSO de coisas para aprende - coisa que graças aos bom deuses, só me anima cada vez mais para seguir em frente. Mais que tudo isso, a viela de roda me fez ver que sonho de verdade é aquele que faz você correr o mundo para viver e alcançar o que se quer, levando o tempo que tiver que levar.

Ben Grossman e Brian Hughs
E essa semana comemorei meus dois anos de viela de roda em grande estilo, no show da Loreena McKennitt - exatos dois anos do dia em que embarquei para a Irlanda - aqui no Rio de Janeiro. E como se ter esse instrumento na minha vida já não fosse sonho suficiente virando realidade, comemorar a data nessa ocasião foi perfeito. Ainda mais tendo entrado em contato com o Ben Grossman, atual vielista da banda da Loreena, que foi simplesmente fantástico; e tentou me encontrar mais ou menos quatro vezes durante sua curta estadia aqui no Rio, e inclusive pediu para eu levar minha viela ao show para que ele me desse uma quick lesson. Como nem tudo é perfeito, atrasos ocorreram e tudo que consegui foi um curto papo com ele no intervalo entre os dois sets - o que foi muito legal.

Eu poderia gastar horas e horas para falar sobre tudo que ocorreu desde que encontrei a viela, mas não vou fazer isso simplesmente porque dessas coisas, vocês, que são meus amigos, sabem muito bem. Pretendo apenas agradecer a força que vocês me dão, seja movimentando nosso grupo de vielas no facebook, seja lendo isso aqui vez ou outra, ou apenas fazendo sua parte e alimentando a curiosidade dos brasileiros para esse instrumento fantástico. É fantástico ver como as coisas mudam e como eu passei de "segundo vielista" depois do Augusto para apenas mais um no meio de uma galerinha que vem crescendo, buscando e até mesmo construindo instrumentos. Isso é lindo.

Que vocês possam viver toda a felicidade que tenho vivido desde aquela tarde em Gales, e que a viela seja para vocês o que foi e tem sido para mim: de um objetivo final se tornar a porta de entrada mais épica que vocês poderiam cruzar.

Obrigado e vielisticamente,

Rique e Lyanna

Café Irlanda - Circo Voador


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

No Brasil: Anne-Lise Foy e Les Musiciens de Saint-Julien


Olha, se tem uma coisa com a qual eu não consigo/sei/quero lidar, essa coisa é perder apresentações de artistas que me interessam. Eu nunca tenho a chance de vê-los, a bem da verdade. Fui poucas vezes a apresentações que me interessavam, já que quando a chance aparece, devemos fazer de tudo para ouvir músicas e instrumentos importantes para nós. Esse ano todo o Dharma acumulado nesse sentido chegou, e artistas pelos quais espero a vida inteira vieram ao Brasil. Para minha tristeza, não se pode ter tudo; e eu devo dizer que estou triste demais por perder o grupo em questão, por conta do meu trabalho. Ok, confesso que nunca havia ouvido falar dos Musiciens de Saint-Julien, e quando parei para babar no cartaz acima, o fiz porque sabia que a Aliança Francesa me daria desconto no ingresso.

Pois bem, esse grupo passou pelo Brasil (uma apresentação no Rio e outra em São Paulo), e eu os vejo como um TESOURO que passou despercebido. Pagar 30 reais por um show desse nível é uma benção, então espero que tenha sido um sucesso. O repertório desse espetáculo específico é voltado para o cenário "pastoril" francês do século XVIII, ou seja, não tem como não ter viela de roda. A[i vai um pequeno vídeo sobre essa essemble tão linda. 

Bem, mais que a "mera" presença da viela no espetáculo, o que me doeu mais em perder essa apresentação foi o fato de a vielista do grupo já fazer parte do ATUAL MOMENTO de minha trajetória vielística sem ter a menor ideia. 

Explico: em janeiro, quando estava estudando com o Laurent lá em Bourges, me foi passada - no meio de um mundo de material - a partitura de uma peça escrita pela vielista em questão, Anne-Lise Foy, chamada Le Moulin des Deux Roues. A tune é maravilhosa, e serve como um desafiador exercício de arpejos cujo o macete até hoje não desvendei, ou seja, ainda me encontro desbravando a peça dela - e amando, de verdade.

Queria muito ter ido lá para pagar de fã e pedir para ela assinar a partitura, tenho certeza que teria sido uma experiência mágica, então deixo um pequeno vídeo deles aqui, para ilustrar minha amargura.


Vielisticamente,


domingo, 15 de setembro de 2013

A Viela de Roda no séxulo XXI - Loreena McKennitt e Nigel Eaton



Hoje fui pego de surpresa por uma pequena menção de meu nome no facebook. Uma futura (e bem sucedida) vielista brasileira - a querida Nayane - me citou ao postar que seu nome finalmente está em uma lista de espera de um luthier. Antes de mais nada fiquei absolutamente feliz por ela. Que linda, essa sensação de está chegando. Na  verdade, na verdade também fiquei lisonjeado com a menção, pois de certa forma já me sinto parte de sua história nessa estrada fascinante que é estudar a viela.

Eu digo fascinante porque estudar um instrumento não se trata apenas de toca-lo. Tocar é, sim, parte fundamental dessa aventura, mas não se trata apenas disso. Aprender um instrumento, seja ele qual for, é também lidar com toda a bagagem - a pesada história, muitas vezes obscura - que o instrumento carrega consigo. Lembro do meu último professor me dizendo que por eu ser brasileiro e, naturalmente, vir de uma cultura completamente diferente da dele, eu não "carregaria o peso da tradição nas minhas costas". Mentira, muito pelo contrário: é justamente por eu vir do outro lado do mundo que a tradição tem um grande impacto em mim. O que  sinto é como se eu tivesse pegado o bonde (e diga-se de passagem, que bonde!) andando. A viela de roda é nada mais nada menos que 700 (SETECENTOS!!!) anos mais velha que o meu país. E ainda assim, só agora, está sendo descoberta no mundo todo - e principalmente aqui. Então me digam, por favor, COMO eu não vou me sentir atrasado para a festa? É impossível ignorar a tradição; ou melhor, as tradições que flutuam ao redor da viela e sua roda.

Bem, fato é que a viela chegou por aqui e chegou para ficar. Estamos aqui hoje eu e meus colegas para provar isso. E sim, sabemos que hoje em dia é muito mais fácil chegar ao instrumento; as fontes já são bastante numerosas; e por isso decidi começar uma série de postas tratando dessas novas vias, tão fortes para nós aqui desse lado do mundo, pessoas que nunca tiveram contato com o folclore musical de países como Alemanha, Galícia, Hungria e França.

O primeiro artista que vou homenagear nesssa série de posts é um dos maiores virtuosos da viela de roda, e toca uma viela de três teclados inventada pelo seu pai (Chris Eaton, um dos maiores luthiers do mundo, em minha opiniã). Pois bem, estamos falando de Nigel Eaton, que ficou conhecido não só por tocar ao lado do Jimmy Page, mas também por acompanhar diversas vezes um verdadeiro ícone da música dita "new age" (ODEIO este termo, mas o que posso fazer? É como o mundo a vê): Loreena McKennitt.


Como já contei antes, eu só vi uma viela em ação para valer em 2006, mesmo que seu som já soasse mais ou menos familiar para mim graças à musica galega. A bendita alma que puxou para este mundo? Nigel Eaton e seu maravilhoso hurdy-gurdy de três teclados construído por seu pai (Chris Eaton, top 3 em minha opinião), mandando ver ao lado de Loreena em Alhambra, precisamente no solo de Caravanserai.

Foi aí que tudo mudou. A bem da verdade, apesar de fazer uso de milhões de influências que atravessam sua música, Loreena é uma grande difusora da viela de roda, carregando debaixo do braço singles que chamaram a atenção do mundo inteiro devido a uma série de coisas, dentre as quais, sem dúvida alguma, a viela se encontra com seus solos e rifs maravilhosos. É o caso de eternos clássicos, The Mummers Dance e Marco Polo.

Nigel Eaton também já integrou o trio The Duellists, foi parte do duo Whirling Pope Joan e ainda foi parte do Blowzabella, um dos maiores grupos de música folk do planeta; Seus dois discos como artista solo (The Music of The Hurdy-Gurdy e Pandemonium) trazem tanto melodias tradicionais francês e inglesas quanto suas composições e até mesmo concertos barrocos para a viela. Sua forma de tocar é marcada por uma energia intensa, e seu domínio da mão direita é embasbacante admirável. Não importa se você é músico ou não, a música do Nigel merece ser ouvida por todos. E essa dupla (Nigel Eaton e Loreena McKennitt) terá sempre meu carinho por ter me permitido ser abduzido para o mundo da viela de roda.



Loreena McKennitt estará no Brasil em outubro nos dias 27 (Porto Alegre), 29 (Rio de Janeiro) e 30 e 31 (São Paulo), não com Nigel ao seu lado, mas sim com o Ben Grossman, outro grande vielista.

Para ouvir um pouco do que o Nigel anda aprontando:
 https://soundcloud.com/nigeleaton

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

No Brasil: Luis FitzPatrick e os Gaiteros de Lume


Este post é dedicado ao mais novo vielista brasileiro existente - até onde eu sei, ao menos. De antemão devo dizer que a história do Luis é bem peculiar e incomum, já que a viela dele chegou por - palavras dele - desígnio divido ou sorte; portanto me parece bem oportuno escrever sobre ele no momento.

Luis vem de Burgos, na Espanha, e hoje integra a banda Gaiteiros de Lume, de Curitiba - PR. A banda toca um repertório tradicional de países de origem/influência celta de maneira (Galícia, França, Irlanda, Escócia etc), e o Luis faz sua parte mandando ver na belíssima gaita galega, motivo que o leva anualmente à Galícia para aprender e tocar com amigos. 

Belíssimo Trabalho do Xaime Rivas
Este ano, em teoria, tudo seguiria normalmente, e o foco de sua viagem seriam as aulas de gaita galega e irlandesa (Uillean Pipes), respectivamente na Galícia e na Irlanda. O que Luís não esperava, era voltar com uma viela de roda novinha em folha nas costas. Eu chamo isso de uma sorte do caralh%$ Dharma acumulado em MUITAS vidas. hahah

Segundo o gaiteiro, a viela de roda já era uma paquera de longa data em sua vida. Luís já a conhecia de vista (e de ouvido) através do grupo irlandês Planxty (o que é intrigante, já que o grupo só tocou UMA música com a viela em toda sua carreira) e da banda galega Milladoiro. Fora essas referências, Luis já havia visto a viela esculpida no famoso pórtico da Catedral de Santiago de Compostela, e sempre a considerou apaixonante e extraordinária.

Pois  bem, foi se dirigindo à Escola de Artes e Ofícios de Vigo para buscar um pito pastoril que ele havia encomendado a um professor/luthier da escola que a mágica da história resolveu acontecer: ao ouvir e seguir um som característico pelos corredores da escola, Luis se deparou com o (agora seu) professor e luthier Xaime Rivas da Costa tocando sua zanfona. Por sorte (e que sorte, porque como vocês sabem as pessoas às vezes esperam ANOS para conseguirem suas vielas), Xaime tinha um lindo instrumento prontinho para entrega, oportunidade sabiamente aproveitada pelo gaiteiro, que começou a estudar o instrumento diariamente.

Luis me disse que agora pretende montar um repertório que passe pela música galera, bretã, escocesa e irlandesa, e obviamente mal pode esperar para tocar sua viela nessa próxima etapa dos Gaiteiros, inserindo o instrumento no segundo CD da banda e claro, espalhando a magia da viela de roda lá no Paraná, onde outros vielistas já começam a surgir!

Tudo de bom ao Luis e aos Gaiteiros, e que essa roda gire muito!

Vielisticamente,

Rique

sexta-feira, 19 de julho de 2013

No Brasil: Terra Celta e a viela de Edgar Nakandakari


Todo mundo que lê isso aqui sabe que eu faço parte de uma banda de música irlandesa e provavelmente também imagina que esse tipo de banda por aqui, apesar de existirem num número maior do que imaginamos, ainda são poucas.

Uma das mais bandas mais antigas nesse estilo no Brasil é a fantástica Terra Celta, de Londrina - uma verdadeira e absurda fanfarra de vestimentas e instrumentos exóticos, que traz uma festa musical em canções divertidas, passando por alguns ritmos brasileiros e pela tradição de países de origem celta. Eu nunca tive a oportunidade de vê-los ao vivo, o que é uma pena, mas sei o quanto eles bombam não só pelo Paraná, mas em outros estados também.

Élcio Oliveira e sua Nyckelharpa
Antes de mais nada, vale lembrar que o Terra Celta já contava com um diferencial maneiríssimo, que é a nickelharpa (instrumento folk sueco) tocada pelo também fiddler e vocalista da banda, Élcio Oliveira. Aliás, se nós vielistas sentimos na pele o fato de sermos uma minoria, eu mal imagino como o Élcio não se sente sendo (até onde sei) o único nyckelharpista (?) do país.

Mas vamos ao que interessa: há pouco tempo o Terra Celta começou a integrar entre seus exóticos instrumentos a nossa querida viela de roda, comandada pelo Edgar Nakandakari, que também enriquece o som da banda com instrumentos absolutamente inesperados como o banjo, o clarinete e o bandolim; e também com os mais "comuns", como a tin whistle e a gaita de fole (!)

Viela de Roda em ação
Apesar de ter entrado em contato com a viela pela primeira vez em 2001/2002 assistindo à uma apresentação do grupo Neuma de música antiga, foi em 2010 que Edgar realmente caiu de amores pelo instrumento, ao assistir a um show da fantástica Blowzabella no festival de Saint Chartier (verdadeiro paraíso musical que reúne luthiers, músicos profissionais, estudantes, aspirantes e amantes da música folk/tradicional).

Viela Maestro, por Mel Dorries - EUA
                                                                        Em St. Chartier Edgar teve a oportunidade de testar uma viela de roda e achou  - e fez bem - que valia a pena se aventurar no instrumento. Após algumas pesquisas Edgar finalmente decidiu adquirir uma viela americana construída por Mel Dorries (mesmo luthier do Raine Holtz), optando pelo modelo Maestro -  uma viela  alto - por ser mais grave. Para sua sorte, Mel mora há poucos quilômetros de uma prima sua, então as coisas ficaram mais fáceis e mais uma dessas belezinhas pôde despencar aqui para o Brasil depois de mais ou menos um ano.

Mais uma viela que chega para ficar, certo? Eu particularmente fico muito contente em saber que uma banda que já é grande nesse pequeno cenário esteja fazendo esse trabalho lindo de divulgar instrumentos tão raros por aqui. Tenho certeza que a banda (e principalmente o público) só tem a ganhar com trabalhos assim. 

Atualmente Edgar foca em construir um repertório que consiste em  danças tradicionais como valsas, bourrées, schottishes etc; e que inclui também, naturalmente, as composições de sua banda. Eu tive a oportunidade de ouvir uma dessas composições, a faixa Intitulada Era Uma Vez, que trata dos contos de fadas na atualidade e traz o Terra Celta na sua vibe única, contando com a viela do Edgar. O trabalho deles é realmente fantástico. E o Edgar está de parabéns por sua versatilidade musical.

O Terra Celta se apresenta regularmente, então vale muito a pena ficar de olho na agenda da banda. 

Não demoro a voltar para apresentar mais um vielista brasileiro, então não sumam. ;-)

Vielisticamente,


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Vielista


Desde que eu comecei nessa estrada tão incomum da viela de roda as pessoas vivem me perguntando se eu prefiro a viela ou o violino. Eu sempre digo que para mim é tudo música, e cada instrumento, à sua forma, uma parte continental de mim. São meus braços e minha voz. 

Partindo para um lado mais dramático, essa questão sempre me assombrou um pouco. Primeiro porque a resposta sempre foi muito clara para mim, segundo porque ela sempre soou, sim, errada de certa forma. Não se pode escolher entre dois braços, certo? - Errado. Nós sempre teremos um braço direito. Ontem eu aceitei isso.

Eu sempre penso num incêndio; no desespero de pegar o que mais importa e fugir, de poupar aquilo que significa mais para mim - e sim, quando esse filme passa pela minha mente eu sempre pego o estojo da viela antes de qualquer coisa. Isso soa tão infantil, mas eu sempre deixei essa história de lado, porque nunca precisei confrontar essa preferência de verdade. Eu toco numa banda de música irlandesa que eu amo de uma forma que não cabe em palavras. Eu cheguei a essa banda através do violino, e através do gosto iniciado e encorajado pelo mesmo, cheguei à viela e tenho vivido coisas maravilhosas - o que me torna uma espécie de traidor ao preferir cegamente a viela ao meu bom e velho violino, companheiro de tantos anos through thick and thin. O fato é que eu nunca deixei de amar o violino, e eu me sinto absolutamente feliz toda vez em que pego o píseog ou o trevo, seja para ensaiar, para compor ou (e principalmente) para tocar num show. Eu não sei se vivo sem eles - lembro que um mês na França sem ambos me deixou quase maluco... Mas sei lá. Há coisas e pessoas que chegam com uma força que não dá para medir, você só sabe que é pra sempre. Mais pra sempre que outras coisas. 

Nunca precisei lidar com essa escolha ou verbalizar isso. Não é como se eu fosse parar de tocar violino, nada disso vai mudar.  A questão é que nunca enfrentei minhas preferências até sentir, pela primeira vez, a vontade de ter uma tattoo que representasse quem eu sou musicalmente, que retratasse parte de mim sem vergonhas ou remorsos. Acho que depois de ontem minha preferência está muito clara e é pra sempre.

E eu nunca mais vou precisar responder tal pergunta, pelo menos não depois de explicar que o que carrego no antebraço pro resto da vida não é uma maçaneta qualquer.

Vielisticamente,

Rique

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Shows, gravação do EP e sim, novos vielistas à vista!

Foto por Davi Paladini
Ufa. Eu sei, eu sei. Praticamente anos sem postar, mas eu juro que isso é um bom sinal, porque significa que a vida está agitada, com muita coisa a se fazer e muitas novidades à vista.


Antes de mais nada, posso dizer que minha última apresentação com a viela foi um grande sucesso. O show do Café Irlanda no Circo Voador foi absurdo, graças ao público, que só de verem minha Lyanna já aplaudiram, antes mesmo de eu tocar. haha Muito bacana! Neste show, as músicas em que toquei a viela foram Shipping Up to Boston e o tema de Game of Thrones, ambas funcionam muito bem com o instrumento.

Não vou ser repetitivo e focar nas caras e bocas que fazem ao verem o instrumento pela primeira vez, então apenas deixo registrado que foi uma noite muito especial, e que é um sonho realizado ter tocado meu gurdy para uma plateia tão especial.

Mas como todas as noites tem um fim, nosso show naquela sexta-feira (dia 14 de junho) também não foi eterno; e logo na segunda-feira lá estávamos nós entrando em estúdio para começarmos a gravação de nosso EP, finalmente! A experiência até agora tem sido incrível, e eu mal tive tempo de pensar muito sobre tudo porque eu simplesmente gravei tudo em um dia só. Ok que são apenas 4 faixas das quais apenas uma vai trazer minha viela, mas ainda assim, gravar é sempre um trabalho árduo. E mais, se violinos já são chatos para caralho complicados de se gravar, imaginem a viela de roda. Aliás, imaginem a seguinte cena: comecei a gravar uma sessão da música em que toco o trompette (espécie de percussão da própria viela), ao som da qual o técnico de som parou de gravar e avisou "opa, pera aí, deu ruim! Tem algo errado." - ahaha só me restou rir muito e lhe dizer que não, não havia dado ruim, pois aquele é mesmo o som de uma viela de roda em perfeito estado. Essa vida de alien musical...

No estúdio - Por Pedro Costa
Bem, pelejas travadas à parte, eu estou contando os segundos para ouvir esse EP pronto, especialmente a faixa com a viela, obviamente. Primeiro porque além de se tratar de uma canção absolutamente brasileira e linda, nós pudemos mesclar o triângulo e a viola caipira (gentilmente cedida pelo nosso amigo Aluízio Kanter, verdadeiro arsenal de instrumentos) a intrumentos como o bodhrán, a Irish flute e a tin whistle. E no meio dessa fusão estou eu com um instrumento que não tem nada de irlandês e muito menos de brasileiro. O resultado, por incrível que pareça, soa tão brasileiro quando um chorinho, ou tão irlandês quando uma reel rolando numa session. E isso é bom. Ao meu ver, as melhores misturas são assim, naturais. Não soam artificiais. E né, musica boa é música boa, independente da mistura de instrumentos que a tocam. Quero muito contar qual é a música, mas vou segurar meus dedos aqui, até porque quem nos conhece já deve imaginar qual faixa escolhemos e porque escolhemos e todo esse bla bla bla... Por hora, vamos aguardar. Eu estou tão ansioso quanto qualquer pessoa que não faz parte da banda. Ansiedade é meu segundo nome.

No mais, amigos, aviso que o próximo show do Café Irlanda roladia 20 de julho, sábado, no Bar do Turco, em Niterói; e que não demoro a atualizar o blog. Tenho mais novidades para contar, principalmente no que diz respeito ao número de vielistas brasileiros! Sim, nossa pequena comunidade está aumentando e já temos mais dois vielistas/vieleiros/rabequeiros de roda para nos acompanhar. Em breve trago um texto sobre o primeiro deles. 

Até logo e vielisticamente,

Rique  ;-)


segunda-feira, 3 de junho de 2013

No Brasil: David Souza

Construindo sua futura viela

Há pouco, administrando o grupo de viela de roda no facebook, conheci um rapaz de São Paulo que se mostrou, como todo mundo, apaixonado pelo instrumento. Descobri que ele nunca havia ouvido falar na viela de roda até ela ser mencionada pelo seu professor, um luthier de violinos que curiosamente se referiu à viela pelo nome italiano, isto é, ghironda.

David ficou realmente encantado com o instrumento, e também - e isso é engraçado porque muita gente que ama a viela se interessa por isso - se mostrou interessado em construir um instrumento. Logo de primeira, como sempre, vieram os comentários dos mais experientes. Construir um instrumento (seja ele qual for) é algo muito difícil, uma viela, então... Nem se fala. Ainda mais se levarmos em conta a não existência de luthiers ou de qualquer material em português no Brasil. São tantas medidas, tantos detalhes e peças que o trabalho soa impossível.

Pois bem, apesar de tudo isso, David, que começou sua vida musical tocando a rabeca medieval até se auto-instruir em outros instrumentos, foi lá e meteu as caras tanto na internet quanto nas madeiras procedentes (pasmem) de uma demolição. Através de algumas plantas que ele mesmo buscou online ele pôde se dedicar à mecânica e à estrutura do instrumento, estudo esse que culminou, após alguns meses, na construção de uma sinfonia. Exatamente. David CONS-TRU-IU uma sinfonia. Claro que isso não veio do nada. David começou seus estudos de liuteria em São Paulo, estudando no Galpão da Cultura, o único lugar onde se pode estudar esta arte de graça. Lá ocorre um projeto super bacana de reutilização de materiais usados na construção de instrumentos, e é lá que ele ainda trabalha construindo suas peças. É um trabalho que obviamente requer mais prática e cada vez mais empenho, mas ainda assim, é realmente fascinante.


Fora o David, eu só sei de um rapaz que construiu ou está construindo uma viela de roda aqui no Brasil - que seria o Caviúna, em Minas Gerais. A diferença é que o Caviúna constrói vários tipos de instrumentos, como flautas, percussões e outros instrumentos medievais há um pouco mais de tempo, e eu realmente nunca tive a oportunidade de ver a viela em que ele estaria trabalhando.

Enfim, que a viela de roda é um instrumento de difícil acesso, todo mundo já sacou. É preciso se planejar, pesquisar muito, encomendar e muitas vezes, sem brincadeira, ir até o país do luthier buscar o instrumento. Reforço o último item justamente porque ele está diretamente ligado a nossa realidade aqui no Brasil: não há luthiers construtores do instrumento.

Longe de mim me referir a isso como uma tragédia - na verdade, eu acho mais que natural que isso ocorra, afinal a viela nasceu, cresceu e quase (bem quase) morreu lá do outro lado do oceano, na Europa, num ciclo que passou por diferentes países e estilos musicais. Fato é que conforme algumas mudanças sociais foram ocorrendo naquele continente, a viela foi seguindo um fluxo natural bem na dela, refletindo de forma passiva os conceitos de determinadas épocas, ora sendo restrita à igreja, ora parte do folclore, ora venerada quando a ideia de uma vida campestre entretinha alguns, ora sendo novamente largada aos camponeses - especificamente após a revolução francesa. O fato é que esse instrumento existiu por séculos e séculos sem que praticamente ninguém tomasse conhecimento de sua existência aqui desse lado... Até agora.

Se pensarmos dessa forma, vemos que se a viela não foi extinta até hoje, agora é que ela não vai sumir da face da terra. Nosso time de vielistas aqui no Brasil vem crescendo rapidamente (já somos 8!), isso é um fato. E esse post está sendo escrito justamente para celebrar não apenas isso, mas também esse passo interessante que foi dado no mundo vielístico aqui no Brasil. Posso afirmar que a popularidade do instrumento ainda é inversamente proporcional à dificuldade de acesso ao mesmo, mas isso está começando a mudar, graças ao poder que a viela exerce naqueles que ela fisga. Que o caso desse rapaz seja o primeiro de muitos!


David Souza trabalha como luthier e músico, tocando em eventos socioambientais, divulgando a arte de construir instrumentos a partir de materiais encontrados no lixo. Em suas apresentações ele toca instrumentos medievais como a harpa e alguns instrumentos de arco. Atualmente utiliza cordas de harpa e cello na sinfonia que em que toca. Para saber um pouco mais sobre David e seu trabalho, fica aqui uma entrevista com o próprio.

Deixo aqui meus parabéns e um abraço a esse rapaz claramente apaixonado por esse pequeno mundo da viela de roda. Desejo a ele toda sorte do mundo nessa jornada.

Vielisticamente,

;-)

quarta-feira, 1 de maio de 2013

No Shuffle


A adrenalina correndo nas veias já é uma velha conhecida minha, mesmo me surpreendendo todas as noites como se fosse a primeira vez. Dessa vez, entretanto, tudo era diferente. Nós estávamos em uma roda, de mãos dadas, minutos antes de encarar o público. O frio na barriga daquela noite tinha um tempero diferente: estávamos fazendo teatro.

Um tempinho lá atrás, se alguém me perguntasse uma situação em que eu não me imaginaria, eu responderia que dificilmente me veria tocando num musical. Melhor ainda, eu não me imaginaria tocando viela de roda numa situação dessas, ou levando a coisa para um nível maior de especificidade, diria que dificilmente me imaginaria tocando viela de roda num musical/comédia romântica em que eu precisasse usar orelhas de coelho. Pois é. Life has a funny, funny way.

É esta a razão pela qual eu tenho demorado tanto a postar, na verdade. Conciliar minha participação na banda do musical com os projetos do Café Irlanda e minhas outras coisas tem sido deliciosamente cansativo. Deveria ter sido óbvio que após me levar a Gales por um dia e me lançar na França por um mês a viela me levaria a territórios desconhecidos dentro da minha própria terra.

O espetáculo se trata de uma comédia dramática musical que tem sua história  parcialmente narrada por versões em português de algumas músicas do The Magnetic Fields, uma banda cujo vocalista/compositor é um homem completamente aberto à experimentação e sonoridades diferentes, proposta que fez eu e minha Lyanna sermos convidados a embarcar no projeto. #WeirdoPride

O mundo do teatro é um completo e desconhecido universo para mim. As marcações, as luzes, as técnicas, os costumes e orações antes de entrarmos no palco... A experiência não poderia ser mais assustadora. É estranho segurar meu violino e não ver nenhum dos meninos do Café por perto. Ainda assim, ao mesmo tempo que essa vivência é assustadora ela não poderia ser mais enriquecedora - como toda jornada artística (ou não) que nos conduz ao auto-conhecimento. Fui convidado por conta da viela de roda, sempre nova aos olhos de todos, mas nem sempre bem aceita, como pude comprovar nos olhos de um senhor numa das noites de espetáculo - este virava para trás toda vez em que eu tocava uma nota no instrumento. Mas aprendi muito sobre mim mesmo e meu violino também, já que o Pablo (diretor musical com um vozeirão LINDO) me deixou bem à vontade em minhas frases e isso, ao contrário do que possa parecer, é também um desafio.

Por fim, este post não é apenas uma explicação sobre meu sumiço do blog, mas também um grande obrigado às pessoas envolvidas no espetáculo. Hoje, caminhando para a terceira semana em cartaz, eu ainda preciso me vigiar para não me perder ao assistir a peça em vez de fazer parte dela. Ver pessoas tão talentosas e especiais fazendo o que amam na minha frente me inspira cada vez mais. Não há crítica boa que supere esse sentimento, nem crítica ruim que o diminua (e isso serve especialmente à gentil senhora que, para uma crítica do mundo das artes, soa mais como uma grande parede de concreto, encorpando preconceitos óbvios e uma estupidez sem tato algum).

Estar no meio dessas pessoas é um privilégio que só concretiza mais a vontade primeira que me move nesse mundo. Obrigado aqueles que antes mesmo de me ouvirem tocar já se mostram abertos e receptivos ao que tenho a oferecer. Obrigado aos que ouvem minha viela e mesmo não amando de primeira, se interessam e dão uma chance. Agradeço também àqueles que entendem do assunto e me apoiam e me encorajam a seguir em frente; e àqueles que reconhecem o que não é sua praia e ficam quietinhos porque não tem nada de bom para acrescentar.

Volto em breve com uma história interessante sobre um verdadeiro pioneiro no mundo vielístico brasileiro.

Em cartaz até dia 12, no Sesc Copacabana

quarta-feira, 3 de abril de 2013

À Moda Antiga: tocando na rua pela primeira vez


"Twas then when the hurdy-gurdy man
Came singing songs of love"

 - Donovan -

Uma moça lendo seu livro, crianças brincando na grama, pessoas se equilibrando em elásticos e... Um cara tocando uma coisa bizarra. Essa foi a cena que algumas pessoas presenciaram sábado aqui no Rio, no Parque dos Patins. Como eu não tinha me dado conta disso? Não existe você tocar um instrumento que é em grande parte conhecido por ter pertencido a músicos cegos de rua e não tocar na lá, na rua, no meio do povo!

Com os olhares curiosos eu já sei lidar muito bem. São sempre os mesmos, na verdade. Se não te olham com curiosidade, te olham com espanto. Se não te olham com espanto, pasmem, te olham com deboche. Engraçado que o fato de uma pessoa te lançar um olhar curioso não significa que ela vá necessariamente se interessar pelo instrumento, parando para ouvir melhor ou perguntar alguma coisa. Poucas pessoas realmente o fazem.

Bem, o fato é que sábado fui às ruas pela primeira vez com minha viela de roda. Pensei em ficar aqui pela Ilha mesmo, pertinho de casa, mas por puro preconceito eu acho que a sociedade insulana não está preparada para uma viela de roda, então decidi encarar a árdua tarefa de tocar sozinho para um público novo lá na Lagoa; um lugar que tem um significado todo especial para mim porque foi um dos lugares-chave no início do Café Irlanda. Costumávamos ensaiar lá tanto no início de tudo como um pouco depois, e eu sempre tive lembranças muito felizes de lá. As pessoas sempre amigáveis, gentis, interessadas... Enfim, me enfiei lá com Lyanna para ver o que rolava; e a tensão pairava no ar não só por eu morar no Rio e ter medo de ser roubado, mas também pelo tempo que estava ameaçando chover a qualquer instante.

Assim que tomei coragem e botei a viela no colo, uma surpresa: além de alguns curiosos passersby, uma joaninha veio diretamente do nada e pousou no instrumento. Dizem que é um sinal de que vem um marido por aí, mas a primeira pessoa a chegar junto e perguntar sobre o instrumento foi um simpático senhor que fica por lá vendendo biscoito globo e  e eu me recuso risos  para minha alegria, tocando várias danças diferentes numa gaita! Ficamos um tempo trocando ideias e ele ficou realmente encantado com a viela, já que ele tem um interesse por músicas tradicionais.

A joaninha e este senhor abriram a porta, então mais pessoas tomaram coragem de se aproximar. A moça que lia perto de mim, por exemplo, me agradeceu (depois de pedir para seu filho me perguntar o nome do instrumento) e disse se interessar muito pelo repertório que estava ensaiando ali (danças medievais, cantigas, bourrées). Fiquei contente e continuei meu ensaio-experimento. Esse tipo de resposta era tudo que eu precisava para continuar com meu busking, então segui mais relaxado e fiquei cada vez mais contente com a reação das pessoas, sempre feliz de ser interrompido e responder suas perguntas.

Tive a oportunidade de distribuir alguns cartões do Café Irlanda para algumas pessoas; E entre uma trupe de palhaços curiosos e um pai com seu filho skatista, algumas pessoas apenas filmavam ou tiravam fotos de mim ou comigo (!). O que me chamou a atenção, em particular, foi a reação das crianças, que mal piscavam olhando eu girar a manivela. Eu sempre senti esse ar pueril no instrumento, especificamente no ato de girar uma manivela para produzir som. Isso se concretizou para mim quando um rapazinho me perguntou se eu estava segurando um brinquedo e eu disse que sim. =)

A experiência de tocar e improvisar na frente de um público que muda a cada música, mas que quando para, para de verdade, e te assiste como poucas pessoas fazem numa apresentação propriamente dita, foi gratificante e muito enriquecedora. Tenho certeza que essa semana (sim, eu talvez fique viciado nisso) a coisa vai fluir melhor.

No mais, devo agradecer ao querido Raine Holtz, por ter literalmente me dado a ideia e me encorajado tanto. Somos poucos e devemos fazer de tudo para que nosso instrumento chegue de verdade às nossas terras. Só posso dizer que meu feriado não poderia ter sido melhor, então espero fazer isso muito mais vezes. Amei divulgar a música que eu amo; e fico feliz em recrutar mais admiradores (novos ou velhos) da música folk e poder, de certa forma, informar as pessoas sobre as mais fantásticas coisas que existem por aí. Foi assim, de forma aleatória, com uma coisa puxando a outra, que cheguei à viela e seu mundo mágico. 

Desejo isso a todo mundo!

sexta-feira, 22 de março de 2013

St. Patrick's Day, Viela de Roda e Anunciação.


Eu sei que eu deveria ter postado antes e que estou devendo um post dedicado às cordas (não Raine, eu não esqueci! rs), mas as últimas semanas foram uma verdadeira loucura para mim, graças aos preparativos para o St. Patrick's Rio, que rolou semana passada, fora um um show em Porto Alegre, também no último domingo.

"Eu já escuto os teus sinais..."

Embora eu tenha utilizado a viela de roda em algumas poucas apresentações ano passado (nesta mesma data também, inclusive) eu acho que o fim de semana passado é que contou como a verdadeira estreia da minha Lyanna para o público.


Utilizei a viela em quatro músicas dessa vez, e a resposta do público sempre é muito interessante. Uma das canções em que eu fiz questão de utiliza-la - na verdade eu aprendi essa canção na viela por vontade própria sem pensar na banda - é "Anunciação", do Alceu Valença. Eu apenas amo de mais essa música. A letra, a melodia e as imagens que ela passa. Tudo isso casa muito bem com o som da viela, então para mim esta canção foi o ponto alto do show, simplesmente por conta da resposta do público.

Sabe, quando estou com a viela no colo eu reparo os mais diferentes tipos de olhares, algo meio "meu deus, mas o que esse menino vai fazer?!", então quando daquele objeto bizarro começa a sair uma melodia tão nossa, tão de casa, as pessoas meio que se encontram e piram! Foi lindo de mais ouvir os gritos e os aplausos quando nem mesmo a letra de "Anunciação" havia começado. Taí uma música que não sai mais do nosso repertório! Perdeu, sr. Valença! ;-)

No mais, a recepção em Porto Alegre foi tão boa quanto no Rio - tanto em relação ao Café Irlanda quanto à viela. As pessoas lá, contudo, pareceram agir com mais naturalidade em relação ao instrumento. Quem se manifestou veio apenas perguntar o nome do instrumento e me desejar boa sorte na jornada "solitária" de alguém que toca algo diferente.

Também aproveitamos o fim de semana para fazer umas fotos no veleiro da Marinha, o Cisne Branco. Então em breve mostro algumas fotos por aqui também!