terça-feira, 29 de maio de 2012

Livros \o/


Daí que apesar de uma galerinha achar que a viela é um instrumento ridículo de se tocar - a doce ilusão de apenas girar uma manivela e sons maravilhosos surgirem no ar - há toda uma técnica por trás dela e pasmem, até métodos "oficiais" existem! Claro que não pretendo tratar de toda a bibliografia técnica da viela aqui, neste post. Vou introduzir, entretanto, alguns dos livros mais básicos e indispensáveis para quaisquer seres que pretendam entrar no fantástico mundo da viela de roda.

O primeiro é o Hurdy-Gurdy Method, de Doreen Muskett. Ela no momento não é mais uma vielista ativa, devido ao mal de Parkinson , que a atingiu =/, mas seu marido, Micheal, ainda toca e participa ativamente do mundo da viela. 

Apesar de ter sido lançado há uns bons anos (a primeira edição é de 1979), ele é uma das bíblias de todos os vielistas, contando com um pouco da história do instrumento e focando na técnica do mesmo. Nele você encontra algumas peças tradicionais com notação específica para viela, ou seja, uma notação voltada para os golpes da manivela, que também são trabalhados ao longo dos exercícios. É tudo muito didático, então o livro traz fotos, gravuras, gráficos... Vale muito a pena. Fora o charme de algumas sessões, como uma voltada para a symphonia e outras gentilmente escritas com o intuito de nos guiar na hora de adquirirmos - e até construirmos! - uma viela. Bem, acho que é bem claro que este livro por si só já é uma luz na vida de um vielista, certo? Mas não paramos por aí.

Na época em que eu estava desenrolando com o Chris para comprar a minha Lyanna (conto a origem do nome em outra ocasião), ele fez questão de que eu comprasse também um outro livro, este tão importante que já vem em três línguas (alemão, francês e inglês) ao mesmo tempo. O livro em questão se chama La Vielle (ou Die Drehleier/The Hurdy-Gurdy), escrito pelo luthier amador e músico, Philippe Destrem. 

Confesso que até hoje não tive tempo de sentar e mergulhar neste livro para valer, mas deixo claro que apesar de também se tratar de uma bíblia para nós vielistas, ele existe puramente para questões de manutenção do instrumento (e isso o torna tão fundamental quanto oxigênio, fikdik rs). Soa meio massante, não nego; e é um livro estranho no sentido em que cada página tem o mesmo conteúdo repetido três vezes, em línguas diferentes. No fim das contas, entretanto, isso acaba sendo o de menos, já que não estamos falando de um livro que pegamos para ler por horas e horas, como um livro de danças Francesas que descobri há algumas semanas:

"It's a festival!"

Achei este livro por acaso, mal lembro como... Se não me engano, soube de sua existência ao visitar o site do luthier que está por trás do livro, o Mike Gilpin (um senhor muito gentil e prestativo, aliás). O livro traz 126 tunes tradicionais francesas da região de Morvan (o que é ótimo porque a minha afinação [D/G] é muito comum na frança); e eu apoio o uso cada centavo neste investimento. As tunes são muito legais: bourrées, branles, polkas, mazurkas, marchas, valsas... Um tesouro.

Claro que sabendo procurar na web (a lista de links aqui no blog é um bom começo) você encontra milhares e milhares de partituras (fora os vídeos e as músicas para aqueles que, como eu, tocam de ouvido também). Sem contar os inúmeros sites que tem surgido nos últimos anos com todas as informações necessárias para nos mantermos vivos com o instrumento.  É algo bonito de se ver, esse revival, mas ainda assim, somos músicos que tem uma forte conexão com o passado (eu deveria falar só por mim, mas quem se importa?), então duvido que vocês não gostem da ideia de abrir um bom e velho livro na estante e tocar/ler algo com cheirinho de papel. 

Por hora é isso. Ainda estou pesquisando no meu próprio ritmo essas questões bibliográficas, então mais para frente volto a citar alguns livros que possam servir como guias nessa jornada estranha e apaixonante, ainda tão nova para mim. 

E vamos ser sinceros, qualquer jornada é mais emocionante se temos livros ao nosso lado. =)


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Minha Primeira Gravação


E não é que hoje - no caso, já é ontem - rolou a minha primeira gravação com a viela? Algo super simples, direto e discreto: dobras para os violinos em uma música da Lagrima Flor.

Na verdade, alguns ajustes mais que fundamentais estavam para ocorrer em uma faixa do CD da Lagrima Flor (na música cujo clipe está em pré-produção, Zona de Conforto) e confesso que eu não estava muito animado para gravar/criar algo para a faixa na viela. Primeiramente porque a música já está recheada de detalhes lindos que eu quero que as pessoas ouçam e... Erm, eu acho não tinha certeza de que o instrumento encaixaria na música, o que não foi o caso, já que era uma frase de dobra e dobras, quando encaixam, parecem que sempre pertenceram aos seus lugares.

De qualquer maneira, o Augusto (querido colega de instrumento, quase um mentor) já havia falado que seria uma boa ela aparecer (mesmo que "de brinks") no clipe; e o André (Guitarrista/compositor principal da Lagrima)... Hum, o André é maníaco por dobras e terças e segundas vozes - que sempre ficam lindas, por sinal. Foi ele que de fato me colocou na sala para testar algo, mesmo com o tempo apertado. Então tá aí: o crédito desse feito histórico/pessoal de hoje vai para esses dois, que nem se conhecem! =D

E antes que eu me esqueça, é importante esclarecer que esta não é a estreia oficial do instrumento na banda. Há umas duas semanas gravamos um vídeo - um cover da gema do mundo pop atual, diga-se de passagem - e apesar de eu ter preparado minhas partes tanto no violino quanto na viela, a última ganhou os ouvidos dos meus colegas e eu, claro, nunca recusaria isso a eles. =) Gosto muito de iniciativas e vontades e mudanças que chegam assim, do nada. Ainda mais quando o assunto é arte/música.

Em relação à Zona de Conforto, é engraçado pensar que quando esta música foi de fato gravada, eu ainda estava sonhando em marcar uma data para ir buscar a viela. Na verdade, mais engraçado ainda é o fato de a música em questão ter sido a primeira a ser composta para a banda, antes de qualquer empreitada mais séria surgir no horizonte. É perfeitamente irônico o fato de ela ser a última a ser trabalhada antes de fecharmos o disco de vez. E é isso aí!

Good things come to those who wait.

;-)


terça-feira, 22 de maio de 2012

A Saga da Viela - Parte IV

Aff -_-'
Se eu tivesse que citar alguma coisa em que eu realmente seja bom, essa coisa seria esperar. Algo que, por sinal, eu odeio com todas as forças, mas disfarço muito bem. Meus limites foram testados, entretanto, uma vez que a espera em questão estava relacionada a um processo sobre o qual eu não entendia nada. Um quebra cabeças cheio de detalhes que eu mal conseguia conceber ou sistematizar. Era como ser obrigado a analisar academicamente uma pintura que mexesse muito comigo, mas sem arrancar de mim as palavras exatas (sempre elas, as palavras...) para descrever o que eu sentia.

Eu só encarava aquela foto. Dez, cinquenta, cem... Inúmeras vezes, todos os dias, completamente encantado. Era a minha viela. Eu não tinha a menor dúvida. Estávamos em outubro de 2009 e eu acreditava que em janeiro eu poderia pagar o Chris e esperar meu tesouro chegar. Ledo engano. 

Shippar um hurdy-gurdy, embora virtualmente seguro e, com o devido preço pago, quase livre de riscos, não soava correto para mim. Além de o instrumento ser delicado, os preços para este tipo de importação são absurdos; e não me refiro apenas aos preços das postagens mais expressas e seguras. No Brasil, cobra-se 60% do valor total dos instrumentos musicais que vem de fora. Isso se aplica perfeitamente tanto àquela guitarra que você encontra na Rua da Carioca, como a um instrumento feito à mão, praticamente inexistente no seu continente. 


A ideia, ao mesmo tempo em que era óbvia, era absurda, beirando a ficção. Algo infantil mesmo: ué, se os impostos são caros e não garantem 100% a segurança da viela, o jeito é pegar essa grana e ir buscar o instrumento ali, do outro lado do Atlântico. Estava decidido. Eu só precisava do dinheiro.


Tudo o que  eu podia fazer era esperar. E esperar foi o que eu fiz, toda noite indo dormir olhando para o Rough Guide to Wales, que eu comprei no dia seguinte à troca de e-mails com o Chris. Loucura, eu sei. E isso era só o início, porque veja bem, o dinheiro necessário para o que eu tinha em mente não saiu em janeiro, tornando o adiamento da viagem algo muito doloroso de comunicar a alguém que estava do outro lado do oceano, segurando meu sonho - por pura boa vontade, vale lembrar - no quartinho dos fundos. 


Tratei de pedir ajuda à minha mãe me desdobrar para enviar algum dinheiro para ele como forma de provar meu interesse e mostrar que eu não era apenas um louco obcecado do outro lado do mundo - mas sim um louco obcecado bem decidido, apaixonado, organizado e de palavra. 


Bem, daí podemos cortar para eu ignorando sem medo de ser feliz meus afazeres no estágio para criar uma conta no paypal. A pequena quantia que enviei (pelo menos isso, né?!) já me garantia uma correia básica de couro, um jogo de cordas extras, dois livros (um método e um sobre a manutenção do instrumento) e um estojo simples para a viela. E a viela, a algum prazo que eu simplesmente não sabia qual seria. 


The Song of Albion (Stephen R. Lawhead)
Toda tática para marcar longos períodos de tempo foram postas em prática, sendo a meditação diária (no caso, noturna) e a leitura as mais utilizadas (risos). As leituras começaram muito bem como uma distração, mas não se mantiveram por muito tempo. Eu havia decidido começar a ler e ouvir tudo o que eu conseguisse sobre hurdy-gurdies (incluindo workshops sobre a mão direita, que é a parte mais chata de tocar), aprendi muitas coisas sobre Gales e ainda decidi começar uma trilogia épica/fantástica relacionada aos celtas das ilhas britânicas (Song of Albion, que é absolutamente épica). Na verdade, eu estava apenas com medo de perder o entusiasmo, então tudo que eu queria era adiantar o que eu conseguisse, ver datas, ler  livros, pegar dicas, tirar passaporte e claro, escolher a trilha sonora da viagem mais épica da minha vida (Carreg Lafar, que não saía do meu ipod). Eu já estava preparando o terreno para o que viria a acontecer em algum momento do futuro, mas tudo era incerto. Tudo mesmo. E não sei descrever o sentimento de impotência que senti ao terminar o terceiro livro da tal trilogia sem nem ao menos ter ideia de quando poderia embarcar. 


Como eu não pude ir em janeiro do ano seguinte (2010), focamos em março, e em março, vejam que bacana, toda a coisa foi empurrada para julho, depois para setembro, outubro, novembro, dezembro... E no fim das contas 2010 se fechou como um dos piores anos da minha vida. A ponto de não ter sobrado  o menor traço de expectativa para 2011 dentro de mim. Toda a espera, a expectativa, o fantasma do meu instrumento já eram parte da minha vida e eu já convivia bem com isso, mesmo porque muitas outras coisas  (ruins e boas, devo dizer) ocorreram ou ocorriam naqueles meses. Basicamente:


  • A Lagrima Flor foi tocar no programa do Jô (!) e ainda gravou um cd inteiro pra valer.
  • Mudanças drásticas ocorreram nas duas bandas (e causaram muita dor a muitas pessoas)
  • Minha avó (a primeira pessoa que me falou sobre a impossibilidade da existência humana sem a música e viu em mim mesmo um músico) nos deixou.
  • Não passei no concurso que queria.
  • O Café Irlanda foi tocar ao vivo na Rádio MEC (!)
  • Meu avô e padrinho (que me deu meu violino elétrico, em uso até hoje) foi encontrar minha avó quase um ano após sua partida.
  • Eu ainda estava solteiro (rs)
  • Consegui um novo emprego.

Depois de um tempo, consequentemente, ler, ouvir ou ver qualquer coisa sobre hurdy-gurdies doía de verdade. Guardei os CD's do Carreg Lafar - até então verdadeiros combustíveis para meu sonho - e parei as meditações. Já tinha focado todas as minhas energias nisso e estava exausto. Por mais que eu quisesse retomar o entusiasmo e por mais que eu sentisse que as coisas dariam certo em algum momento, eu estava exausto. E a vida seguia seu rumo normal (?) e a infinita lista de e-mails sobre clima e supostas datas oportunas para uma viagem cessou naturalmente. Eu já não tinha mais coragem de escrever ao Chris para especular sobre datas e perguntar sobre disponibilidades. Tudo parecia perdido, obviamente, até o dia em que o Café foi gentilmente convidado a tocar num festival. 


Na Irlanda. 

terça-feira, 15 de maio de 2012

Além da Roda - A Viela e Suas Partes

A Cabeça e as cravelhas
E nem só da roda vive a viela.

O monte de coisa acontecendo no ato de tocar uma  viela de roda faz com que aqueles que a vêem pela primeira vez sigam por dois caminhos:  inferir que o mecanismo é mais simples do que realmente é ou achar que tudo é absurdamente complexo - novamente, mais do que a coisa realmente é. Tendo essas visões extremistas em vista, vou tentar explicar aqui de forma geral o que acontece com a viela, suas partes principais e seu mecanismo mais básico. Isso vai ser interessante porque não há uma terminologia oficial na língua portuguesa para todas as partes deste instrumento, então vamos trabalhar com algumas traduções pensadas por mim e pelo querido amigo, o vielista (e também gaiteiro) Augusto Ornellas.

A imagem que abre o post mostra a cabeça seguida de seis cravelhas. Vocês podem inferir que são as cravelhas que seguram as cordas, certo? Se não, tudo bem. É ali que amarramos as pontas de cima das cordas, amarradas também lá depois da roda, no cavalete, como um violino mesmo.

Um dos "F's" da viela
Aliás, a viela de roda em si é como um violino mecânico: temos uma caixa oca (o corpo da viela), uma alma, pequeno cilindro de madeira que fica lá dentro e canaliza a vibração para que o som deixe a caixa através de dois pequenos espaços (os F's no tampo harmônico).

Cordas melódicas, ré 4 (à esquerda), e sua oitava, à direita.
Bem, as cordas, uma vez presas, podem ser acionadas (tiradas de uma pequena suspensão, aqueles ferrinhos ali dentro <<<) de modo a estarem em contato com a roda, que é posta em ação por uma manivela. Algumas vielas mais modernas possuem outros tipos de mecanismos para acionar as cordas, mas isso não vem ao caso no momento. Na imagem ao lado, o que vemos são as duas cordas principais, estas são as chanterelles (ou cantoras, como ouvi meu amigo Augusto Ornellas chamá-las certa vez). Elas são responsáveis pela melodia, ou seja, são afinadas em oitava (no caso da minha, em Ré Maior) e são acionadas pelas tangentes, movidas ao pressionarmos as teclas.
Teclas e suas tangentes
Além das cantoras, temos as cordas que ficam acima acima e abaixo da caixa de teclas. São os bourdons ou drones (são os bordões e não sofrem alteração em sua altura, ou seja, produzem o tempo todo a mesma nota, como os drones de uma gaita de foles); e aqui todos produzem a nota ré em diferentes alturas.

Respectivamente os grande e pequeno bordões,
seguidos pelas cordas simpáticas.
Abaixo do teclado temos bordões fundamentais. A corda mais grossa se trata do bordão grave - ou grande bordão - (gros bourdon, também em ré), abaixo da qual temos mais um ré, desta vez uma oitava a cima (porém uma oitava abaixo da cantora mais grave), chamado de pequeno bordão (petit bourdon). Abaixo destes, como podem ver, existem quatro cordas mais finas, que são as cordas simpáticas. Elas não são acionadas por nada além da vibração, e estão aí para soarem quando você parar de girar a manivela. A afinação delas varia muito de músico para músico. Às vezes são afinadas em quintas, às vezes estão todas fazendo a mesma nota etc.

Vale dizer que o grande bordão não costuma ser muito usado, embora eu não saiba dizer ainda exatamente o porquê. Ainda assim, seu tom grave - que, aliás, é uma corda de cello - encorpa o som de uma forma absurda.

Acima da caixa ou teclado (pense no instrumento em seu colo, com as teclas para baixo) temos mais duas cordas extremamente importantes: o trompete ou corda rítimca (trompette) e a mouche (que seria um bordão barítono, e que em francês significa mosca), esta por sua vez afinada uma quarta ou quinta abaixo do trompete. A corda em questão, para a minha viela, que é em ré, seria um sol. É a única corda que foge de ré (com exceção das simpáticas, dependendo do instrumento).

Da esquerda pra direita: o trompete e a mouche
O porquê de a corda que faz uma quarta ou quinta com o trompete se chamar "mosca", nunca saberemos, creio eu. Entretanto, o trompete tem este nome por uma razão bem específica e audível: ela não é apenas uma corda, mas sim parte de um sistema de percussão próprio da viela de roda.

Trompete e cão
(poético ;-] )
A corda em questão é conectada por uma pequena cordinha (a tirante, que é ajustável) a uma pequena peça, o cão (a tradução literal do francês chien, nome proveniente de seu formato), um pequeno cavalete apoiado no tampo da viela, mas não completamente preso à mesma. Ao enfatizarmos nossa força através de pequenos golpes no manípulo, o cão é acionado, saltando e gerando uma espécie de som percussivo - como um bz bz bzzz - muito característico. Este som é muito (muito rs) utilizado dentro da tradição francesa. E estes golpes seguem toda uma técnica baseada na divisão de pontos na circunferência percorrida pela manivela.

Manivela e Manípulo

In a nutshell, o que vimos até aqui foi: As cordas melódicas (dois rés, em oitava), o trompete, o bordão barítono (um a 5ª ou 4ª abaixo do trompete), o grande bordão e o pequeno bordão - ambos em ré - e as cordas simpáticas.

Vale lembrar que esta configuração diz respeito ao meu instrumento, que está na afinação de Ré/Sol Maior. Para as vielas em Dó/Sol, as melódicas ficam geralmente em sol, em uníssono (podendo às vezes serem afinadas em oitavadas). Já o trompete fica em sol, a mouche em dó, e os outros bordões em sol novamente. Algumas alterações nesta configuração pode e deve ser feita, caso o músico queira tocar em sol ou em dó.

Eu sei que à primeira vista a quantidade de informações beira o absurdo, mas creio que isso aconteça com qualquer instrumento, ainda mais algo inusitado e insólito como a viela de roda é para muitos. Espero que este post seja apenas um primeiro glimpse do mundo técnico da viela, sobre o qual ainda estou aprendendo muita coisa (e o farei por um bom tempo, ainda bem ;-]).

Aproveito para pedir desculpas por não fornecer melhores informações sobre a configuração Dó-Sol; e agradeço imensamente ao Augusto Ornellas por sua paciência e ajuda nas minhas pesquisas.

Até a próxima,

Rique

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Saga da Viela - Parte III


Eu podia jurar que eu só entrei em contato com o meu luthier-da-guarda (porque ele foi um anjo. - ha) após definir o que eu queria no lugar de um violino elétrico mais digno. - Mas não, checando meu diário (*insira aqui a sua piada sobre menininhas de 12 anos rs*) eu vi que antes mesmo de acertar qualquer coisa com qualquer pessoa, eu já havia começado a mandar e-mails aleatoriamente para os maiores luthiers sobre os quais eu lia. E como vocês puderam ler na parte II, as respostas não foram nada encorajadoras.

Na época, essas dicas soavam como  a fúria dos Deuses me trollando com a força de uma horda de demônios sanguinários um pouquinho de má sorte, mas hoje posso dizer que são verdadeiras máximas que tento repetir a todos os insanos que tem interesse em pegar num hurdy-gurdy, a saber:

1) A lista de espera, geralmente, vai de um a dois anos (esta tende a ser a mais dolorosa. Peço desculpas.)

2) Jamais - JAMAIS mesmo - compre um gurdy via e-bay. Eles sempre são muito baratos, parecem super em conta e tal, mas não se engane, porque não sairia tão barato assim. Existem impostos e bem, tudo isso nos leva ao item 3:

3) Jamais - JAMAIS - compre qualquer instrumento que saia na faixa dos US$ 200,00. São todos brinquedos, como aquelas flautas doces de R$3,00 ou aquelas "harpas" do Largo da Carioca. Caixas mal feitas, rodas estranhas... Não há jogo de cordas que dê jeito. 

4) Espere. Tem jeito não.

 A princípio era só isso: eu teria que esperar. O lado bom - há sempre um lado bom, vai - é que eu poderia pagar/juntar/ter dinheiro sem pressa. E eu poderia escolher a madeira, a ornamentação (que de acordo com minhas possibilidades financeiras seria o que, uma pétala de 3cm em algum canto do instrumento? -S.), a correia, o estojo etc. Eu tentei focar nesse lado porque eu tenho uma mania bizarra de querer personalizar (*insira aqui sua piada sobre adesivos e bottons* rs) tudo que eu tenho.

Eu já havia respondido a quase todos os construtores de viela que haviam me dado estes dados. Eu digo a quase todos porque alguns simplesmente escreviam em suas línguas maternas (alemão, húngaro...- mega divertido) e não valia a pena ficar num vai e vem interminável. Eu já estava realmente desanimado quando o Chris Allen (o primeiro a quem escrevi! =D) me respondeu novamente. Provavelmente seria algo do tipo "I'm sorry lol, - sucks to be you, buddy!" - mas não. "I may be able to help you, though." - foram suas palavras estrondosamente mágicas. "He will want to sell it in about two or three months, I think. It just depends on how soon I can get his new instrument ready!".

O que aconteceu foi que o Chris já estava terminando um novo instrumento para um senhor que toca o repertório francês do século XVII; e este senhor - esta bendita alma! - possuía um instrumento que vejam só, que lástima, era inadequado para ele por ser baseado num modelo do século XVIII. O que estava para acontecer era uma troca: uma viela século XVII por uma viela século XVIII. E eu estaria ali, assistindo, torcendo para que ela se concretizasse e eu tivesse uma sombra de chance de vir a ter alguma viela de roda sem ter que esperar milênios.

E foi nesse turbilhão de informações pesadas que o sonho da viela de roda começou a ficar mais concreto (e tenso). Ter o sinal verde da galerë fez todos os e-mails enviados na vibe bocó de oi, sou alguém aleatório que decidiu  tocar viela de roda, me ajuda? Moro logo ali, no Brasil, na Governor's Fuckin' Island! valerem a pena; Contudo, eu ainda precisaria esperar. O Chris precisava terminar um novo instrumento e o senhor-dono-da-viela-século-XVIII ainda avaliaria o meu caso. E ainda precisaríamos negociar o preço. E ver como eu efetuaria o pagamento. E ver como how in seven hells! faríamos para a viela ser enviada ao Brasil de forma segura. E os impostos?! Ufa. Muito trabalho.

Então decidi esperar e não ficar pensando muito naquilo. Não havia o que fazer. Era algo muito absurdo, muito distante. Talvez (apenas talvez) aquilo não merecesse o desgaste de meu lindo sono, certo? Errado. Eis que em menos de 24 horas eu estaria lendo Hey, Henrique. So, this is the one:

Insira aqui sua ideia de reações histéricas.

 - #%%&$#@$¨*&&¨!!!


terça-feira, 8 de maio de 2012

No Brasil III - Grupo de Música Antiga UEMG


                                         

A primeira vez que vi o Grupo de Música Antiga UEMG, eu estava procurando por "viela de roda" no youtube, em português mesmo. Foi o único grupo realmente brasileiro a aparecer. Fiquei surpreso porque o instrumento do Domingos Sávio (no vídeo que abre o post ele está tocando a flauta) é uma viela em formato de violão, um formato bem popular na Galícia, mas que aqui me chamou um pouco a atenção por não ser uma symphonia, como as utilizadas pela grande maioria dos grupos de música antiga. 

Nesta entrevista, Domingos não só toca, como também fala um pouco do instrumento. Achei muito interessante, já que nunca havia visto isso. Estando tão acostumado a conhecer apenas o trabalho do Música Antiga da UFF e do amigo Augusto Ornellas, eu fiquei realmente contente em achar algo novo (para mim) nesta área. E é algo marcante, diga-se de passagem, já que acho que é a primeira entrevista que um brasileiro dá para falar especificamente da viela de roda.

O que também devemos levar em conta é que agora podemos ter, ao menos teoricamente, a conta exata de vielistas no Brasil: Domingos Sávio (UEMG), Virgínia Van Der Linden (UFF), Augusto Ornellas (Grupo Kalahamsa) e eu.

Uma verdadeira orquestra! Ainda estou devendo um post que trate do Augusto e de seu trabalho, mas como ele é o único colega  vielista com quem eu tenho contato - e um que teve um papel muito importante - eu prefiro tratar dele com calma mais para frente.

E por hora é isso. Meus parabéns ao Música Antiga UEMG, pelo rico trabalho.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Método Cardiofônico: Germán Díaz, manivelas, motores e corações



A teoria de que a música pode estar nos nossos genes como uma pré-disposição dialoga com muitas ideias interessantes que flutuam por aí. Não vou entrar em detalhes e, por favor, longe de mim criticar esta posição. Eu realmente acredito que seja o caso, já que a música como conhecemos e aceitamos, como tudo que exige criatividade, só pode ser feita por nós, seres humanos.

Muito se fala sobre a influência que a música exerce sobre os ambientes, sobre as pessoas e plantas... Muito se fala, em suma, sobre sua influência em células vivas. E eu acredito sim nisso tudo. Eu sei porque desde muito pequeno eu sofro e venho sofrendo essas influências (a ponto de ter todo o curso de minha vida alterado pelas mesmas).  E esse é o poder da música, no fim do dia.

A música na gestação, por exemplo, é algo que eu acho fundamental. Aliás, é na gestação que sentimos (e ouvimos?) nossos primeiros sons, sendo destes as batidas do coração o primeiro. Por isso eu julgo o assunto deste post algo lindamente poético: não há nada mais brutalmente vivo que um coração pulsando. E ao que parece, este é também o caso para o grande vielista espanhol Germán Díaz.

Minha história com o artista em questão é engraçada. Quando conheci seu nome e seu trabalho, me dei conta de que é ele quem encabeça, ao lado de Pascal Lefeuvre, o cd Dúo de Fuego, pelo qual eu já era apaixonado há um bom tempo. Ele tem um jeito de tocar muito energético,  desses que nos dá vontade de sair dançando, de verdade. Aliás, justamente por causa de seu som energético e preciso é que seu talento nunca passou despercebido por mim. A surpresa, aqui, se dá ao fato de eu não ter contado com tamanha criatividade e poesia.

Como se tocar uma viela de roda já não fosse inusitado o suficiente, Germán Díaz, que é, por sinal, um verdadeiro gênio e virtuoso da zanfona (galego para viela de roda), vai muito além. O projeto, chamado Método Cardiofónico, une diferentes instrumentos de manivela a um vinil gravado nos anos 30 por um -  pasme - médico que tinha como objetivo o registro dos batimentos cardíacos de seus pacientes para fins puramente acadêmicos. Tá, que eu concordo que trabalhar com batidas de corações que já estão mortos é algo meio mórbido, mas acho que o lado poético da coisa fala muito mais alto.

O coração é, em algum nível muito fundamental, o símbolo primeiro de vida pulsante. Utilizá-lo na música deveria ser mais que natural para nós, então fiquei meio chocado com o tipo de sentimento de surpresa que este projeto despertou em mim.

Nota mental: mais coração na música.

Sempre. 


sábado, 5 de maio de 2012

No Brasil II (pero no mucho) - Carolina Magalhães e Sua Symphonia



Minha primeira experiência efetivamente física com uma viela de roda (na verdade com uma symphonia) foi em 2010. Na época eu estava fazendo um curso de extensão universitária (uma espécie de introdução ou visão geral da música medieval Européia) no meu Conservatório, ministrado pela cantora brasileira Carolina Magalhães, que veio da França especialmente para a ocasião. Devo dizer que foi uma das experiências mais interessantes que já vivi. O curso foi maravilhoso.

Lembro-me de ir ao conservatório todas as manhãs, por quinze dias, cheio de frio na barriga por conta dos exercícios de aquecimento que fazíamos religiosamente antes de começarmos as aulas. Estes consistiam, na maioria das vezes, em ficarmos em um círculo, entoando uma ou duas notas em conjunto (um bordão, ou drones) enquanto um de cada vez improvisava uma curta melodia no modo musical proposto por Carolina. Apesar de eu realmente ficar tenso (tenho issues com o ato de cantar em público), uma vez começado o exercício, tudo ficava pra trás. Sentia uma paz que queria para sempre, como se eu estivesse dentro de uma imensa catedral Alemã em pleno século XII, só que com a visão da Baía de Guanabara ao fundo, cercada por prédios típicos do centro do Rio de Janeiro. Todas as manhãs daquele curso foram assim.

E foi numa da primeiras manhãs, em uma das primeiras aulas introdutórias os modos gregorianos, que Carolina levou sua  symphonia. Meu choque foi imediato, porque eu já havia começado minha saga pessoal (risos) e entrado em contato com o luthier que viria a me vender o meu instrumento. Na verdade eu só me inscrevi no curso porque sabia que algumas aulas seriam dedicadas à instrumentação medieval. Além disso, eu já estava há quase seis meses num processo de espera, com a mente focada no meu instrumento de uma forma incontrolável. Então ver a symphonia foi como ver uma celebridade que eu vinha adorando há anos, mais ou menos. Eu tive que tomar muita coragem para efetivamente explicar à professora que estava para começar a estudar a viela e pedir permissão para tocar aquele instrumento (o que só foi acontecer lá pro final do curso). Tinha muito medo de perder o encanto (ahah as if); e apesar de eu ter a impressão de que isso pode ter quaaase acontecido (o instrumento dela era realmente meio chatinho de tocar, em termos de qualidade mesmo) eu persisti e passava os últimos intervalos do curso num cantinho da sala, apenas girando a manivela e ensaiando uma nota ou outra que, aliás, soavam terríveis.

Essa experiência, no fundo, serviu mesmo para botar mais lenha na minha fogueira. Aprender um pouco mais sobre o repertório medieval foi ótimo. Estudar sua notação - com toda sua beleza e seus pontos obscuros foi especialmente interessante. E ouvir réplicas de instrumentos feitas por alguns dos meus colegas de curso lindo, lindo, lindo. Tocar a symphonia, enfim, foi como dar um primeiro beijo - algo meio sem jeito, meio sem graça, mas ainda assim, cheio de magia. =)

Carolina Magalhães é professora de canto em Estrasburgo, França; e além de cantar no magnífico Ensemble Musica Nova, também faz parte do projeto Alma Brasileira, cujo vídeo fecha este post.




quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Saga da Viela - Parte II (ou como descobrir, da pior maneira possível, que não existem gurdies disponíveis)

Imagem por Blunderland

Estados Unidos, Inglaterra, França, Gales, Alemanha, Hungria e Argentina: estes são os países dos luthiers para os quais escrevi quando minha incessante (e vamos ser sinceros, alucinada  e épica) busca por um hurdy-gurdy começou.

A ideia por trás disso tudo é muito simples: quer ver um louco agir naturalmente de forma louca? Dê corda.

Eu já fazia parte de duas bandas, sendo uma de música tradicional Irlandesa. Para mim, que sempre fiquei forever alone em meu mundinho - mesmo na outra banda - conhecer outras pessoas que soubessem o significado de coisas como tune, bodhrán, bothy band e jig era algo realmente que não cabia em palavras. A sensação que eu tinha era de sermos as únicas pessoas no mundo a amar certas sonoridades. Era um mundo que eu já amava há muito tempo se abrindo muito mais diante de meus olhos, como quando você reencontra alguém que você ama muito depois de meses e vê que quase nada mudou, acolhendo feliz da vida as várias novidades que descobre sobre ela. No meu caso as novidades eram estupendas. Assim como eu trazia minha humilde bagagem, as pessoas que eu ia conhecendo me traziam mais informações e me acrescentavam muito - MUITO - musicalmente. Mais artistas, mais tunes, mais inspiração.

Como o interesse geral de meus companheiros de banda (e de vários de nossos amigos) vai bem além das terras verdes da Irlanda, a deliciosa exposição a bandas ditas "inusitadas" do mundo folk (bem como ao hurdy-gurdy) era inevitável.

Foi numa noite bem aleatória  - dia 22 de outubro de 2009, me lembro como se fosse hoje de manhã - que as coisas começaram a tomar forma para a viela, ou melhor, para mim, no caso. Eu estava muito preocupado com o ritmo que ambas as bandas estavam levando devido ao fato de meu violino elétrico, que me foi dado há quase dez anos pelo meu já falecido avô e padrinho, apresentar alguns problemas de captação que estavam atrapalhando meu desempenho e mobilidade no palco.

Após uma conversa extremamente cara de pau calma e bem pé no chão, meu pai resolveu me ajudar e me poupar de juntar 80 anos do meu então pobre dinheiro de estagiário para pagar um violino novo. Uma graninha extra estava para sair e a ideia era esperarmos um pouquinho para depois, com calma, comprarmos um violino elétrico bom. Que durasse vidas. 

Pronto. O destino estava drasticamente traçado! Este simpático e inofensivo a gente dá um jeito, filho foi o suficiente. Bastou eu voltar para o meu quarto e sentar em frente ao PC que do nada - e eu digo isso da forma mais literal possível - me veio à mente a pergunta: e se eu comprasse um hurdy-gurdy?

Depois disso, obviamente, só me lembro de sofrer por anos ficar horas e mais horas navegando noite a dentro. Eis que começa a saga pra valer: um mar de imagens salvas, um interminável looping de videos no youtube, leituras interessantíssimas, coisas inimagináveis (algodão nas cordas?! hein?!) e a recém-chegada (mas concreta como uma parede) indignação a respeito de eu nunca ter pensado naquilo antes. Pior ainda! Que tipo de mundo era aquele em que eu existia sem tocar uma viela de roda? Só a ideia de ter a ajuda de meus pais para comprar um novo instrumento me enchia de euforia. Eu já me sentia um vielista super bem sucedido (e veja bem, em menos de vinte minutos a errata do acordo com meu pai já havia saído e o termo "violino" já havia gentilmente cedido seu lugar ao termo "um-outro-instrumento-que-você-não-conhece-um-com-uma-manivela") quando a primeira resposta ao meu e-mail chegou. Pronto, foi mais fácil do que pensei [insira aqui sua cena do Rique 2012 rindo muito do Rique 2009], eu pensei antes de soltar o  "quê?!" mais revoltado da minha vida,

"Dear Henrique, I am terribly sorry but unfortunately..."

And so the drama begins...


quarta-feira, 2 de maio de 2012

No Brasil I - Música Antiga da UFF e a Symphonia


Antes de prosseguir com minha história em relação à viela de roda, acho justo inaugurar a série de posts dedicados ao instrumento no Brasil. Estes posts não serão muitos, já que nosso querido instrumento não é popular por aqui (aliás, acho que até na França, onde ele é relativamente popular, ele não o é de verdade. risos).

É importante lembrar que aqui no Brasil, bem como em outros lugares, o que vemos não é exatamente a viela de roda como a conhecemos hoje, mas sim sua antecessora, a symphonie ou symphonia. Seguindo a história, a symphonia surge como uma evolução mais prática e portátil que o organistrum, que era bem maior, ao ponto de serem necessárias duas pessoas para que fosse tocado - uma na manivela e outra nas teclas. Estas, por sinal, se encontravam na parte superior da caixa, ao passo que na symphonia, na maioria dos registros, ficam embaixo.

Symphonia feita por Chris Allen
A symphonia é minimamente mais visível e popular que a viela de roda porque é de suma importância para todo e qualquer grupo de música antiga. Vale lembrar que apesar de estes grupos trabalharem em cima de suposições (muito bem embasadas, é claro, o que torna o trabalho de reconstituição um tanto relativo),  a symphonia é, sem dúvidas, fundamental para eles.

Além de ser utilizada em peças puramente instrumentais, ela também serve muitas vezes apenas de bordão ou cama para uma única linha melódica cantada ou tocada. De certa forma, seu uso neste tipo de música é um tanto limitado, já que sua extensão é menor e ela não possui o trompette, que é um elemento rítmico muito rico para a viela de roda (mais sobre isso depois). A simplicidade da symphonia (e das vielas mais antigas, diga-se de passagem), contudo, não torna o seu estilo musical menos rico ou interessante.

Aqui no Brasil, temos como portador da symphoniaMúsica Antiga da UFF, em que Virgínia Van der Linder fica responsável pelo instrumento. O grupo, que já existe há trinta anos e ainda se encontra ativo, já mora em meu coração há um bom tempo, já que a tia de um de meus melhores amigos (a harpista Sonia Wegenast) faz parte de sua história. 

Um dos mais recentes projetos do conjunto trabalha com os laços que unem a música antiga a nossa música nordestina (Medievo-Nordeste - Cantigas e Romances), ligação essa muito feliz, já que o repertório nordestino é extremamente rico em todos os sentidos.

O interessante no fato de este instrumento ainda existir (mesmo que reconstituído) é que ele serve muito bem para aqueles que pretendem entrar aos poucos no mundo da viela de roda. É mais simples de se segurar, de tocar e é ótimo para nos adaptarmos ao mecanismo-base da viela.


Podemos dizer que, ao menos por hora, o Brasil não possui nenhum luthier que trabalhe com este instrumento. O mais próximo que temos, no caso, é o Marcelo Morillo, na Argentina. Além de integrar o Conjunto Languedoc, Marcelo também trabalha como luthier. Confesso que já tive a oportunidade de tocar uma de suas symphonias e não fiquei muito satisfeito - o que não impede ninguém, de modo algum, de tentar começar por um de seus instrumentos.

Não trabalhando com vielas, mas pelo menos trabalhando no Brasil, temos o Caviúna, um luthier de Minas Gerais que trabalha com uma série de outros instrumentos medievais e étnicos.

Já é um começo, certo? ;-)


terça-feira, 1 de maio de 2012

A Roda - Tudo é um grande círculo

A Roda da Fortuna, do Hortus Deliciarum (Garden of Delights), compilado por Herrad de Landsberg.  Século XII.

A ideia de roda, na música, é tão forte quanto a música em si. Início-meio-fim fazem parte de um percurso  que, aliado às partituras, nos dão um ar de linha reta. Contudo, se pensarmos nas cantigas de roda, já sentimos um gostinho do que estou tentando expressar. Cirandas são fruto de um ponto sensível em que a música e a dança se tocam fisicamente de uma forma um pouco mais clara. As danças e os cantos indígenas de toda e qualquer parte do Globo, o gesto de rodar ou andar em círculos enquanto uma melodia  - geralmente modal e relativamente simples - é entoada, nos dizem mais do que imaginamos: pensar em música é trabalhar com círculos e em círculos.

Círculo das Quintas
O círculo é inerente ao ser humano por uma série de razões. É algo tão simples e tão arraigado em nossas mentes que nem nos damos conta deste fato. Não precisamos pensar sobre isso, mas estamos falando de uma das figuras geométricas mais antigas (se não A mais antiga) na história do Homem. Vemos círculos em tudo que nos circunda (no pun intended) desde sempre. É algo sagrado para nossa espécie. Talvez mais sagrado que a música em si, já que provavelmente veio antes dela. 

Me parece que a roda (invenção que revolucionou tudo o que existe, para o bem ou para o mal) é uma das melhores expressões desta agradável forma geométrica. Se há uma roda, há uma utilidade. Há algo a mais. Daí o ponto central deste post: a roda da viela. Seu coração. Aquilo que precisamos manter em movimento para que a música seja executada. Minha ideia aqui é traçar um paralelo entre a roda do instrumento e algumas outras rodas (menos as dos carros, pois estes não me agradam ;-)).

A própria imagem que abre o post, como podem ver, literalmente joga em nossas faces o que poderia ser um pseudo-esqueleto de uma viela. Ou pelo menos de seus principais órgãos. É claro que a imagem não tem nada a ver com o instrumento em si. Ainda assim, vejam bem, é inevitável (ao menos para o ser que vos escreve) olha-la e deixar de fazer tal associação. Me parece que isso é algo comum entre vielistas: vemos rodas e manivelas onde muitas vezes nem mesmo suas sombras existem. Antes mesmo de tocar o instrumento, se eu não tivesse nada mais produtivo para fazer e visse uma maçaneta, lá estava eu gerando constrangimento. De qualquer forma, o interessante da imagem em questão é que, de acordo com o que li, ela precede em séculos a poderosa (e apaixonante) imagem de uma outra roda fundamental em nossas vidas: a roda da fortuna.

No tarô, a roda da fortuna nos traduz a aleatoriedade da vida em incontáveis níveis. Além de ir de encontro à máxima hermética que nos diz que assim como é em cima, é embaixo, ela dialoga com a ideia das possibilidades que a vida nos oferece, seja em relação ao poder (material, político, pessoal...), seja em relação às emoções ou às pessoas. A roda da fortuna é o Karma. Existe para nos lembrar que nós vamos e voltamos e vamos novamente. Tudo, na verdade - de uma foma ou de outra - vai e volta. Intacto, diferente, ao contrário, invertido... O "acaso" (ou destino) é que manda. Me soa bem importante.  

Na música, "ouvimos" as rodas na música que "vem do oriente", a muito grosso modo, já que não estou fazendo justiça à riqueza do pouco que conheço sobre o assunto. A roda aqui é metafórica. O fato é que suas estruturas circulares rodam, giram... Sobem. A música de algumas regiões do oriente se repete de forma hipnotizante, nos fazendo subir numa espécie de espiral (poderíamos escrever vidas sobre espirais, mas ok, eu supero) para atingirmos algum nível de consciência específico. 

O mesmo pode ser dito da música irlandesa. Feita na maioria das vezes para a dança (e ironicamente para square dances ou quadrilhas), a música da Ilha Esmeralda às vezes supera a intenção de atender aos dançarinos e pode se transformar no ato de tocar pelo puro prazer físico de tocar. Novamente, estamos falando repetições de estruturas melódicas modais e relativamente simples que se repetem numa forma que pode ser desagradável a novos ouvintes.


Mas o ato de ouvir, na maioria das vezes, não está atrelado ao ato de ver. E a roda na viela é isso: visão e audição em sintonia perfeita. E a diferença está na roda. Com exceção do realejo, são raros (e muitas vezes experimentais) os instrumentos que utilizam uma roda mais ou menos da mesma forma que a viela. 

Eu ousaria dizer que apesar de seu formato insólito, é a roda (com sua manivela, é claro), dentre tudo na viela, que prende todos os olhos que a enxergam pela primeira vez. Há uma simplicidade pueril no ato de apenas girar uma roda - algo mágico, mesmo - que nos encanta. Seja a delicada imagem de uma caixinha de música ou a deliciosamente óbvia associação com o realejo, as imagens provocadas consciente ou inconscientemente pela roda são muitas e são sim, sem dúvida, maravilhosas.

Fascínio circular e brutal.


(Deixo aqui um abraço especial ao Augusto Ornellas - vielista #1 neste país :-) - por gentilmente me ajudar com alguns dos videos aqui postados.)