terça-feira, 22 de maio de 2012

A Saga da Viela - Parte IV

Aff -_-'
Se eu tivesse que citar alguma coisa em que eu realmente seja bom, essa coisa seria esperar. Algo que, por sinal, eu odeio com todas as forças, mas disfarço muito bem. Meus limites foram testados, entretanto, uma vez que a espera em questão estava relacionada a um processo sobre o qual eu não entendia nada. Um quebra cabeças cheio de detalhes que eu mal conseguia conceber ou sistematizar. Era como ser obrigado a analisar academicamente uma pintura que mexesse muito comigo, mas sem arrancar de mim as palavras exatas (sempre elas, as palavras...) para descrever o que eu sentia.

Eu só encarava aquela foto. Dez, cinquenta, cem... Inúmeras vezes, todos os dias, completamente encantado. Era a minha viela. Eu não tinha a menor dúvida. Estávamos em outubro de 2009 e eu acreditava que em janeiro eu poderia pagar o Chris e esperar meu tesouro chegar. Ledo engano. 

Shippar um hurdy-gurdy, embora virtualmente seguro e, com o devido preço pago, quase livre de riscos, não soava correto para mim. Além de o instrumento ser delicado, os preços para este tipo de importação são absurdos; e não me refiro apenas aos preços das postagens mais expressas e seguras. No Brasil, cobra-se 60% do valor total dos instrumentos musicais que vem de fora. Isso se aplica perfeitamente tanto àquela guitarra que você encontra na Rua da Carioca, como a um instrumento feito à mão, praticamente inexistente no seu continente. 


A ideia, ao mesmo tempo em que era óbvia, era absurda, beirando a ficção. Algo infantil mesmo: ué, se os impostos são caros e não garantem 100% a segurança da viela, o jeito é pegar essa grana e ir buscar o instrumento ali, do outro lado do Atlântico. Estava decidido. Eu só precisava do dinheiro.


Tudo o que  eu podia fazer era esperar. E esperar foi o que eu fiz, toda noite indo dormir olhando para o Rough Guide to Wales, que eu comprei no dia seguinte à troca de e-mails com o Chris. Loucura, eu sei. E isso era só o início, porque veja bem, o dinheiro necessário para o que eu tinha em mente não saiu em janeiro, tornando o adiamento da viagem algo muito doloroso de comunicar a alguém que estava do outro lado do oceano, segurando meu sonho - por pura boa vontade, vale lembrar - no quartinho dos fundos. 


Tratei de pedir ajuda à minha mãe me desdobrar para enviar algum dinheiro para ele como forma de provar meu interesse e mostrar que eu não era apenas um louco obcecado do outro lado do mundo - mas sim um louco obcecado bem decidido, apaixonado, organizado e de palavra. 


Bem, daí podemos cortar para eu ignorando sem medo de ser feliz meus afazeres no estágio para criar uma conta no paypal. A pequena quantia que enviei (pelo menos isso, né?!) já me garantia uma correia básica de couro, um jogo de cordas extras, dois livros (um método e um sobre a manutenção do instrumento) e um estojo simples para a viela. E a viela, a algum prazo que eu simplesmente não sabia qual seria. 


The Song of Albion (Stephen R. Lawhead)
Toda tática para marcar longos períodos de tempo foram postas em prática, sendo a meditação diária (no caso, noturna) e a leitura as mais utilizadas (risos). As leituras começaram muito bem como uma distração, mas não se mantiveram por muito tempo. Eu havia decidido começar a ler e ouvir tudo o que eu conseguisse sobre hurdy-gurdies (incluindo workshops sobre a mão direita, que é a parte mais chata de tocar), aprendi muitas coisas sobre Gales e ainda decidi começar uma trilogia épica/fantástica relacionada aos celtas das ilhas britânicas (Song of Albion, que é absolutamente épica). Na verdade, eu estava apenas com medo de perder o entusiasmo, então tudo que eu queria era adiantar o que eu conseguisse, ver datas, ler  livros, pegar dicas, tirar passaporte e claro, escolher a trilha sonora da viagem mais épica da minha vida (Carreg Lafar, que não saía do meu ipod). Eu já estava preparando o terreno para o que viria a acontecer em algum momento do futuro, mas tudo era incerto. Tudo mesmo. E não sei descrever o sentimento de impotência que senti ao terminar o terceiro livro da tal trilogia sem nem ao menos ter ideia de quando poderia embarcar. 


Como eu não pude ir em janeiro do ano seguinte (2010), focamos em março, e em março, vejam que bacana, toda a coisa foi empurrada para julho, depois para setembro, outubro, novembro, dezembro... E no fim das contas 2010 se fechou como um dos piores anos da minha vida. A ponto de não ter sobrado  o menor traço de expectativa para 2011 dentro de mim. Toda a espera, a expectativa, o fantasma do meu instrumento já eram parte da minha vida e eu já convivia bem com isso, mesmo porque muitas outras coisas  (ruins e boas, devo dizer) ocorreram ou ocorriam naqueles meses. Basicamente:


  • A Lagrima Flor foi tocar no programa do Jô (!) e ainda gravou um cd inteiro pra valer.
  • Mudanças drásticas ocorreram nas duas bandas (e causaram muita dor a muitas pessoas)
  • Minha avó (a primeira pessoa que me falou sobre a impossibilidade da existência humana sem a música e viu em mim mesmo um músico) nos deixou.
  • Não passei no concurso que queria.
  • O Café Irlanda foi tocar ao vivo na Rádio MEC (!)
  • Meu avô e padrinho (que me deu meu violino elétrico, em uso até hoje) foi encontrar minha avó quase um ano após sua partida.
  • Eu ainda estava solteiro (rs)
  • Consegui um novo emprego.

Depois de um tempo, consequentemente, ler, ouvir ou ver qualquer coisa sobre hurdy-gurdies doía de verdade. Guardei os CD's do Carreg Lafar - até então verdadeiros combustíveis para meu sonho - e parei as meditações. Já tinha focado todas as minhas energias nisso e estava exausto. Por mais que eu quisesse retomar o entusiasmo e por mais que eu sentisse que as coisas dariam certo em algum momento, eu estava exausto. E a vida seguia seu rumo normal (?) e a infinita lista de e-mails sobre clima e supostas datas oportunas para uma viagem cessou naturalmente. Eu já não tinha mais coragem de escrever ao Chris para especular sobre datas e perguntar sobre disponibilidades. Tudo parecia perdido, obviamente, até o dia em que o Café foi gentilmente convidado a tocar num festival. 


Na Irlanda. 

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