sábado, 12 de abril de 2014

Mais da Suíça: session épica e o Bourrée D'armes


No meu primeiro dia de aula com Tobie Miller, a expectativa era grande. O medo também. Estar de cara com alguém que sabe tanto quanto ela pode ser assustador; e ainda que um professor não vá ser ríspido com um aluno particular, o medinho de parecer muito menor de uma maneira negativa me perseguia.

Claro que tudo correu bem, e eu deixei a aula não só animado com a perspectiva de aprender cada vez mais, mas também com um convite super, super, super, SU-PER chique: participar de uma session que rolava vez ou outra lá em Basel.

Direto de 2011 - Session em Dublin
Antes de mais nada, devo dizer que Tobie é casada com o grande Baptiste Romain, que além de um  talento em instrumentos como o violino (medieval e renascentista), lira de braccio e gaita de fole medieval (acredito que bretã), é também professor de música medieval. Pois bem, Baptiste tem uma aluna de gaita de fole que promove uma session que agora não sei dizer se é mensal ou não, se tem uma regularidade ou não. Fato é que no dia de minha primeira aula, a tal session rolaria e Tobie e Baptiste estariam lá. Óbvio que aceitei o convite; e ainda tive a pachorra de aparecer por lá com minha viela nas costas.

Minhas experiências com sessions sempre foram positivas. Na Irlanda, na França e aqui mesmo no Brasil, sempre conheci músicos muito amáveis, que claramente estavam ali por razões que iam além do que apenas tocar. As sessions tradicionais em que toquei sempre se mostraram encontros estranhamente formais e solenes, um encontro de pessoas que amam demais aquilo que está para ser tocado. Em Basel não foi diferente, mas de fato senti uma atmosfera mais séria.

Irish Session Rio
Cheguei debaixo de uma chuvinha fina, super tímido e meio perdido, já que o estabelecimento, se era ou foi alguma vez um bar, havia sido drasticamente modificado. Digo isso porque me deparei com uma sala completamente vazia, sem nada além de uma grande mesa (com alguns petiscos, algumas velas e algumas garrafas de vinho) e algumas cadeiras para os músicos. Com músicos, óbvio. Que me encararam com um ar que não sei até agora se era de "Wtf?", ""Olha, que legal, mais um!" ou "ah, então este é o brasileiro." Fiquei atônito demais com o gigante contrabaixo acústico preto para me preocupar com isso. Me apresentei, dei um oi a todos e tratei de tirar minha viela do saco, o que gerou uma ondinha de  "ohhh"'.

Eu estava muito tenso, porque de vielistas havia apenas eu e Tobie. Havia três moças no violino, dentre elas uma senhora muito, mas muito fofa. E todas elas tocavam num estilo tradicional que não era irlandês, mas sim bretão. Na conversa do dia seguinte Tobie insistiu no fato de a session não ter sido categoricamente bretã, já que rolou um pouco de tudo: música medieval, danças inglesas, francesas, irlandesas etc. Mas ainda assim, gente. Para quem vem do Rio de Janeiro aquilo foi uma session bretã maravilhosa e eu morri.

Num certo ponto da session, quando eu revezava minha atenção entre (tentar) acompanhar algumas tunes e responder as questões de uma senhora ao meu lado (Rique, o E.T. amigo diretamente do Rio de Janeiro com uma viela, vocês não tem ideia.), a anfitriã da session e aluna do Baptiste jogou na mesa um audível "e você, não vai tocar nada?". Tá ok que em sessions sempre rola um certo climão no ar toda vez que uma tune acaba, né. Há uma expectativa a respeito de quem vai puxar alguma coisa. Bom, nesse momento o climão me pareceu mais forte. Senti um calorzinho e desenterrei um bourrée que aprendi nos primeiros meses de viela de roda, pegando umas tunes num livro de danças tradicionais do Morvan, região montanhosa da França. Mandei essa tune de forma arriscada, não sei mesmo de onde ela saiu. Só sei que Baptiste prontamente me seguiu com sua gaita de fole, e logo depois um dos violinos entrou. Nesse momento achei fofo, esse apoio. Estava morrendo de medo de estar tocando algo claramente descontextualizado, ou sei lá, gente, vai que o raio do Morvan é uma região detestada por todos e eu estivesse causando um certo desconforto. (juro que o overthinking chegou nesses níveis)

Daí que na segunda repetição da tune todos, eu disse TODOS da sala estavam tocando e eu fiquei completamente arrepiado. Minha vontade era de chorar. Na terceira e quarta (!!!) repetições um casal (um senhor do violão e uma das moças do violino) se levantou e simplesmente começou a dançar os passinhos de dança tradicional. Meu sorriso bobo disfarçou bem, porque por dentro eu estava gritando YOU GUYS JUST DON'T UNDERSTAND aos prantos, mas me segurei e me joguei naquele momento. Fiquei tão tocado, mas tão tocado. Lembro de quando aprendi essa bourrée sozinho aqui no meu quarto, sem ter ideia do que eu e minha viela tínhamos pela frente.

Foi realmente uma noite memorável, uma das mais especiais que vivi. Ninguém no mundo vai entender. Nunca. Agora só falta uma session quase puramente vielística aqui no Brasil. E eu quero sentir a mesmíssima coisa novamente. =)


Para ouvir um pouco do Bourrée em questão, clique no link abaixo, que foi o único que encontrei.


Vielisticamente,

Rique

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