sexta-feira, 14 de março de 2014

Basilea e Tobie Miller: primeira aula


Esse ano escolhi estudar com a Tobie Miller não apenas por ela ser ~A Tobie Miller~, mas pelo fato de se tratar de uma musicista que chegou na viela de roda através da música antiga - isso quer dizer, de certa forma, que ela é alguém que chegou ao instrumento pela veia mais "erudita" da coisa; e não pelo mundo da música folk/tradicional.

Ano passado, quando estive com o Laurant Bitaud, lembro de ser diariamente liberado do "fardo da tradição" por ele, que cismava que por eu ser brasileiro eu teria a liberdade para fazer o que eu quisesse com o instrumento. Eu até gosto (muito) desse discurso, mas a verdade é que para a gente ir contra uma tradição temos conhece-la a fundo e saber, de fato, a que estamos nos opondo.

A caminho da aula, dragões. #Khaleesi
Fato é que não é esse o meu propósito. Amo a música tradicional e, mal ou bem, meu foco é esse. É pelo menos uma fonte da qual procuro beber constantemente e esse ano, na verdade, isso pouco importou.

Em relação a tradições e à nossa liberdade artística, com a Tobie o buraco é mais embaixo as coisas são um pouco diferentes. Eu já imaginava que alguém do mundo erudito seria mais firme em relação a estudos (não me levem a mal, conheço mil pessoas do mundo trad que são extremamente disciplinadas e não deixariam de estudar por um dia sequer. beijo, Kevin, meu amigo e colega de banda) e no fim das contas, apesar de ter aprendido MUITA coisa com o Laurent, era exatamente disso que eu precisava: alguém que não se importasse com o fato de eu ser ou não parte de uma tradição, alguém que não estava muito ligado no fato de eu ser fluente na linguagem em questão ou não. O foco da Tobie era apenas me fazer tocar e deixar os movimentos da minha mão direita tão naturais quanto os da esquerda. Percebi isso logo no nosso primeiro encontro. Aliás, nessa minha primeira aula eu cheguei super assustado e fingindo que não tinha chegado na vizinhança 30 minutos antes do horário marcado. Se já sou awkward no Brasil, imagina na Suíça. Ainda assim, foi tudo maravilhoso, superando minhas expectativas.

Saber quem alguém é através de vídeos e depois conhecer pessoalmente já é, por si só, uma experiência interessante. Conhecer e admirar alguém de vídeos do youtube por anos e depois ter aulas na casa dessa pessoa, do outro lado do planeta, beira a surrealidade. Tobie foi super solicita e amistosa, literamente uma fofa, com suas pantufas e sua voz baixinha (e sim, ela parece uma pintura barroca que ganhou vida). E nosso primeiro encontro, apesar de suas curiosidades sobre minha viagem e minha história. foi quase todo voltado para o set up do meu instrumento, que tinha acabado de voltar de um reparo.

Magic happens.
There's no reason for you not being able to play a note. Foi o que ouvi quando falei que pensava que não conseguiria nunca executar certas notas mais agudas. A Tobie me dava uns dados assim, com um ar que no fundo, no fundo, parecia dizer oh, you poor summer child... ahaha Mas o que me deixou mais impressionado nela não foi nem a destreza de suas mãos, nem a sua didática maravilhosa, mas sim a atenção dada aos detalhes. A precisão dela em reconhecer e encontrar problemas no meu som era bizarra, sem mais. 

Eu tocava uma nota e ela sabia se o que faltava era algodão, resina, pressão da corda na roda ou - pasmem - a espessura do vão por onde a corda passa. No cavalete. Sério, como assim? Fiquei boquiaberto quando ela simplesmente foi cortando, colando e lixando pontinhas de palitos de dente para deixar o vão do meu cavalete mais estreito para a chanterelle aguda. E foi exatamente o que resolveu alguns, ou melhor, todos os meus grandes problemas.

A viela de roda tem dessas coisas, né. Cada um toca um instrumento feito por uma pessoa, com cordas diferentes, resina diferente, algodão diferente e medidas diferentes. Quantidades, manias, estilos... Tudo influencia o som e não há regras no sentido estrito da coisa. É muito legal ter estado ao lado de alguém tão lúcido e sagaz no que diz respeito à manutenção de uma viela. E a dica fica para vocês: nem sempre dobrar papelzinho embaixo da corda dá jeito. A técnica do palitinho foi um achado, porque tentei de tudo nessa vida: papel, cartolina, plástico... E nada funcionava. Além disso, é praticamente um fato que depois que a coisa é feita você nunca mais vai precisar passar por isso novamente. 

Outro ponto interessante foi ver que a resina que ela usa no algodão das cordas dela é em pó (da pirastro, podem porcurar). Confesso que eu ia morrer sem saber que isso existia, e é muito útil porque desta forma a resina é seca sem ser em pedra (não danifica a roda); e utiliza-la não é tão perigoso para a madeira como a resina líquida. (falando em resina, a Tobie fabrica sua própria resina líquida, triturando a resina em pedra e misturando ao álcool. Ok que não é uma necessidade porque podemos comprar, mas ainda assim! I mean. Badass.)

No fim das contas, nosso primeiro encontro se resumiu a deixar o som da minha viela mais apresentável (o que de fato ocorreu) e a começar o ritmo de bourrée na mão direita.  E falamos sobre o equilibrio entre presão, resina e algodão. Foi bem, bem, BEM esclarecedor.

S2
Resumindo: Tentem a resina em pó, por favor! E prestem atenção na forma pela qual as cordas estão atravessando o cavalete. Vez ou outra, não conseguimos o som que queremos das cordas cantoras por causa de algodão e resina, mas no meu caso, minha cantora aguda não estava soando tão bem porque estava muito solta no cavalete. Vale realmente a pena dar uma olhada em sua viela e ver como é a pressão da corda na roda. Me parece que para as cordas agudas, menos pressão (na medida certa, é claro) facilita muito a vida, já que o som não fica arranhado e tudo parece mais leve - o som, principalmente.

Vou dedicar meu próximo post somente ao que eu e Tobie falamos e fizemos sobre a mão direita, utilizando a boa e velha "notação numérica" (1, 2, 3 e 4) para se referir aos pontos da roda.

Até logo, então. ;-)

Vielisticamente,

Rique

2 comentários:

  1. Moço eu moro em Curitiba no Paraná e sou completamente apaixonada pela viela de roda, mas é impossível de achar qualquer coisa relacionada com o instrumento por aqui, logo imagine aulas hsahsahsha. Então eu queria saber onde vc acha eu teria talvez a possível sorte de pelo menos achar o instrumento, ahh adorei seu blog :3 hsahashashsah

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  2. Nara,

    Obrigado pelo comentário. Olha, achar o instrumento para vender no Brasil, hoje, é realmente impossível. Mas você está com sorte, porque aí pelas suas bandas existem exatamente TRÊS vielistas (a maior quantidade num estado brasileiro ahaha). Procure o Raine Holtz no facebook e peça umas aulas, ou apenas vá vê-lo tocar nas ruas. =)

    beijos

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