terça-feira, 15 de maio de 2012

Além da Roda - A Viela e Suas Partes

A Cabeça e as cravelhas
E nem só da roda vive a viela.

O monte de coisa acontecendo no ato de tocar uma  viela de roda faz com que aqueles que a vêem pela primeira vez sigam por dois caminhos:  inferir que o mecanismo é mais simples do que realmente é ou achar que tudo é absurdamente complexo - novamente, mais do que a coisa realmente é. Tendo essas visões extremistas em vista, vou tentar explicar aqui de forma geral o que acontece com a viela, suas partes principais e seu mecanismo mais básico. Isso vai ser interessante porque não há uma terminologia oficial na língua portuguesa para todas as partes deste instrumento, então vamos trabalhar com algumas traduções pensadas por mim e pelo querido amigo, o vielista (e também gaiteiro) Augusto Ornellas.

A imagem que abre o post mostra a cabeça seguida de seis cravelhas. Vocês podem inferir que são as cravelhas que seguram as cordas, certo? Se não, tudo bem. É ali que amarramos as pontas de cima das cordas, amarradas também lá depois da roda, no cavalete, como um violino mesmo.

Um dos "F's" da viela
Aliás, a viela de roda em si é como um violino mecânico: temos uma caixa oca (o corpo da viela), uma alma, pequeno cilindro de madeira que fica lá dentro e canaliza a vibração para que o som deixe a caixa através de dois pequenos espaços (os F's no tampo harmônico).

Cordas melódicas, ré 4 (à esquerda), e sua oitava, à direita.
Bem, as cordas, uma vez presas, podem ser acionadas (tiradas de uma pequena suspensão, aqueles ferrinhos ali dentro <<<) de modo a estarem em contato com a roda, que é posta em ação por uma manivela. Algumas vielas mais modernas possuem outros tipos de mecanismos para acionar as cordas, mas isso não vem ao caso no momento. Na imagem ao lado, o que vemos são as duas cordas principais, estas são as chanterelles (ou cantoras, como ouvi meu amigo Augusto Ornellas chamá-las certa vez). Elas são responsáveis pela melodia, ou seja, são afinadas em oitava (no caso da minha, em Ré Maior) e são acionadas pelas tangentes, movidas ao pressionarmos as teclas.
Teclas e suas tangentes
Além das cantoras, temos as cordas que ficam acima acima e abaixo da caixa de teclas. São os bourdons ou drones (são os bordões e não sofrem alteração em sua altura, ou seja, produzem o tempo todo a mesma nota, como os drones de uma gaita de foles); e aqui todos produzem a nota ré em diferentes alturas.

Respectivamente os grande e pequeno bordões,
seguidos pelas cordas simpáticas.
Abaixo do teclado temos bordões fundamentais. A corda mais grossa se trata do bordão grave - ou grande bordão - (gros bourdon, também em ré), abaixo da qual temos mais um ré, desta vez uma oitava a cima (porém uma oitava abaixo da cantora mais grave), chamado de pequeno bordão (petit bourdon). Abaixo destes, como podem ver, existem quatro cordas mais finas, que são as cordas simpáticas. Elas não são acionadas por nada além da vibração, e estão aí para soarem quando você parar de girar a manivela. A afinação delas varia muito de músico para músico. Às vezes são afinadas em quintas, às vezes estão todas fazendo a mesma nota etc.

Vale dizer que o grande bordão não costuma ser muito usado, embora eu não saiba dizer ainda exatamente o porquê. Ainda assim, seu tom grave - que, aliás, é uma corda de cello - encorpa o som de uma forma absurda.

Acima da caixa ou teclado (pense no instrumento em seu colo, com as teclas para baixo) temos mais duas cordas extremamente importantes: o trompete ou corda rítimca (trompette) e a mouche (que seria um bordão barítono, e que em francês significa mosca), esta por sua vez afinada uma quarta ou quinta abaixo do trompete. A corda em questão, para a minha viela, que é em ré, seria um sol. É a única corda que foge de ré (com exceção das simpáticas, dependendo do instrumento).

Da esquerda pra direita: o trompete e a mouche
O porquê de a corda que faz uma quarta ou quinta com o trompete se chamar "mosca", nunca saberemos, creio eu. Entretanto, o trompete tem este nome por uma razão bem específica e audível: ela não é apenas uma corda, mas sim parte de um sistema de percussão próprio da viela de roda.

Trompete e cão
(poético ;-] )
A corda em questão é conectada por uma pequena cordinha (a tirante, que é ajustável) a uma pequena peça, o cão (a tradução literal do francês chien, nome proveniente de seu formato), um pequeno cavalete apoiado no tampo da viela, mas não completamente preso à mesma. Ao enfatizarmos nossa força através de pequenos golpes no manípulo, o cão é acionado, saltando e gerando uma espécie de som percussivo - como um bz bz bzzz - muito característico. Este som é muito (muito rs) utilizado dentro da tradição francesa. E estes golpes seguem toda uma técnica baseada na divisão de pontos na circunferência percorrida pela manivela.

Manivela e Manípulo

In a nutshell, o que vimos até aqui foi: As cordas melódicas (dois rés, em oitava), o trompete, o bordão barítono (um a 5ª ou 4ª abaixo do trompete), o grande bordão e o pequeno bordão - ambos em ré - e as cordas simpáticas.

Vale lembrar que esta configuração diz respeito ao meu instrumento, que está na afinação de Ré/Sol Maior. Para as vielas em Dó/Sol, as melódicas ficam geralmente em sol, em uníssono (podendo às vezes serem afinadas em oitavadas). Já o trompete fica em sol, a mouche em dó, e os outros bordões em sol novamente. Algumas alterações nesta configuração pode e deve ser feita, caso o músico queira tocar em sol ou em dó.

Eu sei que à primeira vista a quantidade de informações beira o absurdo, mas creio que isso aconteça com qualquer instrumento, ainda mais algo inusitado e insólito como a viela de roda é para muitos. Espero que este post seja apenas um primeiro glimpse do mundo técnico da viela, sobre o qual ainda estou aprendendo muita coisa (e o farei por um bom tempo, ainda bem ;-]).

Aproveito para pedir desculpas por não fornecer melhores informações sobre a configuração Dó-Sol; e agradeço imensamente ao Augusto Ornellas por sua paciência e ajuda nas minhas pesquisas.

Até a próxima,

Rique

Um comentário: