quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Pequena observação sobre os nomes


Nomes. Taí um assunto que tendemos a subestimar por ser muito natural  - instintivo, básico de mais, mesmo - sem nos darmos conta do quão fundamental ele, o ato de nomear, é em nossas vidas.

Sempre precisaremos das palavras, ainda mais se nos deparamos com algo novo, que nos é completamente estranho. A necessidade de definir,  de classificar, está em tudo. Ainda que não nos demos conta. Acho que é por isso que nesse tempinho em que estive mergulhando no mundo da viela de roda, o que mais ouvi - com exceção dos comentários a cerca de seu formato, som e excentricidade - foi mas como se chama esse instrumento? Eu sei que isso soa como um tópico não muito útil, mas meu interesse por linguística (e por nomes, diga-se de passagem) fala muito alto em mim. E a verdade é que todo assunto relacionado à viela em português é válido para os interessados nela e para meu humilde blog.

A maioria das pessoas que conhecem o instrumento aqui pelo Brasil, o fizeram através de bandas internacionais, das quais a estupidamente grande maioria trabalha em inglês. Consequentemente, é o nome hurdy-gurdy aquele mais conhecido entre amantes do instrumento. Esse nome - de origem supostamente onomatopaica e um tanto pejorativa - só aumenta a aura de excentricidade em torno do instrumento. 

O que a grande maioria das pessoas não sabe, contudo, é que a língua portuguesa tem sim um nome para o gurdy, e este nome é a viela de roda.

- Viola de roda?

- Não, ViEla de roda. Isso mesmo.

No bom e velho português do Brasil, este é o nome que utilizamos para este objeto estranho e fascinante.  Em Portugal, além deste termo, também utiliza-se sanfona, enquanto que na Galícia e na Espanha (aí sim) encontraremos os nomes (s)zanfona e viola de roda. Eu bem sei que isso gera uma certa confusão, mas entendam que o nome viela de roda é provavelmente uma tradução direta do francês vielle à roue, o que traz um pouco mais de sentido para essa história. Ainda assim, é estranho pensar que justo o nome utilizado na França (que vejam bem, não é o país mais "próximo" de nós em que a tradição da viela sobreviveu quase praticamente intacta) chegou ao Brasil. Na verdade o nome viela de roda soa mais como um híbrido entre vielle à roue e viola de roda, o que também é bem interessante.

Em italiano, língua em que absolutamente tudo é muito sonoro e musical, a viela de roda é conhecida como la ghironda, um dos termos mais poéticos, na minha opinião. Os termos mais esdrúxulos começam "do alemão pra lá", então a partir de drehleier (utilizado tanto em alemão como no holandês), encontramos nomes ainda menos comuns para nós, como o tekerölant dos húngaros, a lyra russa e a relia ucraniana.

O que é interessante de se observar é que esses nomes não são tão fixos assim, então podemos ver muita gente se referindo ao instrumento como huryd-gurdy, vielle ou sanfona independente do país em que se encontrem. Já vi inclusive um rapaz sueco utilizar o nome lira, mas levando em conta que em sueco o nome dado ao instrumento é vevlira, acho que faz sentido. Pensando bem sobre isso, eu diria que não vejo essa liberdade quando penso no tekerölant, que tem um formato bem específico e tende a ser sempre chamado pelo seu nome de verdade.

Ao falar com falantes de português, eu particularmente tento utilizar sempre o nome em nossa língua. Acho tão sonoro e cheio de personalidade quanto os outros, e acho que ajuda a "consolidar" a figura do instrumento por aqui. Aliás, vale lembrar que alguns vielistas que passaram por aqui apelidaram a viela de rabeca de roda, outra possibilidade que eu amei e que torna o instrumento muito mais nosso, de certa maneira.

Besteira ou não, nomes são mais importantes do que pensamos. Então, me diga, qual é o seu favorito?
Viela ou rabeca de roda?

;-)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

No Brasil esta semana: Germán Diaz


Para quem não lembra, escrevi sobre este talentoso vielista espanhol há alguns meses, falando do superespetáculo em que Germán utiliza não só a viela de roda, mas instrumentos de manivela em geral. Bem,  esta é uma oportunidade única para nós brasileiros, pois neste momento ele se encontra exatamente aqui.

O espetáculo em questão é o PI, sobre o qual vocês podem saber mais neste vídeo: 


As apresentações, que fazem parte do Mercado Cultural da Bahia, ocorrem em SalvadorSão Paulo e Curitiba. É uma oportunidade fantástica para os amigos músicos (princopalmente vielistas!), aspirantes ou apenas amantes da boa música e dos instrumentos raros.

É muito bom saber que um verdadeiro ícone desse nosso pequeno mundo vielístico está em nossas terras divulgando esse instrumento maravilhoso. Espero que o Germán aproveite muito sua estadia no Brasil e encante muita gente com a sensibilidade ímpar de seu trabalho.

Até logo, com mais novidades!

Rique

;-)


terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Subestimado Algodão


Uma das peculiaridades da viela de roda (e uma que tende a assustar muita gente), é a manutenção quase que diária do instrumento. Se engana quem pensa que basta pegar o instrumento e tocar como se não houvesse amanhã. Acreditem, além de ter que checar a afinação a cada vez que formos tocar, devemos nos certificar de que a roda possui a quantidade certa de resina e de que as cordas possuem a quantidade correta de... algodão.

Isso é estranho, de fato, já que a gente não imagina que num universo tão peculiar como o da viela de roda a gente precise se preocupar com isso. E sério, eu mesmo nunca pensei que algodão se tornaria uma coisa tão importante para minha vida musical. Acho que aceitei esse fato quando me olhei no espelho dia desses e vi, casualmente ENROLADO em meu cabelo, um pequeno tufo de algodão.

Pois bem, lidar com algodão para hurdy-gurdy não é o fim do mundo, mas também não é ridículo... Antes de mais nada, temos que saber que tipo de algodão vamos utilizar, e este é o algodão hidropônico (cultivado por meio de hidroponia, até onde sei um cultivo fora da terra, em recipientes com água e soluções nutritivas), ou algodão cardado. Como o algodão para as cordas da viela devem ter fibras longas, já ouvi de diferentes fontes  - todas confiáveis - uma dica um tanto inusitada: pode-se utilizar o algodão encontrado em.... o.b. (sim, absorventes). Não julguem. Não sei quem tem teve essa brilhante ideia; e sinceramente, estou bem com o algodão que utilizo. Aliás, você deve estar se perguntando de onde vem este algodão e como eu o adquiri.

Estou há pouco mais de um ano lidando com a viela e já comprei e ganhei diferentes pacotes de algodão. Alguns comprados pela internet, outros comprados por pessoas diretamente em fábricas de tecido ou produtores de algodão... Enfim, acreditem, o fato é que por mais que você o utilize, o algodão dura por muito tempo, então vale a pena investir um pouquinho mais e comprar logo um caminhão o suficiente para pelo menos dois anos.  Particularmente falando, todos os meus pacotes me foram dados, assim, de graça mesmo. Acho que é um ato normal no mundo da viela de roda, luthiers e vielistas, sempre que possível, darem um pouco de algodão para seus colegas. =)

De qualquer forma, o site Hurdy-gurd crafters vende pacotinhos a US$ 3,00, enquanto o Neil Brook oferece uma alternativa (ele está sempre inventando moda, e digo isso no melhor sentido) para quem quiser testar novos elementos. Outra alternativa válida que encontrei foi via a Gurdypedia

Então podemos ver que adquirir algodão específico para seu instrumento é sim, muito fácil. A grande manha, no fim das contas, acaba sendo aprender como aplicá-lo. Por isso vou deixar aqui um vídeo tutorial em que Neil Brook explica direitinho passo a passo:


Sim. Isso faz um barulho horrendo. Você se acostuma.

Bem, eu realmente sinto muito por não postar eu mesmo um passo a passo da aplicação do algodão, mas a verdade é que isso acaba sendo um processo que envolve prática, ouvido, calma e sim, intuição - quase instinto; de modo que ver alguém pratica-lo é fundamental.

No mais, não esqueçam que algodão não é tudo. É necessário encontrar o equilíbrio perfeito (ou o mais próximo disso) entre a quantidade de algodão e a quantidade de resina, tópico do próximo post.

Dúvidas, questões, reclamações, correções e porque não, elogios, favor comentar aqui embaixo. =)

Até logo,


Rique


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Allons-y! - A Nova Saga da Viela -



A música, quando permitimos, muda nossas vidas como se fosse o destino em pessoa, nos forçando a tomar decisões baseadas no coração. Sonhando futuros, amando presentes e largando passados, nós, vítimas assumidas das Musas, nos entregamos ao traçar de caminhos cheios de aventura, como jovens apaixonados em romances baratos ou canônicos, fugindo para terras distantes por uma única e exclusiva razão: o amor.

Brega, concordo. Mas uma absoluta verdade.

Daí que hoje eu estava vendo um vídeo muito - MUITO - interessante gravado em 1976 sobre um jovem vielista/luhtier francês chamado Jacques Grandchamp. O vídeo abre com ele num ambiente campestre tradicionalmente francês, tocando uma das suas vielas. Ele não me pareceu ser um expoente da técnica da viela de roda, na verdade (but then again... Quem liga para virtuosismo?), mas basta você olhar para ele ou - para aqueles que entendem francês - ouvi-lo falar, para perceber que o amor dele por tudo aquilo era bem real. Eu sei o que é aquilo e por mais que eu fale, escreva, desenhe ou toque, não tem como quem está de fora compreender.

Pois bem, o mini-documentário mostra um número interessante de formas e tamanhos de diferentes vielas, enquanto Jacques nos fala, de uma forma um tanto quanto informal, sobre o processo de construção de suas vielas. Ele intercala esses passos, inclusive, com o que ele sabe sobre a história do instrumento. O que me chamou a atenção, contudo, foi o fato de ele mencionar um lado negro - quase mórbido, mesmo - da viela de roda na idade média. Ele afirma que a viela aparece sempre antes de um acontecimento trágico, a ponto de ser considerado (não sei se por ele, exatamente)  "comme un annonciateur de grandes catastrophes".

Bem, a verdade é que na idade média, a viela de roda, como todo e qualquer instrumento utilizado em bailes e reuniões festivas informais, chegou a ser considerada como um instrumento demoníaco  por conta de uma associação natural entre ela (e o violino, aliás, o que me garante 7.000 hectares no inferno) e as idéias de boemia, festas, álcool... Enfim, pelo fato de a música profana dialogar, de uma forma ou de outra, com as melhores coisas da vida. ;-)

A questão da viela de roda anunciar tragédias, entretanto, me pegou. Acho que fiquei surpreso porque na minha vida, especificamente, pensar na música (especialmente na viela), é pensar em alegria, satisfação, e amor. É pensar em sonho realizado. A viela é um instrumento que já chegou a mim como o fim de uma era complicada, o prelúdio de uma pequena jornada épica que se provou, por sua vez, o início de uma era muito maior e mais mágica do que eu poderia imaginar.
Lyanna and me: Cahir Castle - Ireland 2011

Foi a música, meus amigos, que me carregou para o outro lado do oceano atlântico para explorar os castelos, os campos e as chuvas geladas da Ilha Esmeralda. Foi a música que me fez ver, também, o dragão de Gales de perto e provar para mim mesmo que sonhos se realizam. Acima de tudo, foi a música, sem dúvida alguma, que me fez ser alguém e fazer amigos que carregarei para o resto da vida.

Hoje a viela de roda prova mais uma vez que seu papel sempre foi o de anunciar sonhos para mim. E eu posso dizer que em breve estarei cruzando o atlântico outra vez, com ela e por ela, para o seio de um dos raríssimos países em que ela, a viela de roda, conseguiu sobreviver ininterruptamente desde a idade média.

França, aí vamos nós.

;-D


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

No Brasil - Mandel Quartet


Eu vivo falando que aqui no Brasil o que temos mais chances de encontrar em termos de instrumentos com manivelas são as symphonias, muito comuns em grupos de música antiga. Apesar de esses grupos fazerem algum sucesso na esfera erudita e estarem se apresentando com certa frenquencia, a symphonia nunca ganhou notoriedade ou atenção especial (na verdade raramente este estilo de música e seus instrumentos medievais ganham a devida atenção, o que é triste, já que todos são fascinantes).

Pois bem, em termos de viela de roda (a grande, com drones, trompette, cordas simpáticas etc) a única apresentação que passou pelo Brasil e de fato ganhou alguma atenção foi a do Pablo Lerner há alguns anos, não só pela viela, mas por conta da música tocada por ela, que era a música do nordeste brasileiro. Realmente algo fantástico.

Este post, contudo, é dedicado a um vielista que não só esteve por aqui - especificamente aqui no Rio de Janeiro - como se apresentou em pleno Theatro Municipal com seu quarteto, o Mandel Quartet. Eu já conhecia o trabalho deles (e sempre gostei muito, é claro), mas o que me chamou a atenção foi ver um post do Robert sobre o Theatro Municipal no facebook. Na mesma hora tratei de comentar e confirmar se eles de fato haviam passado por aqui, o que de fato aconteceu.

Robert Mandel é húngaro. Luthier e músico, ele também dedicou sua vida artística à pesquisa de repertórios e instrumentos dos séculos XVIII e XIX, com um certo foco na música de câmara francesa. O Mandel Quartet, um dos vários projetos desenvolvidos por ele, esteve aqui no Rio de Janeiro em 1998, numa espécie de ciclo de apresentações magníficas como o Ballet Kieve da Ucrânia e Jordi Savall, que de acordo com Robert fazia até duas apresentações por dia. 

Tirando a amargura disso tudo ter ocorrido numa época em que eu era muito novinho e não tinha a menor noção de nada, tenho a impressão de que Robert Mandel foi o primeiro vielista a se apresentar num palco sério e de grande porte aqui no Brasil. 

Para saber mais sobre Robert e sua história: http://www.mandelrobert.com


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

No Brasil: Raine Holtz - Through Waves


Não sei nem por onde começar este post. Acho que de todos os artistas/trabalhos abordados aqui no blog até agora, este é o mais denso em termos de informação, história e detalhes, a ponto de fazer da viela um mero coadjuvante do quadro geral. Devo dizer também que este é um  trabalho com o qual eu me identifico de forma um pouco mais forte por diversas razões pessoais. Por conta disso, fico até meio contrariado, já que para mim é muito claro que por mais que eu escreva, o verdadeiro valor dele não será devidamente transmitido.

Raine Holtz e alguns de seus intrumentos
Antes de mais nada, esclareço:  não se trata de uma banda, e sim de uma única pessoa, Raine Holtz, curitibano que começou seus estudos musicais no piano clássico e hoje é cantor e multi-instrumentista autodidata, tocando acordeon, harpa, flauta doce, algumas percussões étnicas e, mais recentemente, a viela de roda. Tudo isso em seu projeto independente que é muito, mas muito bem feito. De quebra, Raine me disse que está se preparando para adquirir um yangquin chinês, um bodhrán e um shenai indiano. Sim, é muita coisa. Mas tudo utilizado de forma muito sóbria e sensível.

Dono de uma voz interior musical muito distinta e direta, Raine se apaixonou pela viela de roda ao ver o virtuoso Nigel Eaton em ação há alguns anos: "É o som mais belo, o instrumento mais incrível e peculiar, tudo parece soar melhor com o hurdy-gurdy. Sou completamente fascinado por ele."

[2] foi tudo o que pude responder.

Seu trabalho, entitulado Through Waves, é um misto de sentimentos e cores profundas e, de uma forma muito bonita, tristes também. Algumas de suas canções me trazem uma saudade de algo que não sei o que é. Isso significa, ao menos para mim, que sua música atinge sentimentos muito antigos dentro de nós. É algo bem especial. Aliás, é justamente por conta dessa falta de nomes a sentimentos que eu gostaria de chamar a atenção de vocês para o vídeo da música Two Chapters, do terceiro disco [ Santuário ] deste interessantíssimo projeto, previsto para outubro:


Como comentei no último post, o conheci através do amigo Alex Navar, que provavelmente ciente da minha tentativa de "catalogar", encontrar e quem sabe - dentro do possível - unir a comunidade vielística do Brasil, me indicou o trabalho do Raine. 

A identificação foi quase que instantânea, não só pela viela em si, mas por toda a proposta que perpassa seu trabalho. Encontrar na música uma terapia pessoal é algo sobre o qual todo músico, de uma forma ou de outra, entende. Levar esta terapia a outros níveis mais profundos, por conta própria e de forma bem feita, já é outra história. E Raine faz isso de uma forma extremamente delicada e própria.

Androginia, ondas, sensibilidade, outono, magia, excentricidade e personalidade são alguns dos incontáveis elementos com os quais Raine faz malabarismo ao longo de sua jornada. Aliás, jornada essa que com certeza nos reserva muitas surpresas boas. Com direito à viela de roda fazendo música bonita e interessante aqui no Brasil. ;-)

Raine Holtz toca uma viela de roda em dó, modelo minuet, construída por Mel e Ann Dorries, nos Estados Unidos.


terça-feira, 11 de setembro de 2012

No Brasil - Updates em relação ao número de vielistas

Foto por Emmanoel Ferreira
Vocês não vão acreditar no dia que tive hoje graças aos milagres da internet... Mas antes, vamos lá: este post não tratará de apenas um assunto específico. Quero apenas contar as últimas novidades e preparar o terreno para o que vem por aí. 

Bem, recentemente tive a oportunidade de me apresentar com o Café Irlanda na Nerd Super Con, no clube israelita, em Copacabana. O show foi um verdadeiro sucesso. Aliás, a música considerada como o ápice da apresentação - abertura de Game of Thrones -  contava com a presença de Lyanna (meus instrumentos tem nome, me julguem) então fiquei bem feliz. ;-)

Daí que, passado isso, eu estava aguardando alguns assuntos para pauta, né? Não é como se o mundo dos hurdy-gurdies no Brasil pagasse fogo muito, então estava bem na minha, escrevendo sobre algodão e resina quando voilá, tive a brilhante ideia de entrar em contato com o Música Antiga da UFF para saber de vez quem toca a symphonia no grupo. Fui muito bem recebido pela Lenora Mendes, que me iluminou e gentilmente me explicou que eles não possuem apenas uma symphonia, mas sim TRÊS, sendo a dela a mais utilizada tanto por ela quanto pela Virgínia Van der Linder.

Fiquei muito contente com este esclarecimento e hoje cedo, após trocar pela primeira vez uma corda da minha viela (processo que foi bem fácil, por sinal), eu estava pronto para sentar e escrever quando o Alex (sim, famoso uillean piper carioca) me enviou uma mensagem falando que havia conhecido um rapaz de Curitiba que também toca viela de roda e cujo trabalho me agradaria. YAY, pensei. Mais uma vítima abduzida por esse instrumento fantástico. Mal entrei em contato com ele e volta o Alex para me avisar que um dos rapazes do Terra Celta também possui há pouco tempo uma viela. Quer dizer, em um único dia eu consegui fazer contato com mais duas almas aleatórias que agora são parte desse círculo. É muito bom ver isso acontecer. As pessoas precisam saber que existe muita música boa mundo afora, música tocada por instrumentos inimagináveis. Sons incríveis! Fiquei extremamente contente e prometo voltar logo para devidamente apresentar cada um deles com seus respectivos trabalhos. Por hora, contudo, gostaria apenas de divulgar o grupo que criei no Facebook com o intuito de reunir músicos, amantes, amadores e qualquer pessoa interessada na viela. Aproveito também para atualizar a pequena lista de vielas e vielistas em terras brasileiras:

Augusto Ornellas, em Brasília, DF - Viela feita por Jaime Rebollo (Galícia).
Domingos Sávio Lins Brandão, Belo Horizonte, MG - desconheço o luthier, mas desconfio que seja o Morillo (Argentina)
Lenora Mendes, Niterói, RJ - Symphonia construída por Kelicheck (Susato Intruments, EUA).
Virgínia Van der Linder, Niterói, RJ - Symphonias construídas por Kelicheck (Susato Intruments, EUA).
Rique Meirelles, Rio de Janeiro, RJ - Viela construída por Neil Brook (Lancashire, Inglaterra).
Raine Holtz, Curitiba, PR - Viela construída Mel e Ann Dorries (EUA)
Edgar Nakandakari, Londrina, PR - Viela construída Mel e Ann Dorries (EUA)

E nosso número está crescendo!  ;-)


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Primeiro Encontro Nacional de Vielas de Roda


Então eu finalmente tinha meu instrumento e estava finalmente no Brasil. O próximo passo seria - também finalmente - entrar em contato com o único brasileiro que eu conhecia (e mesmo assim, de vista) que possuía uma viela: Augusto Ornellas.

Augusto é um grande conhecedor não apenas da música galega, mas do gênero world music de forma geral. Pianista em sua formação primeira, ele também toca gaita galega e ainda arruma tempo para sua zanfona (galego para viela de roda), instrumento também "resgatado" fora do Brasil. Exatamente. Augusto teve a oportunidade de buscar sua viela (ou zanfona) na Galícia, onde teve a oportunidade de conhecer e estudar com grandes músicos desse universo. Seu talento, por sua vez, é utilizado no Kalahamsa, projeto musical do qual faz parte em Brasília.

Antes de mais nada, devo dizer que o que o Augusto tem de inteligente e experiente, ele tem de acessível e prestativo. Logo de primeira ele ficou claramente interessado na minha história e em meu instrumento, se prontificando instantaneamente a nos ver em janeiro, quando estivesse no Rio. Foi nessa ocasião,  dia 5 de janeiro de 2012, que pudemos realizar, pela primeira vez no país, um encontro de vielas de roda.

As crianças socializando
Não me sentia muito à vontade com a ideia de nos encontrarmos na rua, já que seríamos apenas duas pessoas e os instrumentos chamam muita atenção. Por conta disso, nosso encontro histórico ocorreu na casa do uillean piper (também o único do Rio) Alex Navar (aliás, fica aqui um abraço ao Alex).

Bom, o resultado foi maravilhoso. Ainda que nossas vielas sejam em tons diferentes (a dele em Dó, a minha em Ré), conversar e tirar dúvidas com um vielista foi absurdamente reconfortante. Além de me ajudar a afinar as cordas simpáticas (cordas fininhas que ficam paradinhas perto do tampo do instrumento, vibrando em ressonância com as outras, criando uma espécie de eco), Augusto me trouxe trilhões de presentes especialíssimos: partituras, resina líquida para a roda, um DVD de manutenção gravado pelo Neil Brook (construtor da minha viela) e... Algodão. Muito algodão. Sim, você sabe que você vive uma vida diferente quando fica indescritivelmente eufórico ao ganhar um saco de algodão. Ou quando você pára em frente a um espelho e repara que há algodão em seu cabelo. Bem... Efeitos colaterais de ter um hurdy-gurdy.

Presentes! ;-)
Augusto ainda aproveitou o fim de semana para aparecer no ensaio do Café Irlanda, onde pudemos trocar ainda mais algumas ideias e tunes, além, é claro, de participarmos do segundo encontro nacional de vielas de roda.

E é por isso que deixo aqui essa pequena homenagem ao provável primeiro vielista de roda de nosso país. Deixo aqui também meus agradecimentos sinceros ao mesmo. Obrigado pelas dicas, pelos contatos (que não são poucos!) e pela paciência ao me socorrer online para tirar dúvidas e indicar soluções inesquecíveis para problemas que, de modo geral, só nós conhecemos por aqui. =)

Que venham os outros encontros, e que sejam com mais vielistas!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A Saga da Viela VII - Gales: terra de dragões... E hurdy-gurdies.

Gales: terra de dragões
Enquanto o avião descia pelas nuvens, a turbulência era absurda. Eu estava apertando os braços da poltrona, gelado. Foram dois anos trabalhando com mentalizações e e-mails (gordinha wicca mode: [on] - off) e agora sim, depois de toda aquela energia aplicada, o que eu mais soube esperar e desejar com força brutal estava finalmente se materializando *insira aqui sua piada sobre The Secret*. Ao meu ver, não era só um instrumento. Era a concretização de uma viagem épica, de uma grana pesada e claro, de um novo rumo na minha carreira e, consequentemente, na minha vida. Se pararmos para pensar, é muita coisa para trazer de um plano mental para este plano físico, então era bem óbvio que o processo traria, no mínimo, uma turbulênciazinha no meu pouso em Gales (não acredito que escrevi essas coisas aqui. Blogs me deixam sincero de mais, mas é isso aí.), mas eu nem refleti sobre isso e enquanto aquela p$#@% de avião sacudia mais que um trem velho eu morri de medo e quase me arrependi de ter começado tudo isso. Só que não.

Gales: terra do quê?!
Ao descer do avião, o esperado: cinza e verde imensos, mas sem dragões à vista. Na verdade, sem nada à vista, nem mesmo dinheiro (tive que trocar alguns euros por libras para usar o orelhão porque esqueci do detalhe de que em Gales uma outra moeda é utilizada. Boa, Henricão. Freakin' genious!) ou pessoas, já que todos desceram do avião e sumiram em 5 minutos e eu fiquei lá, esperando Chris e sua esposa. Em pleno domingo de halloween. Falei com eles ao telefone (um orelhão para o qual eles retornaram para avisar sobre o atraso, me causando o constrangimento internacional de atender um orelhão no meio do aeroporto com a maior naturalidade), e voltei a curtir o cd do Carreg Lafar que não parava de tocar. Eu não relaxava por nada. Sozinho em Gales para buscar um hurdy-gurdy. Só eu mesmo. Aliás, só nas ilhas britânicas o absoluto nada consegue exalar beleza e magia assim, de graça. Sentei e esperei.

Sim, um castelo.
Fui muito bem recebido por ambos. Dois fofos. Sabina foi uma verdadeira lady, fazendo perguntas interessantes sobre nosso país, enquanto o  Chris explicava um pouco da história do local com toda uma naturalidade. Não nego que havia um certo clima no ar. Você troca e-mails com uma pessoa do outro lado do atlântico por dois anos, conhece sua vizinhança via google street view e um belo dia, voilá, aparece lá. Você não sabe se considera a pessoa um conhecido ou um estranho completo. Eu tentei ser o mais educado e interessado possível, alternando entre as conversas e as fotos que eu podia tirar.

A casa deles era mágica. Uma típica casa galesa, apertadinha, aconchegante e rústica. Além da escada, que era apertada e linda, lembro de ver camas de gatos e de cachorros pelo chão, um alaúde, alguns instrumentos e panos pendurados no teto da cozinha. Aliás, a cozinha deles era de pedra e tinha uma vista de frente para uns morros verde-amarronzados, com algumas ovelhas. Por alguns segundos esqueci o porquê de estar ali... Até ser conduzido ao seu atelier, nos fundos da casa.

O local se tratava de um quartinho bem simples, empoeirado e extremamente humilde, mas só à primeira vista. Um olhar mais detalhista encontraria de cara um contrabaixo acústico ali, mais um alaúde acolá e vielas de roda novas e (bem) antigas penduradas no teto, fora todos as ferramentas. Todas as vielas eram lindas, sem dúvida, mas eu só tive olhos para uma que estava casualmente em cima de uma mesa, como uma criança esperando os pais na porta da escola.

Serious Business
Pisei na sala e logo a vi. E eu sei que o Chris percebeu isso. Ainda assim, provavelmente por puro sarcasmo Galês ou apenas para não aparentar estar ali apenas para negócios, ele decidiu me mostrar cada um daqueles instrumentos. Não surtei.  Ouvi tudo com o orgulho falso mais natural que já exercitei na vida. Ouvi histórias fascinantes, sobre quando ele foi abduzido pelo hurdy-gurdy há quase 30 anos, passando por um leilão épico em que ele adquiriu um instrumento do XIX (feito por Gilbert Nigout, malz aew!) e chegando até hoje, dias de modesta popularidade como um luthier de instrumentos antigos altamente respeitado no Reino Unido.

- And this one...

- Yep, this one.

Lembro de dizer apenas umas duas vezes que ela era linda, me contendo para não parecer desesperado... (imagina, né. Apenas despenquei da Ilha do Governador. Besteira!) E ele então gentilmente me deu algumas dicas técnicas, como retirar e lixar teclas que pudessem emperrar com a umidade. Isso ocorreu ao som do Uma História do Choro, que dei a ele de presente, numa conversa sobre como nós, Sul-americanos, temos em nossa música baixos extremamente coloridos e interessantes (respect). Antes de minha primeira e única aula, vejam bem, Sabina nos interrompeu de forma muito bem-vinda com um pouco de chá de maçã da turquia (!) numa caneca de hurdy-gurdy (!!). Discutimos algumas questões técnicas sobre tangentes (zZz), almoçamos um cozido com uma de suas filhas e só então eu pude ter minha primeira experiência, de fato tocando, ou melhor, tentando tocar, minha viela. A primeira tune que tentei tocar foi Llef Harlech, do Carreg Lafar, óbvio. E o engraçado é que eu filmei este momento histórico, mas a câmera ficou tão bem posicionada, mas tão bem....


Que só vemos as mãos do Chris.

Surreal. Eu não tive como tirar nem mesmo uma foto da casa deles, daquelas paredes ou daqueles instrumentos. Eu estava tão imerso naquele mundo que só consegui atualizar o status do facebook começar a conceber a magia daquele dia no dia seguinte, ao acordar ao lado do meu case, em Dublin.

Cheguei debaixo de uma chuva bem chatinha e fui recebido efusivamente pelos meus companheiros de banda. Ainda muito tenso com o dia inconcebível que tive, mal conseguia tocar (diferente do Caio, que mal encostou na viela e me saiu com Asa Branca na minha cara). Saí à noite, totalmente agoniado, mas ao voltar, a perfeição: dormir com o gurdy na minha cama, do meu lado, como um sonho totalmente palpável.

O sonho havia se realizado.

domingo, 22 de julho de 2012

No Brasil, diretamente da Galicia do verde chan: Ariel Ninas


Voltei!
(Sim, porque todos os meus 11 leitores estavam morrendo de saudade, loucos para ler sobre vielas. Uhum.)

O sumiço se deu aos preparativos de uma linda cerimônia de casamento da qual o Café Irlanda fez parte. É sempre um big deal para mim tocar num casamento. Ser parte de um dos dias mais cruciais da vida de duas pessoas que se unem é uma responsabilidade (ainda mais sendo músico e sempre vivendo na paranoia de escutar as músicas perfeitas em momentos perfeitos e inesquecíveis). Enfim, estou de volta e hoje quero dedicar este post a um sanfoneiro (sanfona ou zanfona, para quem não sabe, é o termo galego para a viela) que esteve recentemente em nossas terras.

Ariel Ninas veio brevemente ao Brasil e divulgou seu instrumento - mesmo que de leve - através de uma iniciativa muito legal envolvendo a aCentral Folque e a Ong Contato, de Belo Horizonte. Participando do Residências Criativas, um programa musical de três semanas, Ariel compôs e gravou "Horizontão", música dedicada à cidade que o recebeu. O resultado é fascinante.

Neste link vocês conferem esta maravilhosa peça que o Ariel dedica ao nosso país. E reparem que ele gentilmente se dirige ao seu instrumento como "rabeca de roda" nos créditos. Lindo.

E aí, o que vocês acham? Viela ou rabeca de roda? Acho que prefiro o segundo termo, hein... Pablo Lerner que o diga! ;-)







[ Fotos do Residências tiradas diretamente da página da Ong Contato no Facebook. ]

quinta-feira, 5 de julho de 2012

No Brasil - Folk Heart


Agora vejam como as coisas são: um belo dia estava eu pelas minhas andanças virtuais pelo mundo folk quando vi, por acidente, a página da Folk Heart, criada há pouquíssimo tempo. De cara achei interessante. A banda está nascendo, praticamente, e está preparando um CD para chegar junto com ela. Mistério.

A "cena folk" brasileira ainda é, de fato, bem tímida. Ainda assim, as poucas bandas que existem no momento já mostram a nossa riqueza em termos de criatividade dentro da vasta-pequena-palavra folk, trabalhando com músicos das mais variadas vertentes, com diversas formações e backgrounds. Por conta disso, sempre que vejo uma nova banda surgindo nesse meio, eu fico absolutamente curioso. Qual será a formação, que instrumentos usarão? Qual é repertório e qual é sua proposta? Sempre há espaço para algo novo porque aqui no Brasil (um pouco mais que no resto do mundo) esse terreno é bem fértil. Em outras palavras, taquei um belo de um curti na página deles e segui minha vida. Queria muito ver o que sairia dali. E logo descobriria.

Nem duas semanas se passaram e um de seus integrantes, Luís Biavati, entrou em contato comigo e gentilmente me convidou a participar do CD deles - em fase final de produção - tocando a viela na faixa que abre o disco. Não preciso dizer a resposta, certo? ;-)

Fiquei absurdamente feliz com o convite, e tratei de ensaiar. Não vou entregar aqui assim, de bandeja, qual é a música, então vou me limitar a dizer que já estava bem familiarizado com ela (no violino, é claro) por conta do Café Irlanda, que nunca a deixa de fora de seus shows.


Depois de ensaiar quando e como eu pude, gravei hoje, finalmente, minha parte. Que experiência bizarra estar num estúdio sem ninguém das minhas bandas estar presente para me dar uma força (geralmente o Dé [André Sigaud] está sempre do outro lado do vidro me encorajando rs). Foi uma responsabilidade muito grande gravar, ouvir e lidar com o que eu julgo ser o melhor som para uma gravação - ainda mais para uma banda que não é a minha banda - mas, aparentemente, tudo correu bem e está feito. Esperemos o resultado.

Quero deixar aqui, junto com um forte abraço, meus sinceros e felizes agradecimentos ao Sidney Sohn, sempre um profissional maravilhoso, atencioso e cuidadoso, mesmo diante de coisas chatas de gravar feito o inferno inusitadas =). E claro, ao Luís e ao Saulo, da Folk Heart, com quem também tive oportunidade de falar.

É muito importante para mim poder participar, direta ou indiretamente, de um projeto desses, que já é mais que bem-vindo! Desejo ao grupo muito trabalho, sucesso e realização. Música sempre!

Agora é esperar. =D


segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Saga da Viela VI - Deixando Dublin


Quando acordei, deveriam ser 5:30 da manhã. Ainda não tínhamos nos adaptado ao fuso horário local, ainda mais naquelas condições (havíamos chegado na tarde anterior, indo do albergue diretamente para uma aula em grupo na Waltons School of Music, seguida por um bom banho e uma longa noite com pub crawl e baladas [sim, no plural, poque eu sou tr00] ). Apesar do frio, acho que eu tremia mais de nervoso. Havia dormido muito pouco e estava ansioso. Engraçado que eu passei tanto tempo imaginando aquele dia, mas não pensei naquele momento de acordar sabendo o que aconteceria... Sem pensar no frio na barriga que sentiria. Na escuridão das ruas que me levariam ao aeroporto.

Lembro de tomar um sofrido banho e estar me vestindo enquanto o Davi comemorava de sua cama que o grande dia finalmente havia chegado. Casaco, luvas, dinheiro na doleira e mochila nas costas. Bati a porta do quarto torcendo para retornar com um case nas costas. A rua estava bem mais gelada que na noite anterior. E o clima de fim de festa estava em cada esquina. Pedi informação sobre o ponto do Air coach para alguns taxistas mal-encarados e tremi com o frio que fazia na fila (eu e mais duas pessoas). 7,00 euros e 10 minutos depois, pronto: lá estava eu dentro do ônibus indo ao aeroporto para botar em prática um plano de dois anos que duraria um dia. Eu lembro de sentir muito medo. Qualquer coisa que desse errado, já era. Eu estava sozinho com uma mochila e uma quantia muito alta de dinheiro para quem passaria apenas um dia em um outro país. Tentei me acalmar ouvindo The Corrs. Imaginando quantas vezes eles já haviam cruzado aquelas ruas, fazendo aquele caminho para o aeroporto, para depois cruzar aquele mar cinza-esverdeado.

O aeroporto me pareceu bem mais bonito que no dia anterior, em que ficamos apenas na área de desembarque. Um gentil senhor me ajudou a fazer o check-in depois de uns 20 minutos que gastei indo de um terminal ao outro. Com o check-in feito, só me restava comer, ouvir música, relaxar e... escrever no meu diário de viagem. Reparei em tantas pessoas. Tracei histórias imaginárias sobre elas e os lugares para os quais estariam indo, mas acho que escrevi sem estar com a cabeça ali. A sensação de estar prestes a realizar um sonho muito grandioso é absurdamente eletrizante, mas gera muito medo. Absolutamente tudo precisaria estar em seu lugar. Me sentia como um criminoso prestes a executar um ato abominável, mas não sei bem o porquê disso. Enfim, o fato é que apesar de não ter sentido tanta fome (fico assim quando estou ansioso), eu precisava tomar um tímido café da manhã antes de embarcar.

Devo dizer que foi um momento mega forever alone. Mas estava me sentindo um aventureiro no ápice de sua jornada épica. Desbravando um mundo desconhecido para recuperar algo de suma importância para sua vida. Claro que nesse caso, o herói em questão tirava foto de tudo. Do croissant e do suco que seriam seu café da manhã até as passagens que o fariam cruzar um mar duas vezes no mesmo dia. Rio-de-Janeiro-Madrid-Dublin-Cardiff-Merthyr-Tydfill, Merthyr-Tydfill-Cardiff-Dublin-Madrid-Rio-de-Janeiro. Aer Lingus. Só de pensar nesse nome sinto aquele frio da barriga misturado com saudade.

Passado o café da manhã, a espera se tornou algo massante e enlouquecedor. Momentos de tensão rolaram para eu achar meu portão de embarque, mas uma vez encontrado, só me restou sentar e curtir o visual da pista de pouso e decolagem. Desde que eu havia chegado à Irlanda, eu ainda não havia tido tempo de sentar e falar "ok, aqui estou eu. Assimilemos esse dado". Talvez porque fazer isso implicasse em conceber a ideia de um fim para aqueles dias mágicos. Bem, no fim das contas, a chamada para o bendito portão 935 ocorreu e eu entrei numa pequena fila para o embarque. Éramos tão poucos. E eu lembro de ver duas francesas conversando, obviamente em francês. Queria tanto ter falado com elas, mas o meu pavor daquele simpático avião me deixou estático. The Lord was testing me. E entrar naquele avião provavelmente era a prova final antes do meu prêmio. O avião era o chefão daquela fase. rs

Pensem numa pessoa com medo de altura.
Agora imaginem esta pessoa num avião de papelão.

Eu mal havia chegado na Irlanda e já estava partindo. Quando entrei no avião, entrei numa outra realidade. Outro universo. E tudo que restava ali era o medo de altura. Estava dormente; e com o avião decolando eu dei play nos CD's do Carreg Lafar e vi uma ensolarada Dublin se perder em meio a nuvens cinzas que cheiravam a sonho saindo do forno da realidade.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A Hora do Pesadelo: teclas emperradas



Se há algo que eu aprendi nesses poucos meses em que tenho estudado viela de roda, é que instrumento mais fresco está para nascer sons estranhos vivem rolando quando estamos tocando. Além das cordas, algumas variáveis com as quais temos que fazer malabarismo afetam o som diretamente, então precisamos estar atentos a mil coisas antes, durante e depois de tocar. Primeiramente, temos o algodão que envolve as cordas (mais sobre isso depois), mas não podemos deixar de lado a resina que passamos na roda (líquida ou sólida - como a dos arcos dos violinistas) e muito menos um fator que tendemos a ignorar: a madeira.

A viela é madeira pura, praticamente. Sendo assim, ela está inevitavelmente vulnerável às mudanças de clima, temperatura e umidade. Esse era um dos meus maiores medos quando trouxe ela de fora do Brasil. Imaginem só, deixar o outono galês, enfrentar mudanças de pressão devido aos vôos e ainda parar no Brasil, em pleno verão carioca. Complicado... Mas ainda assim, sobrevivi, e a viela também, que se comportou muito bem até o verão começar a se esvair. (sendo que eu sempre - SEMPRE - soube que mais cedo ou mais tarde a umidade ia voltar e me dar um belo chute no traseiro. Pois é, esse dia foi hoje.)

Mas não posso reclamar porque fui devidamente avisado a respeito do efeito da umidade na viela, principalmente no que diz respeito às teclas. Entretanto, antes de qualquer coisa, tenhamos em mente que o ato de tocar uma viela exige que empurremos a teclas para cima; e elas, por sua vez, voltem aos seus lugares devido seguindo a gravidade, sem esforço algum. Por conta disso, elas precisam estar soltas e leves em seus espaços, deslizando mesmo, de modo que, visto "de cima", na posição de tocar, a caixa de teclas fique assim:


Até aí, tranquilo, eu imagino. Essa visão inclusive nos auxilia no início da prática, já que podemos ver que teclas estamos acionando e como elas retornam às suas posições de origem.

Contudo, uma vez que a umidade entra em ação, as alterações nessa maciez das teclas é palpável, então é comum que algumas teclas passem a emperrar, levando um tempinho maior para retornarem às suas posições. Quando isso acontece, nossa primeira reação é praticar todo nosso repertório de palavrões ficarmos tensos, preocupados e o pior: sem saber como proceder.

Pois bem, a primeira coisa a se fazer é manter a calma. Vielas são instrumentos temperamentais e extremamente sensíveis a qualquer tipo de mudança, então a situação é natural e previsível.

Passado o pânico, você vai precisar de poucos itens: duas lixas para madeira (uma grossa e uma mais fina, para acabamento) e um lápis 6B (ou grafite em pó).

Uma vez que a tecla problemática for localizada, nós abrimos a caixa de teclas e marcamos com um lápis a posição de suas tangentes. Isso é estritamente necessário, já que vamos retirar a tecla e tratá-la (sim, ouço seus gritos daqui e sinto muito) e colocá-la de volta. Certifique-se de que as tangentes, uma vez fora da caixa, permaneçam na mesma disposição, ou seja, não confunda aquelas que pertencem à primeira fileira, com as da segunda. Cada uma deve voltar ao seu lugar.

O importante é manter a calma e saber o que está fazendo. As teclas são simples e geralmente escuras, então preste muita atenção para não apagar as marcas das tangentes, pois são elas que te guiarão na hora de botar tudo de volta em seu lugar. Também redobre a atenção na hora de retirar a tecla. Com muito cuidado, puxe a tecla aos poucos, já que muitas delas são muito próximas umas das outras e qualquer movimento brusco pode alterar a configuração de uma tecla vizinha.

Com a tecla em mãos, o que devemos fazer é procurar por partes mais brilhosas em sua superfície. São elas que estão em contato maior com a caixa de teclas, fazendo com que a tecla emperre no momento de voltar à sua posição. Estes pontos mais lustrosos podem estar nos lados e/ou nas partes de cima e de baixo. Pode ser também de que você localize apenas um ou dois desses pontos. Isso vai depender de muitas coisas, então nesse momento você só tem que localizar o "brilho" extra, como na tecla que tirei hoje e que você vê neste post.

Agora sim o trabalho começa, passamos a lixa mais fina aos poucos, depois passamos a mais grossa, também com calma, até a madeira voltar a ficar mais fosca. Faça isso de forma homogênea, com a lateral da ponta do lápis, e com cautela para não danificar o corpo da tecla. Uma vez que o brilho tenha ido embora, podemos aplicar o grafite nestas mesmas partes e também nas outras. Ou seja, cobrimos com grafite as partes que ficam mais em contato com a caixa de teclas. Isso deve deixar a tecla novamente deslizando sem problemas através da caixa. Depois é só colocar a (s) tecla (s) de volta na caixa, aparafusar as tangentes de acordo com as marcações feitas e voilá: seu gurdy está de volta. =)

É claro que estes passos são aconselháveis para teclas que não estão emperrando tanto. Algumas vezes elas podem ficar realmente presas, aí o melhor a se fazer é pegar um pequeno ... erm... raspador de madeira? E tirar muito (mas muito!) POUCO da área mais lustrosa da tecla. Essa foi a forma que o querido e inesquecível Chris Allen me ensinou, mas se mostrou necessária apenas em uma das minhas teclas, e uma que eu mal uso, que é a penúltima. Nas outras duas teclas em que precisei trabalhar, esses passos com a utilização da lixa (sugestão do grande Augusto Ornellas) foram mais do que úteis, me deixando bem satisfeito.

E é isso, boa sorte com suas teclas e logo estou de volta para tratar do pesadelo algodão que utilizamos em nossas cordas.

;-) See ya,

Rique

terça-feira, 12 de junho de 2012

A Saga da Viela V - Brazil Celtic Festival

Como lidar?
Na Irlanda nós precisaríamos fazer algumas aulas em nossos instrumentos; e também teríamos que visitar sessíuns tradicionais, alugar um carro e fazer uma road trip pelo país. Tudo isso era abordado da forma mais natural possível pelo Davi, bodhranai do Café Irlanda, que vivia falando coisas do gênero antes de qualquer passeio estar sequer programada. Eu só ria e pensava nossa, que sonho que seria viver isso. E ele afirmava com toda certeza do mundo: nós vamos à Irlanda ainda esse ano

Tudo começou por causa de um festival chamado Brazil Celtic Festival, que ocorreria na Bahia e do qual ouvimos falar através de uma amiga. Alguns artistas irlandeses viriam a Salvador para alguns shows enquanto artistas daqui iriam para lá seguindo a mesma ideia. A princípio, nosso intuito era apoiar o projeto de todas as formas possíveis (realmente acredito nesse espírito de músicos folk brasileiros se ajudando. Nós precisamos desse tipo de companheirismo, já que somos tão poucos), então apenas ajudaríamos a procurar algum tipo de patrocínio e tentar trazer o evento também ao Rio de Janeiro, o que infelizmente não ocorreu devido à indisponibilidade de espaços e à falta de tempo, já que estava um tanto em cima

De qualquer forma,  como uma forma de agradecimento e apoio, os produtores nos convidaram oficialmente (havia inclusive a carta de um parlamentar irlandês que apoiava o evento) a participar da etapa internacional do festival, em Dublin. Obviamente, nem tudo seria por conta deles, o que inevitavelmente implicaria em desembolsarmos alguma grana - ainda mais com tantos planos como aulas e road trips

Eu realmente não achei que aquilo fosse possível. Antes de qualquer coisa, eu ainda não havia recebido o resto do dinheiro necessário para uma viagem internacional. Além disso, eu havia acabado de conseguir um bom emprego, novinho em folha e já teria que pedir pelo menos uma semana de faltas para conseguir realizar esse sonho. Para a felicidade geral do Café Irlanda, o festival coincidiria com um feriado prolongado aqui no Brasil - de exatamente uma semana - fazendo com que no fim das contas eu só perdesse dois ou três dias de trabalho. Só isso, aliado aos convites, foi suficiente para Kevin e Davi já comprarem suas passagens. A coisa, entretanto, se concretizou quando todas as pessoas que poderiam me substituir no trabalho concordaram (anjos!) em me ajudar. Era isso: substituições no gatilho, convite para o festival, passaporte tirado desde 2009 (rs), cartão de crédito, Davi-cabeça-dura e.... Voilá: um dia antes do meu aniversário minhas passagens para a Irlanda estava compradas. Um misto de coisas girando em minha mente; e não pensem que tudo estava resolvido. A única coisa que faltava era justamente o dinheiro para meu hurdy-gurdy, e era isso que gerava uma certa tensão que brincava com o conceito de pedra no sapato.

Alguns dias ainda se passaram até meu coração pseudo-se-acalmar. Tudo já estava pronto: malas, documentos, reservas em albergues (para os dias que não fossem o do festival), aluguel do carro e... Passagens. Muitas dessas coisas foram acertadas com a banda toda junta, em dias de ensaio. Nunca esqueço do dia em as passagens para Gales foram compradas - antes mesmo de eu ter o dinheiro para o gurdy em si. Eu não sabia como tudo se resolveria, mas tinha certeza - de verdade, com fé mesmo - que aquela viela seria minha. Me segurei nesse pensamento com uma força que eu nem sabia que tinha, até que recebi, 15 dia antes de embarcar, o tão esperado dinheiro.

Minha viela estava ali, em cima da cama.

Dentro de um envelope.



domingo, 3 de junho de 2012

No Brasil, pero no Mucho II: Tekerölant tocando repertório de rabeca... por um argentino.


Antes de seguir para o último homem da imensa lista de vielistas brasileiros da atualidade, acho válido voltarmos nossa atenção àqueles que, apesar de não serem Brasileiros, estiveram em nossas terras e divulgaram de uma forma ou de outra nosso amado instrumento.

O primeiro deles (e eu digo primeiro aqui em quase todos os sentidos imagináveis) foi o argentino Pablo Lerner. Agora, se eu achava que ser brasileiro e tocar música tradicional irlandesa ou a música de alguns países europeus já era meio inusitado, imagine ser argentino, tocar uma viela húngara e trabalhar na música específica do nordeste brasileiro? Pois é.

Antes de mais nada, é válido esclarecer que o instrumento do Pablo é um tekerölant. Embora essencialmente um hurdy-gurdy como qualquer outro, o tekerö (húngaro para... alaúde rotativo?!) possui suas particularidades. Basicamente, a sua roda é menor - o que influencia diretamente a performance de peças mais lentas; e suas teclas, que existem em menor número e ficam numa caixa de teclas bem maior que as comumente vistas em vielas, de modo que ao serem acionadas as mesmas não saem do outro lado da caixa (o que geralmente nos ajuda muito no início da prática). O tekerö usado por Pablo foi construído por um dos principais construtores do instrumento na Hungria, Balazs Nagy.
Bem, morando na Hungria (onde estudou viela), Pablo, que me disse em primeiríssima mão que está terminando um método para tocar música nordestina na viela de roda (!), recentemente respondeu a algumas perguntas de forma muito solícita. Sobre sua história, ele fala com toda a naturalidade do mundo que já fez 33 viagens ao nosso país, onde também estudou música; e complementa que "sempre gostou do Brasil e da Hungria", simples assim, como quem diz gostar de queijo e abacaxi. Sua vinda ao Brasil, há alguns anos, ocorreu devido à Segunda Mostra de Música Antiga de Araripe, ocasião que possibilitou apresentações em locais como sesc e BNB Juazeiro do Norte. 

Seu trabalho tem como objetivo explorar a música da rabeca na viela de roda (e que vergonha, hein, Brasil. Foi necessário um argentino tomar esta iniciativa! =P), objetivo este alcançado de forma muito feliz, em parte graças à sua parceria com o multi-instrumentista e pesquisador de música para a rabeca, Di Freitas.

Você pode conferir um pouco mais deste magnífico projeto aqui.

É ou não é lindo?

;-)


terça-feira, 29 de maio de 2012

Livros \o/


Daí que apesar de uma galerinha achar que a viela é um instrumento ridículo de se tocar - a doce ilusão de apenas girar uma manivela e sons maravilhosos surgirem no ar - há toda uma técnica por trás dela e pasmem, até métodos "oficiais" existem! Claro que não pretendo tratar de toda a bibliografia técnica da viela aqui, neste post. Vou introduzir, entretanto, alguns dos livros mais básicos e indispensáveis para quaisquer seres que pretendam entrar no fantástico mundo da viela de roda.

O primeiro é o Hurdy-Gurdy Method, de Doreen Muskett. Ela no momento não é mais uma vielista ativa, devido ao mal de Parkinson , que a atingiu =/, mas seu marido, Micheal, ainda toca e participa ativamente do mundo da viela. 

Apesar de ter sido lançado há uns bons anos (a primeira edição é de 1979), ele é uma das bíblias de todos os vielistas, contando com um pouco da história do instrumento e focando na técnica do mesmo. Nele você encontra algumas peças tradicionais com notação específica para viela, ou seja, uma notação voltada para os golpes da manivela, que também são trabalhados ao longo dos exercícios. É tudo muito didático, então o livro traz fotos, gravuras, gráficos... Vale muito a pena. Fora o charme de algumas sessões, como uma voltada para a symphonia e outras gentilmente escritas com o intuito de nos guiar na hora de adquirirmos - e até construirmos! - uma viela. Bem, acho que é bem claro que este livro por si só já é uma luz na vida de um vielista, certo? Mas não paramos por aí.

Na época em que eu estava desenrolando com o Chris para comprar a minha Lyanna (conto a origem do nome em outra ocasião), ele fez questão de que eu comprasse também um outro livro, este tão importante que já vem em três línguas (alemão, francês e inglês) ao mesmo tempo. O livro em questão se chama La Vielle (ou Die Drehleier/The Hurdy-Gurdy), escrito pelo luthier amador e músico, Philippe Destrem. 

Confesso que até hoje não tive tempo de sentar e mergulhar neste livro para valer, mas deixo claro que apesar de também se tratar de uma bíblia para nós vielistas, ele existe puramente para questões de manutenção do instrumento (e isso o torna tão fundamental quanto oxigênio, fikdik rs). Soa meio massante, não nego; e é um livro estranho no sentido em que cada página tem o mesmo conteúdo repetido três vezes, em línguas diferentes. No fim das contas, entretanto, isso acaba sendo o de menos, já que não estamos falando de um livro que pegamos para ler por horas e horas, como um livro de danças Francesas que descobri há algumas semanas:

"It's a festival!"

Achei este livro por acaso, mal lembro como... Se não me engano, soube de sua existência ao visitar o site do luthier que está por trás do livro, o Mike Gilpin (um senhor muito gentil e prestativo, aliás). O livro traz 126 tunes tradicionais francesas da região de Morvan (o que é ótimo porque a minha afinação [D/G] é muito comum na frança); e eu apoio o uso cada centavo neste investimento. As tunes são muito legais: bourrées, branles, polkas, mazurkas, marchas, valsas... Um tesouro.

Claro que sabendo procurar na web (a lista de links aqui no blog é um bom começo) você encontra milhares e milhares de partituras (fora os vídeos e as músicas para aqueles que, como eu, tocam de ouvido também). Sem contar os inúmeros sites que tem surgido nos últimos anos com todas as informações necessárias para nos mantermos vivos com o instrumento.  É algo bonito de se ver, esse revival, mas ainda assim, somos músicos que tem uma forte conexão com o passado (eu deveria falar só por mim, mas quem se importa?), então duvido que vocês não gostem da ideia de abrir um bom e velho livro na estante e tocar/ler algo com cheirinho de papel. 

Por hora é isso. Ainda estou pesquisando no meu próprio ritmo essas questões bibliográficas, então mais para frente volto a citar alguns livros que possam servir como guias nessa jornada estranha e apaixonante, ainda tão nova para mim. 

E vamos ser sinceros, qualquer jornada é mais emocionante se temos livros ao nosso lado. =)