segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Chegando em Bourges, a cidade-conto-de-fadas.


Bourges. Inacreditável. Quando pisei fora da estação e respirei aquele ar gelado, foi exatamente isso que pensei.

A alguns quilômetros de distância do centro geográfico da França, a cidade se encontra na região de Berry, coração pulsante do universo da viela de roda tanto para a França quanto para o mundo. O trajeto, apesar da facilidade proporcionada pelos trens, não é nada fácil. Quase 3 horas na ida, passando por pequenas cidades, dentre as quais eu sempre preciso esperar 2 horas numa conexão para voltar a Paris. No frio.  Com um case gigante e uma mochila pesada. Mas ok, faz parte da aventura. O fato é que meu primeiro dia de aula não começou na manhã seguinte, como combinado, mas na noite em que cheguei lá.

Sempre pontual e muito bem vestido (sua esposa Brigitte faz as suas roupas, vejam bem), lá estava Laurent com seu rosto vermelho de frio e as chaves do carro na mão. Muito gentil e prestativo, me explicou que faríamos um pequeno tour pela cidade antes de irmos para casa.

Passamos rapidamente pelas ruas do centro e pude constatar que a cidade é de fato muito, mas muito antiga. A catedral, de longe muito mais linda e impactante que a própria Notre-Dame de Paris, é visível de qualquer lugar, como uma aranha gigante dormindo no meio da cidade. Passamos por ela rapidamente - e Laurent fez questão de estacionar o carro para vermos suas portas, suas gárgulas e estátuas. Seguimos para a escola de música de Bourges, o estabelecimento de ensino musical mais fantástico que já vi; e eu entendi que isso não era um exagero nos míseros 7 minutos em que entramos, deixamos as coisas na sala de viela de roda (!) e saímos. Eu fiquei tão de cara com o lugar que tudo que eu conseguia falar era d'accord enquanto ele me apontava cada centímetro daquele prédio IMENSO. O fato é  que mesmo que se tratasse de uma escolinha com 3 salas, só o fato de você ter uma seção dedicada à música folk (com uma sala especialmente para a gaita de fole e outra especialmente para a viela de roda) já diz muito sobre a qualidade do lugar.

Saímos de lá e partimos para casa, onde fui calorosamente recebido por sua esposa e alguns aperitivos deliciosamente tradicionais da região: galette à base de batatas, uma coisa crocante que não sei o que era, queijos e claro, vinho. E como eu dizia, as aulas começaram ali. Tudo naquela casa, sem exageros, tem alguma conexão com a viela de roda. Quadros, esculturas, fotos, livros, CD's, mapas, porcenalas, pinturas (algumas delas obras da própria Brigitte, que além de costurar divinamente e tocar viela de roda, também pinta!)... Você olha para um canto e voilá, você encontra uma referência ao instrumento. 

Entre taças de vinho e conversas, escutamos alguns discos que eu considero fantásticos (La Machine, Gregory Jolivet, Alexis Vacher, - estes dois ex-alunos do Laurent). A sensação de citar canções que você ama num lugar onde todos - mesmo que sejam duas pessoas - conhecem e agem com naturalidade em relação às mesmas não tem preço. Após muito papo, risadas e perguntas, veio a hora de dormir e dormir eu fui... Com meus presentes. Ganhei alguns CD's de apresentações passadas de alguns dos grupos de viela do Laurent (um com algumas canções do meu programa), umas fotos e o mais especial: uma figurine de um vielista tradicional. Já sinto um amor imenso por Bourges, e um sentimento que não sei descrever por estas pessoas. A gentileza delas ao me receberem assim, sem nunca terem me visto, é quase chocante. E a causa disso tudo é da viela, essa coisa que une pessoas espalhadas ao redor do globo numa mesma paixão. Isso é uma música largada às sombras vindo à tona depois de séculos com uma força que desconhece fronteiras. Isso sou eu aqui, do outro lado da poça, nadando dentro de uma cultura que me fascina de uma forma estupidamente concreta. Freakin'. Awesome.

Fui dormir com um sorriso de orelha a orelha, pronto para botar a mão na manivela na massa e trabalhar muito no dia que me aguardava.

É ou não é?

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