quarta-feira, 9 de novembro de 2016

III Encontro de Vielas de Roda - São Paulo



Inversamente proporcional ao número de vielistas no Brasil, nosso encontro esse ano foi bem menor que os anteriores. Por outro lado, foi também mais intimista: apenas quatro músicos trocando experiências, tocando músicas e desenvolvendo projetos bem legais para o futuro.

A bem da verdade, nosso encontro de 2016 foi organizado super em cima da hora...  E a organização desses encontros tem sido sempre complicada porque somos poucos vielistas, e nem todos vão demonstrar necessariamente vontade de participar; e dentre os interessados, um número menor ainda pode comparecer por conta de compromissos, praticidade, deslocamento etc. Bom, no fim das contas, rolou. E o Ibirapuera nos recebeu de braços aberto... Dentro do possível.

Escolhi o parque  porque minhas experiências por lá sempre foram muito legais, de verdade. Escolhi também o local perto do planetário (que depois descobri se tratar da Oca, e não de um planetário //#Cariocas//) por ter se mostrado sempre um ambiente acolhedor, bem "família", bem leve.  Dessa vez, entretanto, o local estava apenas lotado de pessoas, em sua grande maioria jovens. Bebendo. Muito. Pequei ao não lembrar que sempre fui ao Ibira em feriados, com a cidade mais vazia. Oh well.

Ficamos um pouco incomodados com a vibe, porque em menos de uma hora vimos (ou eu vi) uma moça dar perda total devido ao que parecia ser um coma alcoólico, duas brigas e uma pessoa rolar no chão por não conseguir andar. Foi bem tenso, mas nada que tirasse nossa atenção do que realmente importava: nossas vielas.

Estavam presentes nesse encontro Christian Cavalera, com seu Minuet construído pelo Mel Dorries nos EUA, Gabriel Inague e Nayane Teixeira, ambos com instrumentos feitos pelo Neil Brook, na Inglaterra. Foi absolutamente especial estar com eles e conversar tanto sobre coisas tão simples como... algodão. Poder falar de cordas, dar uma olhada rápida na técnica da mão direita, ver como cada um desenvolve seu próprio estilo (algo que torna esse instrumento algo TÃO fértil!). A verdade é que fazer planos e falar cara à cara de QUALQUER coisa relacionada ao instrumento é apenas um privilégio. Somos realmente poucos, moramos longe uns dos outros e temos muita coisa em comum.

Foi uma tarde especial ao lado de quem faz parte desse sonho comigo. Como a Nayane bem disse, esse encontro foi pura inspiração. E terminamos o dia com um pequeno vídeo da Bourrée à Aurore Sand, vídeo gravado após termos corrido da chuva; e vídeo esse que já rodou o mundo INTEIRO e nos trouxe comentários gentis e inspiradores diretamente da França, da Suécia, da Galícia... E do Japão. Muito legal ver que estamos fazendo um barulhinho na comunidade internacional de vielas, mostrando ao mundo que existimos e que também fazemos parte desse grupo tão singular.

Meu muitíssimo obrigado a vocês Nay, Gabi e Christian. Mil desculpas pela confusão com locais e horários. Eu tento fugir de clichês, mas esse do carioca em São Paulo me pegou legal. hahah

Beijos e até a próxima!




Faun no Brasil OU III Encontro Nacional de Vielas OU Não sei nem por onde começar (!)



Não sei por onde começar. Mesmo. Mas vamos pelo óbvio: Faun. No Brasil.

Faun.

Para nós aqui do cantinho abaixo da linha do Equador - ou pelo menos para mim - Faun é um símbolo de muitas coisas, inclusive de uma espécie de porta para a música medieval. Um portão que nos leva diretamente ao nosso amado instrumento. Sei lá, eu realmente nunca pensei que fosse vê-los ao vivo. Muito menos no Brasil. Muito menos nas circunstâncias em que os assisti... Quando o show foi anunciado, há alguns meses, eu tinha quase uma plena certeza de que algo ia rolar e o evento seria cancelado. Eu não queria jogar minhas expectativas lá no alto.

Olar.
Mas a gente joga mesmo, né. E já que a ideia era ter um fim de semana épico, que nós o fizéssemos direito, com direito a muita viela de roda. Daí então pensem comigo: planos para um fim de semana épico, vielas e internet funcionando. Voilà, eu já possuía o contato do Stephan, vielista do Faun, há algum tempo (o pequeno grande mundo da viela); então escrevi para ele expondo minhas intensões. Infelizmente, devido ao schedule louco de passagem de som e transfers tudo ficaria mais difícil. Eu já havia começado a perder minhas esperanças quando ele mesmo sugeriu de encontrar quem estivesse lá no dia do show, em algum momento entre passagem de som e o show propriamente dito. Achei maneiríssimo da parte dele, mas né...Aceitei a dificuldade de alguém que viajaria de tão longe, passando pelo trânsito de São Paulo, passando som no calor de novembro, AINDA ter que encontrar uns vielistas bocós pra trocar ideia.... Fora que, né. Levar case de instrumento para um show não é uma boa ideia se você não tem CERTEZA do que vai rolar. Enfim, pausa nessa plot.

Daqui do meu lado da situação, o evento para o encontro estava bem caído. Em parte porque nem todos vielistas iriam ao show do Faun, em parte porque não era Curitiba (existem  SEIS de nós apenas lá), em parte porque eu criei o evento muito em cima da hora e nem eu sabia direito onde no Ibirapuera nos encontraríamos (prometo compensar ano que vem). Resultado: apenas eu e Gabriel Inague iríamos ao show. Nayane e Christian se reuniriam a nós no domingo, apenas para o encontro vielístico. =)




Já na fila para o show, o esquenta: kit-tiéte comprado, bebidinha na mão e pessoas com as mais lindas fantasias. Eu e Gabriel já havíamos aceitado que provavelmente nada rolaria. O clima já estava mágico e nós estávamos a ponto de entrar quando me surge Stephan Groth procurando não por uma garrafa d'água, não pelo produtor do show.... Mas por mim LOL. Nos apresentamos rapidamente e ele ficou levemente desapontado ao não ver nossos cases. Explicamos que não havíamos trazido as vielas porque não sabíamos se de fato o encontraríamos, mas se engana quem pensa que isso babou nosso encontro. Stephan gentilmente nos buscou lá dentro dez minutos depois e fomos ao backstage. O que seguiu foi um ótimo papo sobre a viela de roda no Brasil e na Alemanha, algumas dicas a respeito dos coups de poignet (técnica da mão direita) e claro, uma belíssima demonstração técnica do talento e da simpatia do Stephan.



Serei eternamente grato a esse músico absurdo que apenas provou minha teoria sobre vielistas serem os músicos mais gentis da face da terra. Pouco depois dissemos nossos "see ya soon!" e deixamos Stephan curtir alguns dos fãs que estavam lá atrás com a gente. Só então estávamos realmente preparados para....

... O Show.

De longe uma das tardes mais legais que já tive o prazer de vivenciar.  As bandas Taberna e Taberna Folk simplesmente arrasaram. E Faun me proporcionou apenas o melhor show que já vi na vida. Um sonho realizado que superou absolutamente TODAS as minhas expectativas. Volume, técnica, ambientação, presença de palco, repertório, carisma.... A lista segue sem fim. Faun mostrou a que veio, e dentre suas muitas proezas, o realce da viela de roda no mundo dispara. Nosso encontro de vielas não poderia ter ocorrido em um fim de semana mais perfeito que esse, mas falo disso já já no próximo post.

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                                   =)



segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Viela de Roda feita em São Paulo (!)



Eu a conheci especificamente através da música galega, muitos outros a conheceram através da música antiga; alguns  - aqui no Brasil, inclusive e talvez principalmente - através do folk metal e outros, basicamente lá fora, foram abduzidos pela viela por conta da música tradicional de alguns países europeus. As possibilidades que fogem a essas regras se limitam a ter ouvido "hurdy-gurdy man", do Donovan, ou ter visto a clássica participação de Nigel Eaton nos shows do Robert Plant ou da Loreena McKkennitt. Temos até um bom número de vias que nos levem ao nosso amado instrumento, ainda mais hoje em dia, com o boom da viela de roda in all things pagan

Porém, contudo, todavia, sabemos que o melhor do Brasil é o brasileiro e com a gente não há tempo ruim e toda oportunidade é uma oportunidade. Somos únicos, é justo dizer. Mas somos ainda MAIS únicos quando o assunto é a viela de roda. 

Pois bem: estava eu no facebook dia desses quando um rapaz me adicionou e pediu permissão para entrar no nosso Viela de Roda Brasil, nosso amado grupo virtual. Prontamente aceitei, afinal quanto mais adeptos, melhor... A surpresa foi ver, logo de cara, um monte de fotos de uma viela de roda diferente das que normalmente vemos por aí. Desconfiei e  desconfiei, mas era isso mesmo, a bendita viela havia sido construída pelo rapaz em questão. Estou falando de Fernando Padilha, de Jundiaí, São Paulo,

Fernando vem de uma família do interior de São Paulo, e aprendeu a arte da liuteria com seu avô quando ainda era muito jovem. Hoje em dia é o único de sua família que ainda sabe lidar com a madeira e as ferramentas necessárias para construir instrumentos musicais. Sua paixão pela viela de roda se reflete numa história que começa em 2004 e se conclui agora em 2016, com a construção de sua primeira viela. 



Utilizando-se de suas folgas no trabalho, Fernando levou mais ou menos cinco meses (!) para construir sua viela de roda. Levou em consideração o tempo do verniz, tempo de colagem etc. E pesquisou bastante, principalmente no que diz respeito à madeira que deveria ser utilizada. O mais impressionante em sua história, contudo, é que  suas próprias medidas foram utilizadas para construir seu instrumento. E a viela que o cativou eternamente? Simplesmente a viela de um personagem da animação O Expresso Polar. A cena está aqui em cima. Isso é apenas FANTÁSTICO.

Para uma primeira viela, para alguém que nunca havia visto o instrumento antes e principalmente para alguém que a viu em uma animação, o resultado é espetacular. Ainda não pude ouvir seu som, porque de acordo com Fernando ele ainda precisa encordoar sua viela, aplicar a resina na roda e claro, instalar a manivela. E sabemos que a construção de um instrumento (ainda mais da viela de roda) requer anos de aperfeiçoamento. Tanto que hoje em dia temos escolas lá fora especializadas apenas em formar luthiers de vielas e roda (alô, Galícia! Te amamos!). De qualquer forma, gente, Fernando já pisou com o pé direito no mundo da viela de roda no Brasil. É engraçado ver que o processo que estamos vivendo aqui em 2016 era muito comum na Europa lá pelos anos 60. Apesar de alguma tradição sempre ter existido, muitos luthiers começaram assim, se baseando em pinturas e esculturas, dando asas à essa paixão com suas próprias mãos porque viviam em locais afastados dos pólos tradicionais e precisaram aprender sua própria arte sozinhos.

Toda sorte do mundo pro Fernando. Que sua jornada seja longa e fértil, pois faltam vielas de roda aqui no Brasil; e são muitos os que tem esse sonho.

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Algumas fotos do processo de construção:




















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Vielisticamente,


Rique

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Ondas do Opará - Trilha sonora da novela Velho Chico

Em fevereiro tive a felicidade imensa (e surreal) de gravar minha viela de roda na versão brasileira da cantiga medieval Ondas do Mar de Vigo, de Martim Codax (século XIII) com a talentosíssima cantora Fortuna. Na adaptação - dirigida e arranjada por ninguém menos que Tim Rescala - a donzela apaixonada não canta para ondas do mar de Vigo, mas sim para as ondas do velho Rio São Francisco, também conhecido como Opará. 


Vielisticamente,


Rique

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Viela de roda à venda no Brasil (!)

                                                                       
Atenção, atenção!

Um dos raros momentos nesse vasto cenário vielística brasileiro: temos uma viela à venda.
Ninguém menos que Raine Holz  -  musicista curitibana que está prestes a lançar seu novo álbum, Éidolon - colocou seu lindo modelo Minuet, construído por Mel Dorries, à venda.

Segue seu anúncio:

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VENDE-SE HURDY-GURDY - CURITIBA

É, eu sei. Muitos de vocês vão querer me matar por isso. Eu já desisti de vendê-lo anteriormente neste ano, mas desta vez a oferta é séria. Se você tem interesse em uma viela de roda que já está aqui no Brasil, a sua chance é essa.
Vende-se viela de roda construída em 2012 pelo luthier Mel Dorries dowww.hurdygurdycrafters.com, o modelo entitulado "Minuet", considerado injustamente como um modelo de estudo. Embora simples, esta viela de roda é equipada com todas as ferramentas necessárias para aprender técnica e desenvolver afinidade com o instrumento, e possui um timbre alto, claro e brilhante. É atualmente a viela de roda mais barata oferecida no mercado internacional com a qualidade que o instrumento deve ter. De fato, uma peça formidável e de grande versatilidade. Esta foi minha viela por quase quatro anos, e foi usada com muito amor e dedicação. Não é um instrumento novo, mas o que você receberá se assemelhará quase que inteiramente com o que receberia de um luthier, pois trata-se de uma peça cuidada com extremo zelo... Afinal, é minha, e quem acompanha meu trabalho sabe o que ela já fez por mim. 
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Vamos para as especificações técnicas:

• Viela de roda construída em Padauk e Maple;
• Três cordas, sendo elas 1 cantora, 1 bordão e 1 trompete;
• Afinação clássica em G/C (G cantora, G bordão e C trompete);
• Duas oitavas cromáticas, cada tecla incluindo informação de nota;
• Do comprimento aproximado de um violino, leve e portátil;
• Tangentes de madeira ajustáveis;
• Cravelhas de viola;
• Chien na corda trompeta, obviamente;
• Manivela em formato "S", customizada a pedido.

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Acompanha esta oferta:

• Correia de couro Basso, para tocar de pé (o instrumento é bastante leve);
• Algodão próprio para o instrumento;
• Ferramenta de madeira para afinar as cravelhas;
• Bolsa de tecido com velcro feita pela esposa do luthier;
• Três cravelhas extras;
• Corda de tripa cantora, com comprimento suficiente para fazer duas cordas.

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Extra:

Case adaptado em alumínio para o instrumento, à parte (+200,00).
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Esta viela de roda foi adquirida em 2012, e juntamente com as fotos está um print do invoice de pagamento com o valor na época. O instrumento custou 1300 dólares, com 38 dólares da manivela customizada e 75 dólares de frete. Recebi o instrumento por correio e as taxas de alfândega excederam 3mil reais, paga no Banco do Brasil para retirar o mesmo na agência de Correio (foi um sufoco). Hoje este instrumento em seu modelo padrão é anunciado pelo luthier com o valor de 1400 dólares (conformewww.hurdygurdycrafters.com), isto é, sem a manivela em formato de "S".
Estou oferecendo o instrumento (SEM o case de alumínio ou frete incluso) pelo valor de R$4,800. Considere que para adquirir o mesmo instrumento pelo luthier, você terá uma fila de espera de pelos menos 4 meses, e mesmas condições de pagamento que ofereço: à vista. No entanto, se você converter o valor atual de 1400 dólares em reais, apenas o instrumento custará 4470 reais, fora a taxa de frete e a alfândega, que acredite em mim, não é só 60% do valor... Eu descobri isso comprando este instrumento.  Isso jogará este mesmo instrumento em valores acima de 7000 reais tranquilamente.
Este valor não é negociável. Não aceito reservas. O instrumento está em condições ótimas, e receberá um bom tratamento por mim em relação a cordas, algodão e breu antes de ser enviado. Polido, limpado e embalado devidamente. Quem me conhece, sabe do que se trata. Esta viela de roda foi por muito tempo a coisa mais importante da minha vida, e passá-la adiante só acontecerá nos mais altos graus de confiança, transparência e cuidado. Isso você pode ter certeza.
Podem mandar inbox aqui no Facebook ou email para twraine@gmail.com para informações adicionais de compra. Se você está considerando ter uma viela de roda entregue em questão de dias para você, está aqui sua chance. Valor melhor você não encontra, isso eu garanto. 




Gurdy in Rio!



E apesar do blog estar bem paradinho, o mundo da viela de roda - pelo menos aqui no Rio -  até que anda bastante agitado.

Há duas semanas tivemos a Feira Medieval da UFF que fechou a semana da música medieval organizada pela instituição. A semana trouxe palestras, workshops, e claro, concertos. Aqui ficam alguns registros do que ocorreu por lá; incluindo, é claro, nosso querido instrumento.

Nosso time carioca no momento é composto por quatro pessoas, ao que parece. Além de mim, sempre soube da graciosa Virgínia Van der Linden, do Música Antiga da UFF, que vira e mexe está com sua sinfonia nos concertos do grupo, também já tocada por Lenora Mendes. Contudo, as gratas surpresas que os últimos meses me trouxeram são  duas, a saber:


A viela de Eduardo sendo admirada.
Eduardo Antonello, integrante da orquestra de música barroca da UNIRIO e talentosíssimo músico que domina diferentes instrumentos como cravo, a viola da gamba, o crumhorn e claro, a viela de roda. =) Eduardo toca uma viela feita pelo workshop Altarwind, se não me engano. Ele esteve presente na feira e sua linda viela fez o maior sucesso. 

Félix Ferrá

Além do fera Eduardo Antonello, outro vielista que encontrei recentemente aqui pelo Rio foi Félix  Ferrà, que integra o fantástico grupo de música antiga Códex Sanctíssima, Félix teve aulas de viela de roda com ninguém menos que Éfrén Lopéz e toca uma viela espanhola feita sob medida: apesar de toda sua estética medieval, o instrumento inclui um trompette - apesar do som do grupo ter como base uma época em que (em teoria) o chien não era utilizado no instrumento.. O grupo conta com instrumentos lindíssimos e vozes mais lindas ainda, é realmente uma experiência mágica vê-los; e durante o festival eles se apresentaram no Centro de Artes da UFF.

É realmente maravilhoso saber que temos esses instrumentos soltos por aí fazendo música de qualidade. Acho fascinante o fato de um instrumento tão raro por aqui ser tão diverso: um na música folk, outro na música barroca e outros dois na música medieval. Não é atoa que a viela pôde sobreviver tantos séculos, mesmo enfrentando a quase extinção. Nosso instrumento é, de fato, épico.


A viela espanhola do Códex  Sanctíssima


Vielisticamente,


Rique




sábado, 20 de fevereiro de 2016

Viela na novela (!)


Rio de Janeiro. Sexta-feira de carnaval. 14:15 pm. Para quem havia passado os últimos 18 dias rodando a Irlanda de cabo a rabo, eu até que estava me ambientando bem. Havia chegado há dois dias, e tudo havia sido maravilhoso, eu acabara de fazer as pazes com meu violino. No fundo, contudo, eu sabia muito bem que a manivela ia me puxar de volta com força.

Naquele dia a cidade toda já  estava a ponto de explodir e derreter-se em meio a blocos e desfiles e cerveja. Eu ali, debaixo daquele sol, com uma viela de roda nas costas e a demo de uma adaptação de Ondas do Mar de Vigo em meus ouvidos. Eu vou gravar uma música com a Fortuna. Um trabalho do Tim Rescala. Quem eu penso que sou, gente? Minha vontade era voltar no estúdio e falar oi, mas cês tem certeza de que é pra eu tocar, mesmo? O carnaval carioca de 2016 entrando em erupção e eu tão, tão longe. Da velha Península Ibérica aos cantos mais molhados do sertão brasileiro. Opará, nosso Velho Chico, correndo pela minha mente. Saí daquele prédio atônito, louco para mergulhar naquelas partituras que tomariam conta da minha vida pelos próximos 15 dias.

Tudo isso tem um quê de humor para mim porque lembro de uma época específica. Precisamente de uma noite em que levantei e timidamente saí de uma sala de concerto e me mandei, frustrado. Definitivamente, esse lance de trilha sonora não é para mim, pensei a caminho das barcas. Não me lembro direito em que ano isso aconteceu, mas sei que eu era mais um aluno de violino do Conservatório Brasileiro de Música. Aliás, um aluno bem chatinho de se ter. Vivia trocando Bach por tunes irlandesas; deixando grandes peças de lado para aprender canções de cego da galícia de ouvido, ou sonhando com o que eu realmente queria fazer. Aquela aula inaugural do curso de composição de trilhas para TV e cinema havia me deixado profundamente impressionado e completamente descrente de minhas habilidades enquanto músico. O primeiro dever de casa era compor e gravar uma trilha para um vídeo silencioso de uma bailarina em preto e branco. Quando que eu, que mal e porcamente fazia meu papel de mero violinista, teria capacidade de me envolver em algo do tipo? Que eu esperava algo além do violino, isso eu sempre soube - naquela época eu acho que estava ensaiando minhas primeiras pesquisas a respeito da viela de roda; e minha cabeça, sempre imersa no mundo trad, não viu muito sentido em seguir naquele curso. As aulas seriam ministradas por um tal de Tim Rescala, o que parecia ser um big deal. E o fato de eu ter que compor algo direcionado a um vídeo específico me assustou, mesmo porque:

1) Eu não toco piano.

2) Nem violão.

3) Eu não sei lidar com programas de gravação/mixagem. 

4) Mal sei lidar com uma direct box.

Fato é que esse curso botou Tim Rescala no meu mapa musical, e segui com a imagem daquele cara simpático e tranquilo que falava da absurda arte de compor trilhas sonoras como quem fala de amenidades e das coisas mais banais dessa vida. Um pouco de pesquisa e boom, seu devido respeito já fazia parte de mim como músico.  Ele lá, sendo foda e talentoso e gênio, eu aqui DE BOAS com meu instrumento de mendigo medieval.

Corta para o final do ano passado, eu terminando uma aula e vendo algumas ligações perdidas no celular e várias mensagens dos meninos da minha banda. Alguém estava atrás de mim por conta de uma gravação e eu não estava entendendo o alvoroço. Peguei apenas o número na conversa e liguei:

- Alô, quem fala?

- Hm... Você quer falar com quem?

- Não sei, me ligaram desse número. Aqui é o Rique.

- Ah, oi Rique, tudo bem? Aqui é Tim Rescala (caraleo, gesticulo eu do outro lado da linha). Minha esposa te ligou. É que estava precisando de uma viela de roda para a gravação da trilha de uma novela. Você tem interesse?




- Uhum, claro.

- Ok, mais pra frente entro em contato, me dá seu e-mail.

ETECETERA ETECETERA

Essa conversa foi tão surreal e tão aleatória que eu tive tempo apenas de surtar por precisos 5 minutos. Eu achei que ele apenas superaria essa história, porque afinal quem vai querer uma viela de roda para a novela das 21:00? Ou sei lá, essas pessoas geralmente já tem contatos, com certeza acabariam utilizando apenas um cello ou uma rabeca. Ou esqueceriam, já que eu de cara deixei claro (pela primeira vez quase me arrependo de programar uma viagem) que em janeiro estaria fora do Brasil... Enfim, deixei quieto e vivi minha vida até a fatídica sexta-feira de carnaval, há precisos 15 dias. E que 15 dias.

Foi muito estudo. Deixei de ir para o feriado dos amigos de SP e MG, em Indaiatuba; e mal saí durante o carnaval por aqui. Inclusive, no dia em que saí estudei o dia todo. Perturbei os colegas de apartamento do meu namorado, que não entendiam porque tanto tempo em notas tão longas, frases repetidas tantas vezes. Caí dentro mesmo, E AINDA ASSIM, faltou estudo. Um exemplo disso é um trecho em que eu toco "dó-ré-mi, ré-ré dó...", que de última hora passou a pertencer ao Cello. Ao ver o Marcus de Oliveira tocar essas três notas, sério... Fiquei sem ar. Que interpretação. Que magia, naquele som. Quis sair correndo! Estava perfeito. Digo, a parte dos outros músicos estava perfeito.

Acho o ambiente de estúdio complicado, porque tendo ao perfeccionismo, de certa forma. Nunca fico satisfeito. Com pessoas que não conheço, então, tudo fica mais tenso para quem é tímido. E estúdio com pessoas do calibre dessas que passaram o dia comigo hoje, então... Sério. Too much, too soon. Passei o dia inteiro em outra frequência, mas uma frequência muito boa. De quem está realizando um sonho.

Hoje foi um dia muito, mas muito especial. Um verdadeiro marco em minha vida musical. Gravei quatro coisas: Ondas do Opará, a adaptação que o Tim fez para Ondas do mar de Vigo; e pequenas frases para outras peças, uma delas exigindo improviso. Sério. Um dia você está em casa trocando algodão das cordas de seu instrumento obscuro e renegado, no outro você está num estúdio maravilhoso tendo que improvisar na frente do Tim Rescala para uma música da novela das 21h00. Sei lá, cara. Apenas sei lá. Agradeço eternamente à Virgínia, que gentilmente me indicou ao Tim. Agradeço ao Tim, lógico, pelo voto de confiança e paciência comigo nas horas de gravar pequenas frases. E pela carona providencial. E agradeço aos lindos músicos que tocaram ao meu lado: Fortuna, Marcus e Davi, com suas mil flautas mágicas. Vocês são maravilhosos. Ponto.

Fortuna, que dispensa  comentários;
 e Marcus de Oliveira, mago do cello.
Poder fazer parte da trilha sonora dessa história é uma honra. E o timing foi perfeito: voltei da Irlanda com sede da nossa terra e dos nossos sons, isso aqui foi a chave dessa porta. É um novo capítulo que se inicia na minha história com esse instrumento fantástico. E eu espero que vocês possam reconhecer meu Sieg nas cenas em que ele soar; e que essas canções tragam sorrisos aos rostos de vocês.




Rique

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Viela "baratinha" no eBay, o mito.

"Nature morte à la vielle" -  Henri Horace
A pressa é inimiga da perfeição. 
Essa máxima, ainda que clichê ao extremo, é a mais pura verdade para nós, músicos. Temos que ter calma na hora de aprender uma peça nova, na hora de lidar com aquela frase que embola os dedos e o mais importante de tudo, no nosso caso, antes mesmo de morrermos trocando cordas: comprando um instrumento.

A primeira vez que vi de perto a armadilha do eBay pegar alguém, foi quando um rapaz recém-chegado ao mundo da viela não conseguia afinar ou sequer tirar som de seu instrumento. Ao jogar a questão num grupo do Facebook, a decepção: as pessoas apenas diziam que aquilo era um pedaço de madeira e serviria muito bem como lenha para uma fogueira. Palavras duras, mas verdadeiras. Comentários surgindo daqui, relatos dali e voilà: o vendedor em questão já tinha uma reputação super suja no meio da música folk, vendendo instrumentos que iam de pequenos violinos chineses - apresentados como relíquias alemãs - a vielas de roda que encantavam aqueles que estavam começando a se interessar pelo instrumento. Para a sorte deste meu amigo, ele conseguiu seu dinheiro de volta e pôde passar para o modelo Minuet do Mel Dorries, melhor coisa que ele fez. A grande maioria das pessoas, entretanto, não possui essa sorte.

O mundo da viela de roda parece exigir de nós que vivenciemos certos estágios intensos antes de atravessarmos seus portões: todos nós já tivemos aquele momento de epifania ao ver uma viela e pensar putz, é isso. Preciso. E todos nós já passamos pelo baque do affe, não há luthiers no Brasil? Vou esperar tudo isso de tempo para ter um tesouro desses? Acreditem, sei muito bem como é isso. Todos nós sabemos. É frustrante, tendo em vista que hoje em dia temos tudo que quisermos a um clique de distância. Clique este que não se aplica à nossa donzela do mundo medieval. Ter uma viela de roda boa exige paciência e pesquisa. A dedicação começa muito antes de você encostar no instrumento, o que torna tudo muito mais mágico!

Diferentemente de um violão ou de um violino, quem decide tocar viela de roda PRECISA ter muito mais cuidado na hora de escolher um instrumento inicial. O fato destes instrumentos serem fabricados basicamente na Europa complica muito nossa situação, portanto eu sou adepto do seguinte pensamento: já que vamos pagar em euro de um jeito ou de outro, paguemos logo por um instrumento que seja pelo menos semi-profissional, de modo a evitar que num futuro passemos novamente por todo o processo de juntar uma boa grana e correr o risco de desembolsar mais dinheiro ainda indo buscar um instrumento do outro lado do mundo. O ideal para nós, brasileiros, é fazer bem feito de uma vez só. Concordo que começar com um instrumento super top de linha talvez venha a ser um exagero, mas acreditem: começar com um instrumento tosco ou aquém do necessário não pode gerar nada além de um grande desgaste emocional e uma despesa que nem tão cedo será compensada.

Resolvi fazer este post porque esta semana fui abordado por mais uma pessoa que tem encontrado dificuldades em regular uma viela. Uma moça muito gentil de Goiânia me encontrou e bem, pelas fotos, me surpreendi porque de fato me pareceu um trabalho mais decente que o geral, mas ainda assim, antes mesmo de fazer a pergunta, eu já possuía a resposta: a origem do instrumento era o eBay. Ela provavelmente deu sorte, pois seu instrumento parece ter sido construido de forma mais consciente e cuidadosa. Minha experiência, contudo, diz que o caso dela é uma exceção à regra, isso se de fato o instrumento for regulado em algum momento.

A quantidade de vielas de roda encontradas hoje no eBay pode ser impressionante. No momento, eu conto sete. Para termos uma ideia, a mais cara custa R$35.000, ao passo que a mais barata, super simples e até bonita, sai a mais ou menos R$2,500. Minha pergunta é: vocês realmente acham que essas dezenas de milhares de reais entre estes dois instrumentos é obra do acaso? Não se trata de conversão de moedas, da alta do dólar ou do fato de nossa moeda estar perdendo o jogo. Precisamos entender que a arte de construir vielas de roda é quase que um mistério da liuteria. Por se tratar de um instrumento obscuro e até mesmo renegado ao longo da história, suas tradições no que diz respeito à construção e manutenção sempre foram bem nebulosas; e precisamente por conta dessa dificuldade é que os construtores desses instrumentos dedicam suas vidas inteiras ao estudo e à escuta dos mais diversos instrumentos, das mais diversas tradições que podem vir da Galícia, do interior da  França ou da remota Hungria e/ou outros países do Leste Europeu. Cada tradição com especificações e limitações próprias. É necessário entender quem são os grandes construtores, que linhas eles seguem e que tipo de instrumentos eles fazem. Existem vielas tradicionais, existem vielas eletro-acústicas, completamente elétricas, vielas abauladas, trapezoidais, vielas alto e por aí vai. O fato de vermos algo que tem teclas, roda e manivela não significa de modo algum que estamos lidando com um instrumento musical. Evitem colocar o carro na frente dos bois.

Se por um lado a utilização do eBay facilita o encontro entre o aspirante a vielista e seu instrumento, essa via também oferece riscos e pegadinhas o tempo todo, expondo à pessoa a instrumentos que seduzem pelo preço e pela aparência exótica. Detalhes ornamentais que hipnotizam alguém que ainda não compreende tudo que está em jogo pra o resultado sonoro de uma viela de roda, como alguns dos aspectos de sua "anatomia" - as tangentes, por exemplo- fundamentais para a afinação.

Verdade seja dita, eu fico meio chocado ao ver vielas  de construtores famosos como Wolfgang Weichselbaumer e Balázs Nagy em um site como o eBay. Os preços de fato parecem confirmar suas origens e DEVEM ser levados em conta; mas ainda assim, são exceções e são vielas de segunda mão (o que é bom). Já a grande maioria - ou melhor, todas - as vielas baratas encontradas nesses sites são verdadeiras armadilhas (geralmente do leste europeu) construídas de qualquer jeito e sem nenhuma pretensão de gerar um som que satisfaça um músico. Por favor, pesquisem, procurem luthiers, assistam videos no youtube e procurem músicos em comunidades online. Temos - dentre outros grupos - o Viela de Roda Brasil, temos o Hurdy-Gurdy Player e o Club Vielle à Roue, cheios de pessoas mais experientes.

Para finalizar, os deixo com pequenos vídeos de diferentes vielas. Apenas a titulo de curiosidade, comparem aspectos físicos - esses "instrumentos" problemáticos geralmente são diferentes da maioria das vielas, parecem mais rústicos, suas rodas são instáveis - e atentem às diferenças entre os aspectos sonoros também.

                                           Viela de roda ucraniana, com anúncio no eBay.
                                                        O som claramente tratado.

                                            Uma viela Weichselbaumer, das mais caras.

                                 Modelo do galego Jaime Rebollo, uma opção um pouco mais em conta
                                                                    e de qualidade.


No mais, desejo a todos muita boa sorte e muita paciência. Acreditem, pesquisar e aguardar o instrumento certo é a melhor decisão a se tomar.

Logo mais volto com novidades muito legais.

Vielisticamente,

;-)