segunda-feira, 3 de junho de 2013

No Brasil: David Souza

Construindo sua futura viela

Há pouco, administrando o grupo de viela de roda no facebook, conheci um rapaz de São Paulo que se mostrou, como todo mundo, apaixonado pelo instrumento. Descobri que ele nunca havia ouvido falar na viela de roda até ela ser mencionada pelo seu professor, um luthier de violinos que curiosamente se referiu à viela pelo nome italiano, isto é, ghironda.

David ficou realmente encantado com o instrumento, e também - e isso é engraçado porque muita gente que ama a viela se interessa por isso - se mostrou interessado em construir um instrumento. Logo de primeira, como sempre, vieram os comentários dos mais experientes. Construir um instrumento (seja ele qual for) é algo muito difícil, uma viela, então... Nem se fala. Ainda mais se levarmos em conta a não existência de luthiers ou de qualquer material em português no Brasil. São tantas medidas, tantos detalhes e peças que o trabalho soa impossível.

Pois bem, apesar de tudo isso, David, que começou sua vida musical tocando a rabeca medieval até se auto-instruir em outros instrumentos, foi lá e meteu as caras tanto na internet quanto nas madeiras procedentes (pasmem) de uma demolição. Através de algumas plantas que ele mesmo buscou online ele pôde se dedicar à mecânica e à estrutura do instrumento, estudo esse que culminou, após alguns meses, na construção de uma sinfonia. Exatamente. David CONS-TRU-IU uma sinfonia. Claro que isso não veio do nada. David começou seus estudos de liuteria em São Paulo, estudando no Galpão da Cultura, o único lugar onde se pode estudar esta arte de graça. Lá ocorre um projeto super bacana de reutilização de materiais usados na construção de instrumentos, e é lá que ele ainda trabalha construindo suas peças. É um trabalho que obviamente requer mais prática e cada vez mais empenho, mas ainda assim, é realmente fascinante.


Fora o David, eu só sei de um rapaz que construiu ou está construindo uma viela de roda aqui no Brasil - que seria o Caviúna, em Minas Gerais. A diferença é que o Caviúna constrói vários tipos de instrumentos, como flautas, percussões e outros instrumentos medievais há um pouco mais de tempo, e eu realmente nunca tive a oportunidade de ver a viela em que ele estaria trabalhando.

Enfim, que a viela de roda é um instrumento de difícil acesso, todo mundo já sacou. É preciso se planejar, pesquisar muito, encomendar e muitas vezes, sem brincadeira, ir até o país do luthier buscar o instrumento. Reforço o último item justamente porque ele está diretamente ligado a nossa realidade aqui no Brasil: não há luthiers construtores do instrumento.

Longe de mim me referir a isso como uma tragédia - na verdade, eu acho mais que natural que isso ocorra, afinal a viela nasceu, cresceu e quase (bem quase) morreu lá do outro lado do oceano, na Europa, num ciclo que passou por diferentes países e estilos musicais. Fato é que conforme algumas mudanças sociais foram ocorrendo naquele continente, a viela foi seguindo um fluxo natural bem na dela, refletindo de forma passiva os conceitos de determinadas épocas, ora sendo restrita à igreja, ora parte do folclore, ora venerada quando a ideia de uma vida campestre entretinha alguns, ora sendo novamente largada aos camponeses - especificamente após a revolução francesa. O fato é que esse instrumento existiu por séculos e séculos sem que praticamente ninguém tomasse conhecimento de sua existência aqui desse lado... Até agora.

Se pensarmos dessa forma, vemos que se a viela não foi extinta até hoje, agora é que ela não vai sumir da face da terra. Nosso time de vielistas aqui no Brasil vem crescendo rapidamente (já somos 8!), isso é um fato. E esse post está sendo escrito justamente para celebrar não apenas isso, mas também esse passo interessante que foi dado no mundo vielístico aqui no Brasil. Posso afirmar que a popularidade do instrumento ainda é inversamente proporcional à dificuldade de acesso ao mesmo, mas isso está começando a mudar, graças ao poder que a viela exerce naqueles que ela fisga. Que o caso desse rapaz seja o primeiro de muitos!


David Souza trabalha como luthier e músico, tocando em eventos socioambientais, divulgando a arte de construir instrumentos a partir de materiais encontrados no lixo. Em suas apresentações ele toca instrumentos medievais como a harpa e alguns instrumentos de arco. Atualmente utiliza cordas de harpa e cello na sinfonia que em que toca. Para saber um pouco mais sobre David e seu trabalho, fica aqui uma entrevista com o próprio.

Deixo aqui meus parabéns e um abraço a esse rapaz claramente apaixonado por esse pequeno mundo da viela de roda. Desejo a ele toda sorte do mundo nessa jornada.

Vielisticamente,

;-)

Um comentário:

  1. Um belo trabalho. Sou violoncelista e sempre fui apaixonado por este instrumento. Existe alguma forma de entrar em contato com o rapaz que os faz apartir de material de construção? Esse modelo retangular do tipo sec X é perfeito..

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